Enquanto a Porsche se prepara para a 24 Horas de Le Mans, nos dias 14 e 15 próximos, foi revelado um irmão do Hypercar 963 — o 963 RSP. Um modelo único baseado no carro vencedor dos campeonatos IMSA e WEC, o carro segue de perto o design adotada por um 917 muito especial há 50 anos. Apropriadamente, sua estreia ocorreu na última sexta-feira (6/6) nas ruas próximas ao Circuit de la Sarthe, ao lado do carro que inspirou sua criação.
Resultado do trabalho conjunto de uma equipe da Porsche AG, Porsche Penske Motorsport e Porsche Cars North America, em parceria com a lenda do automobilismo Roger Penske — cuja inicial do sobrenome complementa a sigla de três letras do carro — o 963 RSP foi influenciado pelo inovador 917 e por uma ousada viagem realizada meio século atrás.
Em abril de 1975, um 917 (chassi 30) — o carro de corrida de longa duração mais avançado da época — realizou uma jornada extraordinária, não em uma pista, mas em vias públicas. Da fábrica em Stuttgart/Zuffenhausen, seguiu até Paris — ao volante, seu enigmático proprietário, que insistiu em fazer o mínimo de modificações no carro, o qual permanece na França, e ainda circula nas ruas até hoje.
“Tudo começou como um ‘e se?’ — um projeto apaixonado de um pequeno grupo de entusiastas da Penske e da Porsche que imaginaram juntos uma versão do 963 que se parecesse ao máximo com o espírito e a aparência do 917 do Conde Rossi,” disse Timo Resch, presidente e executivo-chefe da Porsche Cars North America, que concebeu a ideia original. “O 917 da história era, em todos os aspectos, um carro de corrida — embora dirigido nas ruas — e adotamos a mesma abordagem com o 963 RSP. Ele usa materiais belíssimos e da mais alta qualidade disponível, mas ainda é, sob a carroceria, um carro de corrida.”

O 963 RSP apresenta mudanças significativas em relação ao carro em que se baseia. Diferentemente dos modelos de competição, que são envelopados em cores diversas, o 963 RSP é o primeiro de seu tipo a ser pintado; um desafio único devido à natureza da carroceria de compósito de fibra de carbono (CFRP) e aramida, que é ultrafina em certas áreas para economizar peso. Como homenagem ao 917 do Conde Rossi, o 963 RSP é pintado na cor Martini Silver e possui carroceria especialmente modificada, além de interior exclusivo de couro bege e Alcantara, inspirado nas escolhas de acabamento feitas pelo Conde Rossi há 50 anos.
Um conjunto mecânico e eletrônico dedicado foi configurado para sua estreia nas ruas próximas a Le Mans — incluindo aumento na altura livre do solo, amortecedores amolecidos e reprogramação da unidade de controle para permitir que faróis e lanternas funcionassem de forma mais próxima à de um carro de rua. Essas modificações, junto à carroceria adaptada para cobrir os para-lamas, ao uso de pneus Michelin para piso molhado e até à instalação de uma buzina, permitiram que o carro atendesse aos critérios exigidos para circular em vias públicas e portar placas, sob autorização especial das autoridades francesas e com apoio entusiástico do Automobile Club de l’Ouest (ACO), organizador da 24 Horas de Le Mans.
“Foi uma experiência que levarei comigo para o resto da vida”, disse Timo Bernhard, que esteve ao volante do 963 RSP em seus primeiros quilômetros nas ruas. “Dirigir por uma estrada pública com um 917 ao meu lado — parecia irreal. O carro se comportou perfeitamente — um pouco mais civilizado e tolerante do que o 963 tradicional — e parecia extremamente especial e muito mais confortável, especialmente por eu não precisar de todo o equipamento de segurança.”

“Temos desfrutado de uma relação extraordinária com a Porsche desde 1972. O Porsche 917/30, em particular, representou uma das maiores eras da história da equipe Penske, com inúmeras vitórias e campeonatos, além do recorde de velocidade em circuito fechado estabelecido por Mark Donohue em 1975,” disse Roger Penske, presidente da Penske Corporation. “Com uma parceria tão notável se mantendo até hoje, sentimos que era hora de criar o carro mais empolgante que pudéssemos imaginar. Assim como o 917, eu queria que este carro fosse autêntico à sua origem e tivesse o mínimo possível de alterações. Quando entramos no projeto, as diferenças entre as duas gerações de carros de corrida representaram um grande desafio. O resultado é um carro que não perdeu nada de sua essência e que é emocionante tanto na pista quanto nas ruas.”
O 963 RSP será exibido ao público no Circuit de la Sarthe durante a 24 Horas de Le Mans antes de retornar a Stuttgart para ser apresentado no Museu da Porsche. Em julho, o carro será exibido ao lado do 917 no Festival de Velocidade de Goodwood.
Como surgiu
O conceito surgiu durante uma reunião à beira da pista entre Timo Resch (presidente e executivo-chefe da Porsche Cars North America), Thomas Laudenbach (vice-presidente da Porsche Motorsport) e Urs Kuratle (diretor de corridas de fábrica LMDh), em Road Atlanta. Inspirados pelo 917, imaginaram repetir o feito com um 963. Esse pequeno grupo levou a proposta básica a Roger Penske e Jonathan Diuguid (diretor-executivo da Porsche Penske Motorsport) — ambos encorajaram e desenvolveram a ideia. Roger Penske foi nomeado o cliente do carro, que recebeu seu sobrenome em homenagem.

Exterior
Com o conceito definido, a equipe Sonderwunsch em Zuffenhausen, Alemanha, começou a traduzir a ideia em realidade, em cooperação com os colegas da Porsche Classic em Atlanta, EUA — uma instalação independente inaugurada em 2023. Com base nas alterações escolhidas pelo Conde Rossi em 1975, Grant Larson, diretor de projetos especiais da Style Porsche, e sua equipe de design imaginaram um 963 o mais próximo possível do original, com paleta de cores prata e preta no exterior, e uma mistura de couro bege e Alcantara no interior.
Isso incluiu a decisão de pintar o carro — como no caso do 917 — em vez de adesivá-lo, como é comum nos carros de corrida atuais, algo que representou um grande desafio devido à carroceria de aramida e CFRP. A cor “Martini Silver” foi verificada nos registros mantidos pelo Museu Porsche em Stuttgart-Zuffenhausen e recebeu aplicação de verniz em três camadas. Componentes menores como dobradiças e suportes do aerofólio foram finalizados em preto acetinado, e um logotipo “963 RSP” impresso em 3D foi criado e aplicado à traseira do carro.
Para alinhar mais de perto o 963 à forma do 917, alterações na carroceria foram feitas no 963 RSP. Isso incluiu a criação de aberturas únicas nos para-lamas — que, nos carros de corrida convencionais, permaneceriam abertas. A colaboração entre a Sonderwunsch e a Porsche Penske Motorsport começou com renderizações digitais, seguidas pela aplicação no carro real. O novo design permite a liberação do ar acumulado nas caixas de roda. Além disso, as placas de cobertura de CFRP que ficam no aerofólio — obrigatórios no carro de corrida — puderam ser removidos para o 963 RSP.

No nariz do carro — substituindo o gráfico aplicado em todos os 963 convencionais — foi instalado um emblema esmaltado da Porsche, detalhe compartilhado com o 917.
Uma mudança sutil foi a adição de logotipos Michelin da década de 1970 nas laterais dos pneus, e pneus de chuva de 18″ sobre rodas forjadas OZ Racing. Por fim — e pela primeira vez — suportes para placas dianteiras e traseiras foram adicionados antes da condução do carro em vias públicas para marcar os 50 anos da primeira condução do 917 nas ruas.
Interior
Talvez a maior diferença em relação ao 963 de corrida ocorra no interior do 963 RSP. Seguindo o exemplo do interior artesanal e completamente sob medida do 917 (que permanece não restaurado até hoje), o 963 RSP apresenta uma mistura de couro bege macio e Alcantara. Enquanto o carro de corrida oferece pouquíssimos recursos de conforto, o 963 RSP é mais acolhedor — com banco de CFRP em peça única revestido de couro e almofadas macias ao longo do centro, além de encosto de cabeça fixo montado na parede de CFRP. Os bancos são — como no carro de corrida — climatizados. Almofadas para as pernas no assoalho, forro do teto e colunas foram revestidas de Alcantara clara, e o volante — onde estão concentradas as principais funções do veículo — foi finalizado com couro. Um toque bem-humorado é o porta-copos removível, impresso em 3D, capaz de acomodar com segurança uma caneca de viagem Porsche.
Ao lado do motorista, um novo painel revestido abriga o headset Peltor e o volante quando fora de uso, além de uma plataforma para o notebook usado para ligar e operar o carro, e o capacete de competição de compósito de fibra de carbono personalizado de Roger Penske.

Embora as cores e o design do interior remetam claramente ao 917, há elementos mais sutis — como as tampas personalizadas das saídas de ventilação que imitam o estilo da ventoinha horizontal sobre o motor flat-12 do 917. As portas são revestidas de couro e Alcantara, com uma pequena placa de metal fixada a uma delas indicando o número do chassi e a data e local de fabricação.
Mudanças mecânicas
A altura do carro foi elevada ao máximo disponível para uso em vias públicas, enquanto os amortecedores ajustáveis Multimatic DSSV, projetados para protótipos de corrida, foram configurados em sua posição mais suave para proporcionar uma condução mais confortável.
A unidade de controle foi modificada para permitir o funcionamento das setas e possibilitar o ajuste dos faróis para uso em estrada. O trem de força híbrido V-8, com bateria de íons de lítio — capaz de operar somente com propulsão elétrica — permaneceu com a calibração padrão de corrida no 963 RSP, mas a entrega de potência da unidade motora-geradora (MGU) foi remapeada para fornecer uma resposta mais suave e apropriada ao uso rodoviário em comparação à competição. O motor também foi calibrado para funcionar com gasolina comercial 98 RON, o que representou um desafio técnico considerável para a equipe.
Toques finais
Acompanhando o 963 RSP, está um capacete de competição sob medida de CFRP, com detalhes em Martini Silver que combinam com o carro, além de um conjunto personalizado de ferramentas da Snap-on, com baú e detalhes pintados na mesma cor, uma placa comemorativa do projeto e de seu homenageado, e puxadores revestidos com o mesmo couro usado no interior do carro. As gavetas possuem espumas moldadas sob medida para abrigar ferramentas e equipamentos especiais necessários para ligar, operar e fazer manutenção no carro.
Embora seja capaz de circular em vias públicas sob circunstâncias especiais e de acordo com os requisitos locais (as modificações no carro permitiram o uso de placas francesas de fabricante — placas do tipo “W” — para sua estreia), o 963 RSP não é um modelo homologado da linha Porsche e foi concebido para permanecer como um exemplar único e muito especial.
Trem de força do 963

O 963 é equipado com um motor V-8 biturbo de 4,6 litros com potência de aproximadamente 680 cv, cuja origem remonta ao programa de corridas RS Spyder, operado pela Penske e vencedor de todos os títulos da categoria LMP2 na American Le Mans Series entre 2006 e 2008. O motor teve a cilindrada aumentada de 3,4 para 4,6 litros e, posteriormente, usado no superesportivo 918 Spyder, lançado em 2013.
O virabrequim plano e o curso curto dos pistões permitem um ponto de montagem baixo, o que ajuda a otimizar o centro de gravidade do carro. Enquanto o 918 Spyder utilizava o motor em configuração de aspiração atmosférica, o 963 emprega dois turbocarregadores fornecidos pela fabricante holandeses Van der Lee, com pressão de admissão moderada, instalados do lado quente do motor — o que otimiza a resposta ao acelerador. No total, cerca de 80% dos componentes do motor no 963 são compartilhados com o 918 Spyder, que já havia sido concebido para operar em conjunto com um sistema híbrido.
Os componentes padronizados do sistema de reforço elétrico são fornecidos pela Bosch (unidade motora-geradora, eletrônica e software) e pela Williams Advanced Engineering (bateria de alta tensão). A unidade motora-geradora (MGU), responsável pela entrega de potência e regeneração sob frenagem do eixo traseiro, trabalha em interação direta com o câmbio sequencial de sete marchas da Xtrac. A MGU fica alojada entre o motor a combustão e a caixa de câmbio.
O sistema elétrico híbrido opera com até 800 volts. A bateria padronizada tem capacidade de 1,35 kW·h, que pode ser mobilizada a qualquer momento durante a aceleração. Uma potência de 40,8 a 68 cv está disponível em curtos intervalos, sem alterar a potência total do trem de força. Quando o impulso elétrico da MGU entra em ação, a potência do motor a combustão — que pode ultrapassar 8.000 rpm (dependendo do Equilíbrio de Desempenho) — é automaticamente reduzida.
MF