Nesses dias eu fui surpreendido com uma campanha bem interessante da Ineos Automotive sobre o seu modelo Grenadier (Granadeiro). Trata-se de uma campanha publicitária ousada, com um tom provocativo e até debochado, apontando diretamente para o Land Rover Defender na sua terra natal, a Inglaterra.
Com o tema “nós contra eles”, a ideia é clara: marcar território e dizer, sem rodeios, que o Grenadier 4×4 não é mais um suve de shopping ou de desfile em bairros nobres e condomínios de luxo. Eu acrescento que, embora o Defender seja um dos suves mais capazes da atualidade, raramente se vê um Defender com vestígios de lama. Claro que conheço alguns que pegam pesado, mas são a minoria.

Mas para entender essa provocação bem colocada, é preciso voltar ao começo da história.
Quando a Land Rover encerrou, em 2016, a produção do Defender original, muita gente lamentou. Aquele utilitário nobre, com apelo 100% off-road, linhas retas, chassi sobre longarinas e espírito de conquista, representava mais do que um carro: era um ícone de liberdade, uma ferramenta para quem realmente precisava de um 4×4, e não apenas queria parecer que precisava.
Um deles era Sir Jim Ratcliffe, bilionário britânico, presidente da gigante química Ineos e apaixonado por aventura e pelo Defender. Inconformado com o fim do modelo raiz, Ratcliffe tentou comprar da Jaguar Land Roveros direitos de produção e as ferramentas do Defender “clássico”. Queria manter vivo aquilo que, para ele, não deveria ter morrido. A proposta foi recusada. E foi aí que nasceu o Grenadier. Ele resolveu usar parte da sua fortuna para construir um suve exatamente do jeito que ele imaginava.

Batizado em homenagem ao pub londrino onde a ideia foi fermentada, o projeto tinha um objetivo cristalino: criar um utilitário esporte de verdade. Um carro para lama, pedra, frio, calor e travessias reais. Motor BMW, tração integral, chassi de longarina, eixos rígidosf. Confortável, mas sem frescuras e maquiagem. Foco total na função. Um retorno à essência da capacidade e da aventura. E assim o Grenadier foi lançado em 2022.

Nesse meio tempo, a Land Rover seguiu por outro caminho. Lançou o novo Defender, belíssimo, tecnologicamente competente e muitíssimo capaz. Mas tudo isso com conforto de Range Rover e acabamento sofisticado. Consequentemente atraiu clientes mais urbanos.
Em 2023, a empresa deu mais um passo e mudou seu nome para JLR, adotando uma estratégia ao estilo LVMH: transformar-se em uma casa de marcas de luxo, e não mais uma fabricante de veículos utilitários. Uma estratégia bem calculada e interessante. Que está elevando ainda mais o status de prestígio das marcas do grupo.
Assim, o Defender virou também um objeto de status, assim como os Mercedes-Benz Classe G. Hoje, é mais fácil ver esses carros um em frente a um café com valet do que cruzando desertos ou o Pantanal. O carro que um dia foi sinônimo de conquista virou, para a grande maioria dos clientes, um acessório de lifestyle. Um instrumento de imagem, não de ação. E eu gosto é da ação! E por, que não, ação com luxo?
Foi aí que a Ineos viu a oportunidade. Preencheu a lacuna deixada por esse reposicionamento da Land Rover com uma proposta corajosa e autêntica. A campanha que circula agora é provocativa, e isso é ótimo.

Um Grenadier coberto de lama encarando um Defender limpinho num painel digital ao lado de uma concessionária Land Rover em Londres é mais do que marketing: é uma mensagem clara. Um manifesto.
A rivalidade entre as marcas, vale lembrar, não é nova. Já houve disputas judiciais envolvendo o formato do Defender original. Em 2020, a Land Rover tentou registrar o design como marca, mas perdeu. Foi essa decisão que liberou o caminho legal para que o Grenadier existisse. Pois por mais que a Ineos negue, a “inspiração” no Land Rover é muito clara.
“Ficamos em silêncio enquanto vencíamos os processos judiciais repetidamente, mas agora sentimos que é hora de esclarecer as coisas. Não somos eles e não estamos tentando ser eles (Land Rover)”, afirmou Lynn Calder, presidente da Ineos Automotive. “Boa sorte para os outros: são carros bacanas. Mas estamos cansados das comparações. É importante deixar claro que somos diferentes.”
Acho essas falas meio confusas. De fato, estão sim tentando ser o que a Land Rover foi. A a Land Rover de antes.
O fato é que a Ineos está tentando posicionar o Grenadier de forma mais clara. É um carro mais raiz, mas bem caro, devido à sua construção e às várias tecnologias. Embora eu goste muito desse tipo de campanha provocativa, que mexe com a memória afetiva e instiga a reflexão, não acredito que o Grenadier vá tirar clientes do novo Defender. Pois a verdade é que eles não competem pelo mesmo público. E o Grenadier atende a um público bem específico e menos abrangente.
O Grenadier não quer ser mais bonito, mais confortável ou mais conectado. Até porque não é. Ele quer ser útil. E isso o coloca em uma categoria distinta, voltada para aqueles que ainda valorizam um carro como ferramenta — não como joia. A campanha, ao que tudo indica, vai trazer notoriedade e interesse à marca. E pode atrair justamente o olhar de quem ainda busca aventura de verdade ou precisa e usa a capacidade, sem filtro, sem verniz.
No fim das contas, o Grenadier não disputa mercado com o novo Defender. Ele disputa espaço com a saudade daquele Defender que já não existe mais.
No entanto a Ineos e o Grenadier ainda têm um longo caminho para se consolidar. Pois o Defender faz tudo que o Grenadier faz só que é mais bonito, mais confortável e mais conectado, além de uma história de 77 anos.
Apesar disso eu admiro a Ineos¹¹ e a autenticidade do seu propósito e desejo sucesso para a empresa.
E para fechar, meu Defender sempre tinha lama. Ele ficava muito mais feliz assim do que brilhando. Certa vez ele foi fotografado em frente de casa e apareceu nas redes sociais, por ser uma coisa rara. E isso circulou até que chegou em mim.
Notas:
Marketing de guerrilha: é uma estratégia criativa e não convencional que busca impactar o público de forma surpreendente e memorável, muitas vezes com baixo investimento e alto poder de engajamento. Inspirado nas táticas de guerra de guerrilha — que usam agilidade, surpresa e inteligência para vencer adversários maiores — esse tipo de marketing aposta em ações inusitadas no cotidiano das pessoas, como intervenções urbanas, flash mobs, ou campanhas provocativas. O objetivo é gerar repercussão espontânea, boca a boca e presença marcante sem depender dos meios tradicionais e dos grandes orçamentos da publicidade clássica.
Grenadier: O termo tem origem no francês e significa, literalmente, soldado granadeiro — um combatente de elite responsável, nos séculos XVII e XVIII, por lançar granadas e abrir caminho em batalhas intensas. Com o tempo, essa figura passou a representar um soldado robusto, corajoso e preparado para enfrentar as situações mais desafiadoras. No contexto contemporâneo, especialmente no universo automobilístico, o nome Grenadier evoca essa herança de força e resistência, remetendo a um veículo projetado para enfrentar terrenos difíceis com a mesma bravura e determinação dos antigos granadeiros em campo de batalha.
Grenadier no Brasil: uma matéria do Luís Fernando Carqueijo.
https://autoentusiastas.com.br/2024/12/ineos-grenadier-no-brasil/
PM
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