Foi na segunda-feira passada (2/6) que Leonardo “Léo” Romanelli Guimarães me enviou mensagem sobre a matéria do motorhome Porsche Mikafa Tempo Sport e aí foi reatado um elo de muito tempo atrás quando trocamos ideias e informações sobre a parte traseira de VW Fusca de vigia traseira oval. No emocionante causo que ele me enviou tudo isto vai ficar claro. Este causo vai deixar uma mensagem de que com perseverança e força de vontade tudo é possível.
A História do Meu Fusca Oval
Por Leonardo “Léo” Romanelli Guimarães
Minha paixão pelos Fuscas nasceu no berço. Cresci ao lado do meu avô, carinhosamente apelidado de “Carneirinho”, com quem fui morar, com 12 anos, para cuidar dele, que já estava com saúde um pouco debilitada, e da minha avó. Ele tinha um VW Fusca 1976, comprado zero-quilômetro. Esse carro era mais do que um meio de transporte, era uma extensão da sua alma. Ele mesmo fazia toda a sua manutenção e nos levava em passeios que viraram lembranças eternas.

Quando meu avô adoeceu, mesmo eu ainda sendo ainda menor de idade, assumi os cuidados com o carro, tentando mantê-lo sempre como ele gostava. Ele olhava pela janela e ficava feliz por ver o VW Fusca sempre bem cuidado. Eu limpava o VW Fusca, encerava, funcionava o motor na garagem e, às vezes, com o coração acelerado e a permissão do destino, saía rapidinho até o posto para abastecer. Após seu falecimento, minha avó, reconhecendo o vínculo que eu tinha com aquele VW Fusca, achou justo que ele ficasse comigo. Ao atingir a maioridade, fiz todo o inventário do carro e as transferências legais, e desde então a paixão só aumentou.
Contudo, sempre sonhei com um VW Fusca mais antigo, tanto que na época até deixei o 1976 com um estilo criado por mim, que me agradava mais.

No entanto, meu maior desejo era ter um modelo oval, especificamente de 1956. Durante anos procurei um que coubesse no meu bolso, tarefa nada fácil, como os bons apaixonados pela linha VW arrefecida a ar sabem. Na época, eu ainda estava no início da vida profissional, dando meus primeiros passos na área de Tecnologia da Informação.
Foi então que surgiu uma oportunidade inesperada: meu primo tinha um VW Fusca 1968 que havia sido batido e consertado de forma bem precária, e estava “abandonado” sob uma árvore há um bom tempo. A traseira estava totalmente desalinhada. Veio-me, então, uma ideia ousada: por que não transformar esse ’68 num oval?
Pesquisei peças, réplicas e encontrei algumas coisas pela internet. Com ajuda financeira da minha mãe na época, negociei o carro com meu primo e fui junto com meu pai buscá-lo. Levamos peças de reposição que eu tinha —meu avô sempre teve muitas peças: carburador, velas, bobina, etc. E voltamos com ele andando. Aos poucos fui comprando itens como uma réplica da janela traseira oval, lanternas, luz de placa, entre outras raridades, para iniciar o projeto.

Com o tempo, consegui um emprego melhor e decidi começar o projeto de modificação. Tudo começou em 16 de outubro de 2013. Primeiro passo, remover a tinta, pois precisava de um “start”. Para isso contei com a ajuda de um amigo chamado Felipe, também apreciador de carros antigos, que me ajudou a tirar as primeiras camadas de tinta ainda na garagem da casa em que eu morava com minha avó.
Na varanda da casa dos avós, ao lado do amigo Felipe, em 16 outubro de 2013. Onde tudo começou: tinta velha, massa e muita história.
Por que não andar um pouco sem tinta? (risos) Sim, aproveitei cada momento!

Depois construí uma garagem na casa dos meus pais, e no improviso, com as ferramentas que tinha fui continuando o projeto. Sempre fui muito curioso, daqueles que colocam a mão em tudo (risos), o que não sabia procurava e aprendia, mas cheguei a um ponto em que percebi que não conseguiria seguir adiante sem ajuda. O tempo estava curto para mim, o trabalho já consumia bastante e eu ainda cuidava da minha avó.
Garagem improvisada na casa dos meus pais, finalizando a remoção da tinta do VW Fusca, alinhando a traseira e trocando a saia.
Ainda na casa dos meus pais, até onde consegui chegar trabalhando sozinho: traseira alinhada e primer aplicado para evitar ferrugem.
A partir deste ponto, foi então que pedi ajuda para um grande amigo na cidade de Virgínia, MG: o Ronan. Ele já havia dado um banho de tinta no Fusca branco que foi do meu avô. Um verdadeiro irmão de alma, que abraçou o projeto comigo como se fosse dele. Conversamos todos os dias pelo celular. Sem o talento e a dedicação dele, nada disso teria sido possível.
Foram cinco anos de trabalho, paciência e amor ao que fazíamos (isso contando o tempo que fiquei mexendo em casa sozinho). Chegamos a fabricar, inclusive, a tampa do motor com o famoso “W” diferenciado. Eu perguntava se seria possível, ele me disse: “venha aprender como será fácil”. Ele arrumou um saco com areia, colocou a tampa original em cima, marcou as medidas que eu já havia conseguido através de pesquisas, fez um molde em um arame grosso, marcou, virou o arame para o outro lado replicando, e começou a bater o martelo dando a nova forma na lata sobre o saco de areia. O resultado foi o ‘W’ todo feito na lata, com pouquíssima massa, apenas para acabamento.
Já na oficina do Ronan em Virginia, MG, realizando a tão sonhada tampa do motor em formato W, toda feita na lata.
Momento da transformação
Um dos momentos mais marcantes e delicados do projeto foi o enxerto do vidro traseiro oval. Infelizmente, perdi parte das fotos que registravam esse processo, em um dano no meu disco rígido, mas a lembrança e o aprendizado continuam bem vivos, e merecem ser contados os detalhes possíveis.
Tudo começou com a preparação da estrutura original. O primeiro passo foi cortar o painel traseiro antigo e construir a parte interna do painel em lata, respeitando as curvaturas e proporções do modelo oval original. Essa etapa exigiu muito cuidado, pois não se tratava apenas de cortar e adaptar, mas de refazer a alma do carro, como se a lataria precisasse “aprender” a ser oval.
Com a parte interna devidamente formada e reforçada, partimos para a pintura estrutural da área, (pois após o enxerto do vidro traseiro, não conseguiríamos pintar essa parte que ficaria por dentro, isso protegeu toda a lata antes de seguir para a próxima fase.
A etapa final foi o enxerto propriamente dito: o modelo oval foi cuidadosamente encaixado e colado com um material próprio (depois de muito estudo descobrimos o material chamado solda fria) para unir esse material em plástico com a sobre a estrutura em lata já formada. Aqui, o desafio era conseguir a harmonia estética e funcional do vidro, mantendo a linha de cintura, simetria e caimento corretos. A solda e o acabamento foram feitos de forma a parecer que o carro nasceu assim, um verdadeiro trabalho artesanal.

Mesmo sem todas as imagens que gostaria de mostrar, guardo com carinho cada momento desse processo. Enxertar o vidro oval foi mais que uma adaptação estética, foi um reencontro com a história, uma reverência à tradição e, acima de tudo, uma homenagem à essência do Fusca e meu sonho.

O resultado real deste enxerto pode ser visto nas fotos de pintura abaixo na matéria.
A pintura acabou sendo uma história à parte. Pedi ao Ronan que comprasse a cor “Coral Red”, clássica dos VW Fuscas alemães. Por conta de uma confusão com a tradução, o rapaz que fez a tinta trouxe a cor “vermelho Coral” nacional. Quando fui ver o carro já estava todo pintado. E agora? Refazer tudo? Não… Eu achei a cor bonita e o Ronan também, então decidimos manter a cor, ficou o nosso “Coral Red à brasileira” (risos).

Pintura, a cada camada, uma dose de sonho se concretizando
Durante essa caminhada, fui colhendo ideias e referências, e uma das maiores foi o famoso “VW Fusca Rosinha” do Alexander Gromow. Generosamente, ele me enviou fotos do interior e até medidas que eu precisava da traseira. Aquilo foi combustível puro para continuar. Todo sábado que era possível, eu ia até a cidade de Virgínia ajudar no que pudesse. O Ronan nunca foi de contar horas, ele era já aposentado, gostava do que fazia e eu também.
Em certo momento, comprei outro VW Fusca, dessa vez um bege ano 1973, só para aproveitar os bancos e algumas peças. Estava num matagal, todo coberto de mato e de lodo preto. Quando limpei e vi o estado de conservação e o alinhamento da carroceria, não tive coragem de desmontá-lo. Resultado? Arrumei o que precisava, troquei rodas, faróis, etc., Ronan me ajudou a montar o motor (que estava desmontado) e já estava eu com três VW Fuscas na garagem!

A parte interna veio mais adiante. À procura de um bom profissional, foi na cidade de minha esposa, Passa Quatro, MG, que conheci o Murilo, um artista do estofamento. Ele entendeu exatamente o que eu queria: um interior fiel às referências que o Alexander Gromow havia enviado nas fotos, mas com um toque pessoal meu.

A mecânica ficou por conta do Thomaz, outro grande amigo dessa construção. Como gosto muito de viajar com os VW Fuscas, criamos um motor com um “veneno do bem”, que deixou o carro esperto com um bom fôlego e muito gostoso de guiar. É até engraçado quando pego rodovias de maior velocidade, muitos me param na estrada perguntando que motor tenho, abro a tampa e está lá aquele pequeno motor com aparência toda original. Muitos pedem a receita…. Segredo do Thomaz…

E assim, depois de anos de sonho, suor e histórias, pude finalmente trazer o VW Fusca para casa.
Como toque final, ano passado (sim, quase 12 anos depois do início do projeto) instalei o tão sonhado teto solar que eu queria, num estilo bem discreto na cor do VW Fusca e replicando o da época, o que fechou o que eu tinha como meu projeto com chave de ouro.

Não fiz uma réplica exata do alemão. O painel, o para-brisa, e alguns outros detalhes denunciam sua origem brasileira, mas dentro das possibilidades e limitações da época, posso dizer que o resultado me enche de orgulho.
No nosso casamento em 23 de fevereiro de 2019, os VW Fuscas também marcaram presença: eu fui no meu xodó, o branco, e minha esposa chegou deslumbrante no nosso Oval vermelho.

Desde então, só alegria. Já rodamos mais de 40.000 km, para um carro de passeio isso é bastante! Inclusive, nossa lua-de-mel foi nele: saímos de Itamonte, MG rumo a Porto Seguro, na Bahia, percorrendo cerca de 1.400 km em dois dias (somente a ida). Lembro até que improvisei um ventilador no painel (aqueles antigos usados em caminhão, ligado no 12 V) para encarar o calor baiano. Minha esposa Érika, sempre foi minha parceira de estrada e de vida, topando todas as aventuras.

Esse projeto me ensinou que, quando se tem um sonho, coragem e alguns amigos “malucos” ao seu lado, tudo é possível.
Nenhum sonho se constrói sozinho, e o meu não foi diferente. Por isso, não poderia encerrar essa história sem expressar minha mais profunda gratidão às pessoas que foram fundamentais em cada etapa desse projeto.
Uma homenagem para o Ronan
Infelizmente, hoje meu amigo Ronan não está mais entre nós. Ele partiu, mas deixou muito mais do que soldas e peças bem encaixadas.

Deixou parte do seu coração e sua amizade eternizada no meu VW Fusca. Cada curva, cada ronco do motor me lembra do quanto ele foi essencial nessa história. Portanto, em especial, agradeço a ele, que acreditou no projeto desde o início e dedicou seu talento, sua amizade e sua paixão para tornar possível algo que muitos considerariam impossível. Sua ausência física jamais apagará sua presença eterna nas curvas do meu VW Fusca e nas lembranças dos caminhos percorridos.
A antiga placa de automóvel que o Ronan tanto gostava
Ronan, esse meu grande amigo funileiro, tinha uma placa antiga, daquelas que ele tratava com um certo luxo, era mais do que uma peça metálica, era um xodó pendurado na parede da oficina. Um dia, seu filho Romário, ainda criança, construiu um caminhãozinho de som, um brinquedo artesanal. Pediu ao pai a famosa placa para colocar no carrinho. Ronan, meio contrariado, acabou cedendo.

O tempo passou… e o caminhãozinho, como tantos brinquedos, foi vendido. E com ele, se foi também a tal placa. Ronan, quando se deu conta, questionou o filho, mas o destino da placa já estava selado, sumida, levada não se sabe para onde.
Anos depois, muitos anos mesmo, Ronan comprou um tanque de lavagem de peças em aço inoxidável para a sua oficina. Era uma daquelas aquisições de ocasião, comprada de um rapaz que, até onde se sabe, ele mal conhecia. A pia estava encardida, com aquela borra preta de óleo e graxa antigos. E foi ali, no meio da sujeira, ao limpar o fundo, que algo inacreditável aconteceu: a placa reapareceu.
Sim, a mesma placa! A placa perdida havia voltado. Como ela foi parar ali? Ninguém sabe. Nem Ronan conseguiu explicar. E assim, a placa retomou seu lugar de honra na parede da oficina, como se nunca tivesse saído dali. E virou lenda entre os amigos, a placa que foi e voltou, sem explicação.
Anos depois, com o falecimento de Ronan, fui chamado por seu filho Romário. Ao chegar na oficina, ele me entregou a placa. Disse que o pai tinha um carinho enorme por ela e que, de todas as pessoas, eu seria quem mais saberia cuidar dela. Fiquei emocionado.

Hoje, essa placa está na minha garagem. Não é só uma peça metálica. É uma lembrança viva do meu grande amigo Ronan, da nossa amizade, das conversas e risadas… E a história dessa placa, bom… essa, continua envolta em mistério, e carregada de significado.
Meu muito obrigado aos amigos Thomaz, Murilo, Naldo, Felipe, Romário (filho do Ronan), Júnior (cunhado), parceiros incansáveis que contribuíram com uma parte de trabalho, apoio, ideias e presença.
E é claro, minha gratidão ao mestre Alexander Gromow. Seu Fusca “Rosinha” foi uma das grandes inspirações deste projeto. Sua generosidade em compartilhar detalhes, fotos e medidas foram essenciais para transformar meu sonho em algo concreto. Sem sua contribuição, muitos dos elementos que hoje compõem meu carro não teriam saído do papel.

É impossível descrever todas as pessoas aqui, então a cada um que de alguma forma participou deste sonho, seja com palavras de incentivo, ajuda prática ou simplesmente acreditando junto comigo, sinta-se incluído nesse sonho. Deixo aqui meu abraço e meu sincero obrigado.
O VW Fusca está pronto, mas a história continua sendo escrita a cada quilômetro rodado, a cada memória criada, a cada sorriso que ele arranca por onde passamos.

Léo se apresenta
Meu nome é Leonardo Romanelli Guimarães, mais conhecido como Léo. Tenho 35 anos, nascido em Itamonte, MG, casado com a Érika e pai da pequena Alice.

Desde cedo aprendi o valor das raízes, da simplicidade e da dedicação. Sou formado em Tecnologia da Informação e atuo como Supervisor de TI, mas minha essência vai além dos cabos e sistemas, sou movido pela paixão por histórias, pela escrita, por restaurar memórias e valorizar tudo aquilo que carrega significado.
Gosto de tudo que é feito com propósito, da tecnologia à ferrugem que vira relíquia, da conversa com um bom amigo ao silêncio de uma garagem. Acredito que a vida é feita de detalhes, e cada um deles merece ser vivido com atenção e sentimento.
Nos encontramos pelas estradas…
Abraço
Léo
Agradeço ao Léo pela participação na minha coluna e parabenizo-o pela perseverança e pelo resultado obtido. As fotos desta matéria, salvo indicado em contrário, foram enviadas por ele.
AG
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