A recente notícia de que a Cadillac será a 11ª equipe a competir na Fórmula 1 a partir de 2026 movimentou os noticiários esportivos, tanto pelo fato de que pela primeira vez em dez anos o grid terá 22 carros, como pela polêmica do caso da Andretti, que teve sua inscrição vetada na categoria, mas que terão participação na equipe Cadillac.
Mudanças nas equipes da F-1 são raras nos tempos atuais, dado o altíssimo custo envolvido na operação de uma equipe, as relações com patrocinadores e os próprios contratos com a FIA. Mudanças de nome, como o caso da AlphaTauri que passou a ser Racing Bulls, são até comuns por conta das atualizações nos patrocinadores, mas novas equipes entrando e outras saindo, são cada vez menos frequentes.
Nos primórdios da categoria, entretanto, era algo bem mais corriqueiro. Praticamente a cada etapa havia alguma novidade, com um carro a mais ou a menos, troca de pilotos e até troca de modelos de carros ao longo do ano.
Voltando no tempo, até o dia 13 de maio de 1950, data da primeira corrida oficial do campeonato recém estruturado e chamado de Fórmula 1, no circuito de Silverstone (Inglaterra), a quantidade de inscritos e sua diversidade era no mínimo curiosa se comparada com hoje em dia. O nome oficial da prova foi nada menos que “The Royal Automobile Club Grand Prix d’Europe Incorporating The British Grand Prix”.
Vale lembrar que antes da Fórmula 1 existir como o campeonato que conhecemos hoje, as corridas de Grand Prix existiam desde antes da Segunda Guerra Mundial, com carros equivalentes aos primeiros F-1 dos anos 1950, porém com outra estrutura de campeonato, pontuação e premiação.
Mas quem eram os participantes que fizeram história na primeira prova da categoria que viria a ser tornar a mais importante do automobilismo mundial?
Aqui mostramos quem foram os inscritos (em ordem alfabética), não no sentido dos pilotos, mas das equipes. Algumas delas eram equipes de um carro só, cujo dono era o próprio piloto, mas eram registrados como ‘equipe participante’ ou pelo termo em inglês, ‘entrant’.
ALFA ROMEO

A grande potência do automobilismo europeu no período pré-guerra era a Alfa Romeo, já dos tempos de Enzo Ferrari como o responsável pela equipe de competições, praticamente por toda a década de 1930. Era a equipe mais competente para brigar com os alemães da Mercedes e Auto Union com seus carros muito mais sofisticados.
Como bons italianos, viviam de altos e baixos, intrigas e disputas internas, mas sempre fortes candidatos à vitória. No primeiro GP da Fórmula 1 em 1950, a Alfa estava presente com quatro carros. Juan Manuel Fangio, Giuseppe “Nino” Farina, Luigi Fagioli e Reg Parnell defenderam a honra da Alfa, e dominaram a corrida, com Farina vencendo, Fagioli em segundo e Parnell em terceiro.

A equipe permaneceu na categoria por apenas dois anos, mas tempo suficiente para levar dois campeonatos mundiais de pilotos, com Farina e Fangio.
Para 1952, a equipe abandonou as pistas por conta de disputas políticas e falta de verba de investimento para seguir no esporte, só retornando para a F-1 como equipe em 1979. Antes disso, fornecia apenas motores para outras equipes, como fez com a Brabham, McLaren, De Tomaso e Osella, entre outras.
Nos tempos modernos, o nome Alfa Romeo estava na categoria desde 2018, junto com a Sauber, até o fim de 2023 quando encerraram a parceria de patrocínio.
AUTOMOBILES TALBOT-DARRACQ

A Talbot-Darracq, união de duas marcas francesas existentes desde antes da Guerra, participou também dos dois primeiros anos da Fórmula 1. As empresas vieram de uma união de três nomes, a Talbot, a Darracq e a Sunbeam, formando a STD Motors, mas que durou pouco e foi desfeita antes dos anos 1940.
Para a F-1 em 1950, a Talbot manteve o nome Darracq na inscrição, mas efetivamente era Talbot-Lago, com direção de Antonio Lago. Para a primeira corrida da F-1, a Talbot inscreveu três carros. Yves Giraud-Cabantous, Louis Rosier e Philippe Étancelin eram os pilotos. Yves e Rosier terminaram a corrida em quarto e quinto, logo atrás dos Alfas.
Assim como a Alfa, em 1952 a equipe abandonou a categoria. Não havia interesse em investir para adequar os carros ao novo regulamento que admitia motores de 2 litros apenas.
No começo dos anos 80, a Talbot retornou à categoria com a marca Matra (do mesmo grupo) pela parceria com a equipe Ligier, fornecendo motores.
BOB GERARD

O inglês Bob Gerard foi um dos “autônomos” na primeira corrida da F-1. Piloto particular, um dos gentleman drivers da Inglaterra bem relacionados com os principais pilotos do automobilismo europeu, conseguiu sua vaga na F-1 correndo com um carro fabricado pela ERA (English Racing Automobiles).
Não foi um piloto de participações regulares, correndo em apenas uma ou duas corridas por ano, de 1950 a 1957.
CUTH HARRISON

Assim como Bob Gerard, Thomas ‘Cuth’ Harrison era um piloto independente que disputou três corridas na F-1 em 1950, sendo a primeira em Silverstone, sua estreia. Também correu com um ERA, dotado de um motor de seis cilindros em linha.
Antes de sua aparição na F-1, ele já tinha um bom histórico com carros da ERA na Inglaterra, correndo de dupla inclusive com Bob Gerard em algumas provas de longa duração e ralis, onde posteriormente viria a ser um dos pilotos fixos da equipe Ford inglesa de rali, nos anos 1950.
ÉCURIE BELGE

Registrada sob o nome Écurie Belge, era a equipe do piloto Johnny Claes, nascido na Inglaterra, filho de mãe londrina e pai belga, que no automobilismo defendia a bandeira da Bélgica. Ele disputou a primeira corrida da história da Fórmula 1 pilotando um Talbot-Lago T26C, o mesmo carro usado pela equipe Talbot-Darracq, equipado com um motor de seis cilindros em linha de aspiração natural e 4,5 litros.
Com o nome Écurie Belge, Claes disputou seis provas do campeonato de 1950, mais diversas das provas extracampeonato que não contabilizavam pontos para a disputa do título de campeão. A equipe foi ativa na F-1 até 1953, passando do Talbot-Lago para o Simca-Gordini e posteriormente para o Connaught. Claes participou de provas até 1955, correndo pela equipe de Stirling Moss e pela Écurie National Belge, que nasceu da junção da Écurie Belge com a Écurie Francorchamps do piloto belgs Jacques Swaters.
Esta nova equipe formada participou de diversas provas na F-1 até 1962.
GEOFFREY CROSSLEY

Outro piloto amador a participar da primeira corrida da F-1 em 1950 foi o britânico Geoffrey Crossley com seu monoposto fabricado antes da guerra pela Alta Car and Engineering Company, também inglesa.
Com um histórico de corridas desde antes da Segunda Guerra Mundial, Geoffrey inscreveu-se no Grande Prêmio de Silverstone com o mesmo carro que ele utilizava em diversas outras provas locais com alguns resultados positivos, inclusive recordes de velocidade realizados no autódromo de Linas-Montlhéry, na França.
No primeiro GP da F-1, ele classificou-se apenas em 17° lugar e não concluiu a corrida com problemas na transmissão do Alta. Ele ainda disputou o GP da Bélgica no mesmo ano, sem muito sucesso também.
JOE FRY

Joseph Gibson Fry era conhecido na Inglaterra pela longa tradição da família em fabricar os famosos chocolates Fry desde o século XVIII. Nas pistas, ele era conhecido por ter disputado com sucesso diversas provas de subida de montanha com um carro chamado Freikaiserwagen criado por seu primo e um amigo, o qual mais parecia um pequeno kart com motor de moto.
Nas pistas fechadas e nos Grandes Prêmios, Fry teve bem menos envolvimento, mas se inscreveu com um Maserati 4CL de 1,5 litro com compressor conforme as novas regras da F-1 para a prova. Ele largou em 20° lugar mas conseguiu terminar a corrida em 10°, dividindo a pilotagem com Brian Shawe-Taylor.
Fry veio a falecer menos de um mês depois da corrida de Silverstone numa prova local com seu Freikaiserwagen.
JOE KELLY

Kelly era um irlandês que vinha de bons negócios com comercialização de automóveis e imóveis em Dublin, e com a renda bancava seu hobby de piloto amador. Kelly corria com um Maserati monoposto em eventos no Reino Unido, sem grandes resultados.
Na primeira corrida da F-1 em Silverstone, Joe se inscreveu para correr com um Alta GP bem similar ao de Geoffrey Crossley, largando em 19° mas não conseguiu terminar a prova, ficando bem atrás dos outros com muitas voltas atrás do líder. Esta foi a única prova do campeonato de F-1 que ele participou em 1950.
No ano seguinte, Joe correu novamente com o Alta e unicamente no GP da Inglaterra, também não conseguindo se classificar ao fim da prova.
OFFICINE ALFIERI MASERATI

A equipe oficial da Maserati foi representada por Louis Chiron, nascido em Mônaco e um dos melhores pilotos da época. A bordo de um 4CLT/48 equipado com o tradicional motor 1,5-litro de quatro cilindros em linha com supercarregador e mais de 250 cv, o modelo era veloz e competitivo.
Chiron não conseguiu terminar a prova por conta de problemas na embreagem depois de 25 voltas.
Antes de encerrar as operações de equipe, a Maserati foi campeã com Fangio em 1954 (dividindo o mérito com a Mercedes-Benz) e em 1957. Também levou ao grid o brasileiro Chico Landi em 1956 como piloto oficial da fábrica no GP da Argentina.
A Maserati esteve presente na F-1 até 1958, quando uma crise financeira na empresa bateu forte no departamento de competições, encerrando suas atividades. Em 1951 a equipe oficinal não competiu, voltando em 1952. De 1958 para frente, a Maserati apenas fornecia motores para equipes particulares.
PETER WALKER

Um dos maiores pilotos ingleses da época, Peter Walker participou da primeira prova da F-1 com um ERA tipo E, um projeto ainda de antes da Segunda Guerra Mundial, dotado de um motor de seis cilindros em linha, respeitando o 1,5 litro de cilindrada máxima permitido pelo regulamento para motores supercarregados — para motores de aspiração atmosférica a cilindrada podia ser de até 4,5 litros.
Peter conseguiu se qualificar em 10° lugar nos treinos, mas na corrida, com a condução compartilhada com o conterrâneo Tony Rolt, o carro teve problemas na transmissão antes da 5ª volta. Foi a única prova do campeonato de 1950 que Walker disputou.
Em 1951, Peter correu em apenas uma prova, novamente o GP da Inglaterra, mas também foi vencedor das 24 Horas de Le Mans na sua primeira tentativa, a bordo de um Jaguar C.-type Peter teve excelentes resultados em provas de carros esporte e corridas de longa duração.
RAYMOND MAYS
Outro piloto inglês correndo por conta própria, Mays era um forte piloto com histórico muito positivo nas pistas, tanto em circuitos como em provas de subida de montanha e desafios de velocidade, desde o fim dos anos 1920.
Raymonds iria correr no primeiro GP da Inglaterra com um ERA tipo D, bem defasado em relação aos concorrentes com carros mais modernos, mas abortou a participação logo antes dos treinos
SCUDERIA AMBROSIANA

A Ambrosiana era uma equipe italiana formada por Franco Cortese, Giovanni Lurani, Eugenio Minetti e Luigi Villoresi, defendendo a cidade de Milão, em eventos desde antes da II Guerra Mundial como a Targa Florio e corridas de Grand Prix antes da F-1 existir em 1950.
Para o GP de Silverstone, dois Maserati 4CLT/48 foram inscritos para a dupla inglesa formada por David Murray e David Hampshire. Na classificação, os dois ficaram em 16° e 18° lugares. Na corrida, Hampshire terminou em 9° lugar e Murray teve problemas no motor, abandonando a corrida.
A Scuderia ainda participaria dos GPs da França e da Itália em 1950, sem sucesso. Em 1951, David Murray tentou novamente correr em Silverstone, não completando a prova, e em 1954, agora com o Ferrari 500, o inglês Reg Parnell também não conseguiu terminar o GP de Silverstone.
Os nomes de peso do automobilismo italiano que passaram pela Ambrosiana deixaram resultados bons no período pré-Fórmula 1, mas depois de 1950 não tiveram a mesma força.
SCUDERIA ENRICO PLATÉ

O italiano Enrico Platé, além de piloto, foi um dono de equipe que esteve presente na F-1 de 1950 a 1953, sempre correndo com modelos da Maserati, com o 4CLT/48 e depois o A6GCM. Antes da F-1, ele teve sua equipe ativa e bem sucedida desde os anos 1940, contando com pilotos como Tazio Nuvolari e Louis Chiron.
Na F-1, em especial no primeiro Grande Prêmio, dois carros foram inscritos, um para o suíço nascido na França Emmanuel de Graffenried e outro para o Príncipe Bira (apelido de Birabongse Bhanudej Bhanubandh), da família real da Tailândia, um piloto de grande sucesso nos anos 30, 40 e 50.
Bira qualificou-se em 5° lugar nos treinos, e Graffenried em 8°. Na corrida, Bira teve bom desempenho mas ficou sem combustível. Graffenried teve problemas no motor do Maserati.
Em 1950, o melhor resultado da equipe foi um 4° lugar de Bira no GP da Suíça, além de um bom 5° lugar em Mônaco. Toulo conseguiu dois 6° lugares.
Um detalhe curioso é que em 1952, Platé chegou a retrabalhar os motores Maserati a tal ponto que a própria Maserati reconheceu que não eram mais motores da fábrica, classificando a equipe como uma fabricante de motores, mas durou pouco tempo. A equipe deixou a categoria no final de 1953, mesmo tendo apenas uma participação no campeonato. Eventos fora da F-1 trouxeram vitórias para a equipe como registros muito positivos.
SCUDERIA MILANO
Mais uma equipe italiana de Milão, fundada pelos irmãos Arialdo e Emilio Ruggeri, marcou presença apenas na lista de inscritos do primeiro GP da Fórmula 1. Felice Bonetto, um grande piloto italiano de sucesso, estava inscrito para participar em Silverstone com um Maserati 4CLT/50, a versão mais atual do 4CLT.
No fim de semana do evento, a equipe não estava presente, mas mantiveram o nome nos registros.
A equipe participou de outras duas provas em 1950, mais duas em 1951 e uma em 1953, sendo que um dos pilotos nesta última prova foi Chico Landi ao lado do Príncipe Bira.
T.A.S.O.

A equipe registrada como T.A.S.O. vem do nome de seu criador, Thomas Alastair Sutherland Ogilvie (TASO) Mathieson, um escocês com longo histórico de participações no automobilismo desde os anos 1930. Em 1950, ele conquistou a vitória na sua categoria na 24 Horas de Le Mans com um Frazer-Nash.
Para o GP da Inglaterra de 1950, Thomas inscreveu um carro para o piloto inglês Leslie Johnson, nome de sucesso local e com bons resultados em toda a Europa. Ele correria com um ERA tipo E, classificando-se em 12° lugar. Na corrida, o supercarregador do ERA quebrou com apenas duas voltas, deixando o inglês na mão.
A equipe acabou focando seus esforços em provas de carros esporte, abandonando as corridas de F-1 e monopostos de modo geral.
E A FERRARI?
De fato, a história da Scuderia Ferrari se confunde com a da própria F-1. Em 1950, Enzo Ferrari tinha sua equipe estruturada e seu primeiro carro de Fórmula 1 estava pronto, o modelo 125 equipado com motor V-12 de 1,5-litros supercarregado, derivado diretamente do modelo de 1948 que disputou provas de Grand Prix na Europa.
Estava tudo certo para que a Ferrari participasse do campeonato desde sua primeira etapa em Silverstone, porém, um desentendimento do Comendador com os organizadores sobre o valor do prêmio de participação (uma quantia em dinheiro paga às equipes por participarem da corrida, como uma forma de atrativo para os participantes, que por sua vez, atraíam público e outros pagantes) fez com que a Ferrari ficasse de fora da primeira prova.
Com uma solução acordada entre Ferrari e os organizadores apenas para a segunda corrida do ano, em Mônaco, a mais tradicional equipe da categoria ficou de fora da prova inaugural da Fórmula 1.
MB