LIVRO: POR DENTRO DO DEPARTAMENTO DE ESTILO DA ROLLS-ROYCE E BENTLEY – 1971 A 2001. GRAHAM HULL.
Os britânicos tem um humor particular e inteligente na maior parte das vezes, e Graham Hull (nascido a 5 de janeiro de 1947) conta sua história com boas doses dele. Trabalhar no departamento de estilo da empresa que fabrica “o melhor carro do mundo” poderia ser um desafio sobre-humano, mas com calma e humor, sempre vendo o lado bom e o desafio a ser vencido facilita muitas coisas.
Hull permaneceu por três décadas completas dentro da Rolls-Royce e Bentley, quando ambos eram feitos pela mesma empresa em Crewe, e depois de aposentado escreveu esse livro em 2014, um prato cheio e saboroso para quem gosta de entender o que se passa dentro de uma fábrica de carros, notadamente na área mais mal explicada de todas, o Departamento de Estilo, que muitos preferem chamar de Design. Como Design trata muitas vezes e em muitas empresas do projeto das peças e não do estilo delas, vou ficar aqui com Estilo, que além de mais correto, pode ser mais facilmente entendido pela maioria das pessoas.
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Chegando em 1971 aos 24 anos de idade como um recém formado, Hull se juntou a um grupo de apenas cinco pessoas, alguns deles com mais de três décadas na empresa que fabricava os Rolls-Royce e os Bentley. Ele descreve como era definir o que deveria ser um Rolls-Royce e o que deveria ser um Bentley, claro, com o problema que qualquer empresa organizada tem que lidar todos os dias, falta de dinheiro. Sim, apesar dos preços altos, nunca houve verba sobrando, e um dos salvadores eram sempre os clientes que pediam modificações em seus carros que seriam fabricados, permitindo ao Estilo desenvolver atividades além daquelas que já tinha, ou seja, personalizar unidades para clientes com muito dinheiro e sem problema em gastar mais para ter componentes, cores e materiais diferentes nos seus carros. Esses são chamados de “special comission”.
Os departamentos de Estilo sempre necessitam de uma área aberta, ao ar livre, onde os modelos e mock-ups podem ser vistos com a luz natural. Pois bem, muito tempo se passou e apenas na década de 1980 que foi possível ter essa área, tamanha era a falta de verba. Antes disso, as reuniões de visualização e discussão eram feitas dentro da oficina de protótipos.

O livro mostra algumas ilustrações de modelos que não chegaram a ser fabricados, com o único verdadeiro problema sendo que não existem fotos ou desenhos em quantidade suficiente para satisfazer o leitor admirador do assunto. São 176 páginas com apenas 100 ilustrações, e deveria ser mais rico nesse aspecto, que não combina com o texto, muito bem escrito e que provoca um grande prazer ao ser lido.
Uma das curiosas histórias trata do Bentley Continental R, o primeiro cupê depois de muitas décadas, que foi exibido em 1991 em Genebra, que foi visitado pelo famoso Sultão de Brunei. Este simplesmente comprou o protótipo, iniciando um hábito que continuou por bastante tempo, fazendo que as vendas para essa família se tornasse clara fonte de renda da empresa entre 1994 e 1997, de onde metade das vendas vieram (em valor), com mais de 2 mil carros.
Ao final de cada capítulo, que segue a linha do tempo, há um quadro com alguma “estorieta” interessante ou um fato da época, além de algumas piadas ou pranks (as “pegadinhas”) que aconteceram. Sim, o mundo era mais simples e as pessoas eram mais leves, haviam brincadeiras no local de trabalho, algumas verdadeiramente agressivas, mas formadoras de caráter e de amizades verdadeiras.
Sendo o que se vê e toca em um carro o mais ligado ao ser humano, as histórias relativas ao comportamento das pessoas são as mais interessantes, onde se nota, mais uma vez, que muitas decisões são apenas pessoais, e não sempre lógicas. Isso é muito natural em carros que se compra por emoção, já que ninguém precisa de um Rolls-Royce.
Os personagens ao redor do desenvolvimento de um carro são muitos, até mesmo em empresas pequenas, e no caso do estilo elas variavam, já que o departamento esteve na maior parte do tempo submetido à chefia da Engenharia de Produto e Manufatura e por alguns períodos, ao Marketing e Vendas. Claramente Graham Hull mostra que a vida era mais fácil (ou menos difícil) quando fizeram parte da Engenharia, onde não aconteciam as maluquices de Marketing, e tudo era mais lógico e facilmente discutido.
Uma verdadeira curiosidade e aprendizado foi saber que eles trabalhavam com estúdios de estilo externos, como a francesa Heuliez, a italiana Pininfarina, entre outras, contratando essas empresas para projetos e depois absorvendo o que de bom havia sido criado. Isso foi uma surpresa completa para mim, pois sempre acreditei que Rolls-Royce e Bentley eram puramente britânicos na concepção, não permitindo influências externas em um trabalho de estilo.
Sob o comando de Hull, a Bentley ressurgiu como marca novamente interessante, com o conceito Java, um cupê de 1994, que foi um grande sucesso no Salão de Genebra, e que reatraiu o interesse para a marca. Tendo sido feito em dimensões básicas de um BMW série 5, aproximou o relacionamento entre os executivos e áreas técnicas das duas empresas, o que sem dúvida contribuiu para o que aconteceria no futuro próximo.
Mas antes do Java, o grande trabalho do qual Hull participou e o fez subir no departamento, foi o carro SZ, o Rolls-Royce Silver Spirit e Bentley Mulsanne, lançado em 1980 e passando a ser o fazedor de dinheiro que era necessário para o progresso da empresa. A chegada do turbocarregamento ao motor V-8 de 6,75 litros do Bentley foi outro reforço enorme, permitindo que os modelos dessa família SZ mantivessem a empresa por mais de vinte anos. Graham Hull conta em detalhes como o SZ foi concebido, e as considerações e balanços entre tradicional e moderno que foram feitas e adotadas ou rejeitadas. Muito interessante de se entender o quanto alguns itens podem ser importantes ao extremo, demorando para serem resolvidos, como adotar ou não faróis retangulares ou circulares, ou lanternas traseiras grandes e visualmente definidoras da traseira, ou apenas adendos na carroceria.
A parte mais sofrida de todo esse período coberto no livro foi quando a empresa foi dividida entre Volkswagen e BMW, com essa última ficando com a Rolls-Royce, e a Bentley com a primeira. Essa separação, causada pela necessidade de verbas cada vez maiores devido às mudanças de legislação de segurança e emissões de poluentes, fez com que vários colaboradores saíssem por conta própria, sabendo que muito da parte boa do trabalho iria desaparecer, o que de fato ocorreu.
Hull permaneceu por mais dois anos depois desse fato, ficando na Bentley, e sendo homenageado depois de alguns meses com um evento para ele.
Sem dúvida um delicioso livro, apenas não tendo nota máxima por realmente precisar de mais imagens para contar todas as histórias.
O livro, com titulo em inglês Inside The Rolls-Royce & Bentley Styling Department 1971 to 2001, pode ser encontrado facilmente no site da editora Veloce (veloce.co.uk), bem como na Amazon e no ebay.
Para ver muitos vídeos de Graham Hull explicando o estilo de alguns modelos, além de outros vídeos sobre Rolls-Royce e Bentley, o canal do YouTube W1RRP pode ser acessado nesse LINK.
JJ