Vários foram os casos em que o motorista, acostumado a dirigir carros com tração dianteira e cerca de 180 cv, entra em um superesportivo com mais de 500 cv, tração traseira, desliga o controle de tração e pisa fundo no acelerador, sem estar familiarizado com o carro. Pronto, está armado o circo para o grande espetáculo do desastre, que pode causar o chamado “PT” (gíria para perda total) do bólido e, pior, ferimentos graves ou até mortes.
Isso, é claro, sem contar os casos muito recentes em São Paulo em que o motorista, por estar alcoolizado ou drogado (ou ambos), não tem noção se o controle de tração está ou não ativado e acaba provocando tragédias.
É preciso ter paciência, saber primeiro quais recursos o carro oferece. Acelerar forte um superesportivo com tração traseira, sem conhecer sua reação, é muito perigoso. A afirmação é de Paulo Gomes, um dos mais importantes nomes do automobilismo brasileiro, vencedor de quatro edições do Campeonato de Stock Car com o Opala de tração traseira, sendo uma delas a primeira da categoria, em 1979. Também competiu em outras categorias com carros de tração dianteira, como a Copa Fiat.
Sobre qual é o melhor tipo de carro para dirigir, Paulão, como é conhecido, prefere os de tração traseira, que, segundo ele, oferecem mais prazer ao volante, pois permitem trabalhar melhor o uso do acelerador e do volante.
O especialista
Para Fernando Rebelato, que atuou na Engenharia da General Motors no Campo de Provas e foi responsável pela homologação dos carros da BMW no Brasil, não há registros de acidentes com superesportivos de tração traseira envolvendo motoristas experientes, salvo em casos sob efeito de álcool ou drogas.
Rebelato também prefere a tração traseira, embora reconheça que a dianteira seja mais fácil de dirigir. Lembra que muitos esportivos atuais têm tração integral, o que facilita ainda mais a vida do motorista, desde que ele não desligue o controle de tração. Esse sistema interfere na condução ao detectar risco, reduzindo a velocidade mesmo que o motorista esteja acelerando forte.
Ele recomenda que quem vai trocar um carro com tração dianteira por um superesportivo com tração traseira faça um treinamento específico antes.
Se você não sabe tocar gaita, não pega um carro com tração traseira, porque é preciso saber tocar. A frase é de Rebelato, citando um dito comum entre especialistas.
O instrutor
Para Fernando Silva Pinto, instrutor no Porsche Club of America e na Motorsport Safety Foundation, nos Estados Unidos, as diferenças entre tração dianteira e traseira determinam a forma de dirigir. Para simplificar, ele propõe um raciocínio: eliminar duas rodas e substituir o motor pela força humana. O resultado é uma bicicleta.
Se, diz ele, a corrente transmitisse a força dos pedais para a roda dianteira, a bicicleta teria mais estabilidade em piso molhado. Mas, em uma ladeira, mesmo seca, exigiria mais esforço, já que a roda com tração estaria puxando todo o peso, basicamente o ciclista. Numa subida, quanto maior a força aplicada, maior a tendência da roda dianteira patinar, ou seja, perder aderência.
Segundo ele, nos carros o fenômeno é o mesmo. A tração dianteira puxa o carro e, numa curva, pode fazer as rodas motrizes perderem aderência. Isso é o subesterço, ou, em linguagem mais comum, o carro sair de frente. Mas, em velocidades normais, isso raramente acontece.
Ele destaca outros pontos já mencionados por Paulão e Rebelato. A tração dianteira é uma solução prática para a engenharia automotiva porque concentra motor, transmissão e tração em uma só área, liberando espaço para passageiros e bagagem. Além disso, com freios ABS e controles eletrônicos, é mais segura em piso molhado, impedindo que as rodas motrizes patinem.
Na traseira, o carro é empurrado
Nando, como é conhecido, segue explicando as diferenças entre tração traseira, sua preferida, e dianteira. Segundo ele, nos carros com tração traseira a dinâmica muda: o veículo é empurrado pelas rodas motrizes, o que gera aceleração mais linear. Numa curva, se o motorista acelera bruscamente, o carro pode sobreesterçar, ou seja, perder aderência nas rodas traseiras e sair de traseira. O controle de tração ajuda, mas tem limite. Passado esse ponto, o carro derrapa ou gira.
Mas nem todo carro com tração traseira é igual. Alguns têm motor e transmissão na dianteira, o que resulta em bom equilíbrio. A maioria dos BMWs segue essa configuração, com dinâmica previsível.
Mais equilibrados ainda são os modelos com tração traseira e motor central, como Ferraris esportivos, Porsche Cayman ou Corvettes recentes. Seu desempenho em curvas é preciso.

E há os carros que despertam paixão especial: motor e transmissão atrás. Era o caso do Fusca e é o projeto dos Porsche 911 desde 1964. Mesmo com 60 por cento do peso no eixo traseiro, são carros que, nas mãos de motoristas experientes, permitem controlar a derrapagem com sensibilidade no acelerador e correções precisas no volante. Em termos de emoção ao volante, são quase imbatíveis.
A disciplina cresce com a potência
Seja com tração dianteira ou traseira, a disciplina ao dirigir precisa aumentar conforme sobe o desempenho. Perder o controle pode levar apenas alguns segundos. Os números explicam.
Um carro popular como o Volkswagen Polo pesa 1.100 kg e tem, em média, 84 cv de potência. Um esportivo como o Porsche 911 S pesa 1.550 kg e entrega 473 cv. O Porsche é 41 por cento mais pesado, mas tem 563 por cento mais potência.
A 100 quilômetros por hora em linha reta, numa estrada em boas condições, não parece muito. Mas em uma rua urbana, é. A essa velocidade, um carro percorre um campo de futebol a cada 3,6 segundos.
O Polo leva cerca de 11 segundos para atingir 100 km/h. Para um motorista com experiência média, esse tempo permite avaliar distância, tráfego e pedestres. O Porsche atinge 100 km/h em apenas 3,3 segundos. Ou seja, o tempo de reação se reduz em 66 por cento. Mesmo para motoristas experientes, a margem de resposta deixa de ser limitada e se torna crítica. A chance de um acidente aumenta em até 300 por cento.
CL
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