Quando a Cadillac anunciou que voltaria a montar carros à mão no Tech Center de Warren, a cena soou como déjà vu da época do Eldorado Brougham, produção baixíssima, atenção obsessiva e preço de Rolls-Royce. O Celestiq nasce exatamente nessa pegada. São apenas duas unidades por dia, cada uma ajustada em processo de concierge que pode levar meses e ultrapassa trezentos e cinquenta mil dólares antes de qualquer capricho extra.
Por fora, o estilo lembra um fastback enorme, com quatro portas que se abrem por toque e um capô longo o bastante para acomodar o reposicionamento do módulo Ultium que percorre o assoalho e forma uma torre central. A engenharia de Detroit empilhou células como panquecas na parte baixa e em colunas internas, solução que baixou o piso e permitiu uma linha de teto mais baixa que a de um CT5, mantendo proporções clássicas mesmo em um elétrico. A carroceria combina seis peças únicas de alumínio fundido de grande porte (mega casting) com painéis de compósito e carbono. Para unir tudo entram mais de cento e quinze itens impressos em 3D, inclusive o aro do volante, polido à mão durante três semanas, e as saídas de ar usinadas em alumínio sólido. A regra é simples, se parece metal, é metal.
O trem de força usa dois motores, um em cada eixo, totalizando 655 cv e 89 m.kgf. A arrancada de zero a 60 milhas por hora (zero a 96,5 quilômetros por hora) leva cerca de 3,7 s, mérito do software que gerencia tração em qualquer clima. A bateria de 111 kW·h aceita carregamento de até 200 kW e entrega algo próximo de 483 quilômetros de alcance real. As quatro rodas esterçam, a suspensão pneumática trabalha com amortecedores de fluido magnetorreológico que se recalibram mil vezes por segundo, o controle ativo de rolagem (Active Roll Control) nivela a carroceria em tempo real e ainda existe o esterço traseiro que garante manobras mais fáceis e estabilidade de esportivo. Os freios levam discos ventilados com pinças Brembo. Tudo afinado para oferecer aceleração vigorosa no início e entrega progressiva depois, priorizando conforto sobre brutalidade.
Dentro do carro a primeira coisa que salta aos olhos é a tela de cinquenta e cinco polegadas que atravessa o painel de porta a porta. Motorista e passageiro dianteiro recebem resolução 8K, enquanto cada ocupante traseiro conta com um monitor independente de 12,6 polegadas. O teto Smart Glass, dividido em quatro quadrantes, usa tecnologia de partículas suspensas, permitindo que cada um ajuste sua janela entre opaco total e praticamente transparente. O sistema ClimateSense também separa a climatização em quatro zonas, criando microclimas independentes. Para fechar o ambiente, trinta e oito alto falantes AKG com Dolby Atmos transformam o silêncio do trem de força em sala de concerto itinerante, sem esquecer massagem, aquecimento, refrigeração e comandos táteis em cada poltrona.
O processo de aquisição começa no Cadillac House at Vanderbilt, um prédio modernista dentro do Centro Técnico Global da GM.. Ali o cliente conversa diretamente com designers e artesãos, define couro, madeira, carbonos, metais ou cristais e acompanha maquetes físicas ou renders em escala real. Algumas escolhas se resolvem em menos de uma hora, outras se arrastam por um ano, sempre com o mesmo time que depois monta o carro em espaço dedicado dentro da linha experimental que custou mais de oitenta milhões de dólares.
Com preço base de 340 mil dólares, o Celestiq se estaciona ao lado de Bentley Flying Spur e Rolls-Royce Spectre na ala de elétricos ultraluxo, mas nenhum rival oferece esse nível de liberdade de configuração ou a estreia do Ultra Cruise, evolução do Super Cruise capaz de assumir a condução em mais de três milhões de quilômetros cartografados. A Cadillac tenta recuperar o slogan “Standard of the World” (Padrão do Mundo) mostrando musculatura industrial e ousadia estética no mesmo pacote. Foi assim com os V 16 dos anos trinta, com o Eldorado Brougham dos anos cinquenta e volta a ser agora, só que embalado por motores silenciosos e um arsenal digital. A GM fará poucos Celestiq, porém o modelo serve de vitrine de tecnologias que devem migrar para modelos mais acessíveis ao longo da década. Para o ano-modelo 2025, a GM confirmou que apenas 25 Celestiq deixarão o Artisan Center; praticamente todos já têm dono.
Eu não dirigi o Celestiq, mas a combinação de dados técnicos, obsessão pelo detalhe e resgate de um processo quase artesanal deixa claro que a Cadillac quer devolver ao cliente a sensação de objeto artístico, único, que fala com o futuro sem renegar o passado. Se mantiver a coerência do conceito até a garagem do comprador, a GM terá transformado este sedã elétrico em credencial para a próxima geração de Cadillacs.
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A DEUSA DA CADILLAC REINVENTADA
A Deusa da Cadillac volta a aparecer no CELESTIQ, homenageando a história de design da marca e simbolizando a arte personalizada e artesanal.

“Reimaginar a Deusa foi uma experiência rica, pois exigiu estudar o passado e entender a evolução da Cadillac até o que ela representa hoje”, afirma Richard Wiquist, escultor criativo da marca que chegou ao estúdio da GM com formação em arte figurativa. “Esta nova versão traz uma forma ascendente que respeita a herança da marca e, ao mesmo tempo, projeta o emblema para o futuro.”

Introduzida em 1930, a Deusa surgiu no auge dos mascotes automotivos. Durante cerca de vinte e cinco anos recebeu várias interpretações, sempre acompanhando a linguagem de design da Cadillac e o espírito cultural de cada período. Os primeiros exemplares tinham influências clássicas, enquanto as versões da década de cinquenta assumiram estilo mais abstrato, alinhado às tendências da Era a Jato.
“A Deusa sempre refletiu o zeitgeist (espírito do tempo) estético”, observa Wiquist, que buscou inspiração na peça de 1933 usada nos lendários V-16. “Aquela escultura transmitia movimento por meio do manto que parecia fluir da figura.”
O acervo do Centro de Design da GM ofereceu referências adicionais, com estudos de drapeados (dobras suaves que simulam tecido) em esculturas produzidas ao longo de séculos. Cada detalhe de uma escultura carrega significado ou procura despertar reação emocional, comenta o artista. No novo emblema, era essencial dar contexto e reforçar a ligação entre a Cadillac e seus clientes, materializada em veículos como o CELESTIQ.
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Sem limitações formais, Wiquist trabalhou por meses no modelo de argila, refinando o estilo impressionista até que o gesto transmitisse leveza e impulso. O objetivo era reinterpretar a figura para uma nova era, deixando que outros designers da Cadillac definissem como aplicá-la ao sedã.
A Deusa aparece em três pontos do carro. No exterior, integra uma plaqueta de vidro moldado inserida em um bloco de alumínio usinado, polido e escovado. No interior, ocupa o centro do controlador multifunção do console, também protegida por vidro; o aro externo gira independentemente, mantendo a figura na posição correta. Há ainda um emblema bidimensional acima da tampa de recarga, iluminado quando o veículo está conectado.
“Herança e futuro caminham juntos na Cadillac”, conclui Wiquist. “A Deusa expressa essa conexão emocional e o processo de co-criação que transforma cada CELESTIQ em peça única.”
PM
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