Três décadas atrás eu já escrevia reportagens antecipando que o turbocarregador (chamado também de turbocompressor), ou simplesmente turbo, como é mais popularmente conhecido, seria um equipamento quase obrigatório para os motores de combustão interna no futuro. As décadas se passaram, o tal turbo foi sendo desenvolvido, sua tecnologia evoluindo, e hoje boa parte dos motores em produção dispõe desse recurso para melhorar sua eficiência, tanto volumétrica quanto térmica. Ou, dito de outra maneira, eliminar sua deficiência congênita de nunca ter os cilindros enchidos completamente. É bom lembrar que o desenvolvimento da eletrônica, monitorando as principais funções do motor, também foi fundamental para a viabilização dos motores turbocarregados.

O turbocarregador foi criado e patenteado na Suíça em 1905 pelo engenheiro Alfred Büchi. Utilizava o fluxo de gases de escapamento para movimentar uma turbina e esta um compressor — vem daí o hoje “mágico” nome turbo, sinônimo de potência e eficiência, usado até carros elétricos como o Porsche Taycan Turbo GT — que melhorava a eficiência volumétrica do motor ao admitir mais mistura ar-combustível do que era capaz pela simples aspiração natural. Devido à parca tecnologia da época, sua utilização era limitada aos motores aeronáuticos e náuticos.
O maior mérito do turbocarregador é aproveitar a energia dos gases de escapamento para movimentar a turbina em vez de jogá-los fora na atmosfera. Desse modo essa energia é gratuita, eliminando a necessidade subtrai-la do motor para acionar o compressor, como ocorre com os supercarregadores (superchargers em inglês).
Com o passar do tempo, a tecnologia do turbocarregador (do inglês turbocharger) se desenvolveu e o equipamento começou a melhorar a eficiência volumétrica (e a potência e o torque) também para os motores Diesel de caminhões e ônibus.
Somente em 1962 a Oldsmobile apresentou o primeiro carro com tecnologia da enchimento forçado dos cilindros por turbocarregador, com confiabilidade e durabilidade. Dentre os problemas enfrentados por esses primeiros turbos, a alta temperatura gerada pela variação de rotação e carga, que comprometia a durabilidade e a eficiência, e os próprios motores que não haviam sido projetados para as elevadas pressões internas e quebravam.

Mas a tecnologia sempre se desenvolve à medida que vai sendo necessária. Aqui no Brasil, as primeiras instalações de turbocarregadores em automóveis teve início, num volume maior, no início dos anos 1980. A Ishikawajima Heavy Industries (IHI) era uma empresa japonesa que, entre outras atividades, tinha estaleiro no Rio de Janeiro e fabricava turbocompressores. Ela lançou pioneiramente um kit turbo para os motores CHT do Escort XR3. A Volkswagen usou o mesmo kit IHI nos seus carros do Campeonato Brasileiro de Marca e Pilotos na temporada de 1985, quando seus motores e os dos carros de marcas concorrentes tiveram que ter cilindrada limitada a 1.142,8 cm³ como ditava o regulamento técnico para o campeonato, o Grupo B Brasil.
Cabe explicar que essa cilindrada não nasceu do nada, mas de um dispositivo regulamentar da FIA (Federação Internacional do Automóvel) estabelecendo que motores de carregamento forçado teriam que ter a cilindrada multiplicada por 1,4 para fins de enquadramento numa determinada classe de cilindrada. Como no Grupo B Brasil esta era de até 1.600 cm³, dividindo-a por 1,4 chega-se a 1.142,8 cm³ (atualmente esse coeficiente é 1,7).

Curiosamente, nesse kit dos japoneses o ar que chegava ao carburador não era pressurizado. A pressurização só ocorria depois de formada a mistura ar-combustível, que só então comprimida e forçada a entrar nos cilindros. Na época, tive a oportunidade de testar um desses carros pela revista Quatro Rodas. O desempenho do XR3 aumentava significativamente sem grande aumento de rotação, importante no motor de comando no bloco e válvulas acionadas por varetas e balancins.
Outras empresas, mais ou menos na mesma época, começaram a produzir kits que utilizavam turbocarregadores de caminhões a diesel que eram vendidos em nosso mercado. Como nos motores Diesel a temperatura dos gases de escapamento é mais baixa, quando utilizavam gasolina, os turbocarregadores tinham a sua vida útil reduzida. Mas era o que havia disponível naquela época no mercado nacional.

Empresas como a Larus Turbo, do piloto Átilla Sipos, dominavam o mercado nacional de instalação de turbocarregadores, que tinham como meta — atingida com sucesso — apenas o aumento de potência e desempenho. Na época, desenvolveram tecnologias destacáveis, como os carburadores pressurizados no interior de uma espécie de caixa, simulando estarem um ambiente de pressão atmosférica bem superior à terrestre.
Apesar da febre dos turbos na segunda metade dos anos 1980/ primeira metade dos anos 1990, as quebras dos motores chegavam a níveis alarmantes, devido ao exagero dos preparadores para conseguir alto desempenho. As potências dobravam, e às vezes até triplicavam, e o número de quebras acompanhavam diretamente esses níveis. Essa época serviu para dar uma péssima imagem do turbo, que era visto como sinônimo de problemas e motores quebrados. Para sensibilizar o mercado e deixar claro para o consumidor que essa percepção estava errada, as fábricas começaram a lançar carros turbo de série.

A primeira foi a Fiat com o Uno Turbo, um esportivado com motor 1.4 turbocarregado que desenvolvia potência de 118 cv. O pequeno e leve hatch esportivo acelerava de 0 a 100 km/h em 9,2 segundos e atingia 195 km/h. O segundo carro turbo de fábrica foi outro Fiat, o Tempra Turbo, em 1995. Vale ressaltar que ambos tinham injeção eletrônica de combustível multiponto, que monitorava também o sistema de ignição. Todos os velhos problemas de motores carburados turbo desapareceram. Mas, ainda assim, esses primeiros visavam alto desempenho em detrimento do consumo de combustível e da dirigibilidade suave.

À medida que o tempo foi passando, as fábricas e suas engenharias foram se adaptando às necessidades do mercado, criando veículos cada vez mais calmos, suaves, agradáveis de ser dirigidos, econômicos e, o que é melhor, o motorista mal percebia estar dirigindo um carro com turbocarregador. Esse era o objetivo.

Hoje em dia, os motores turbo são pequenos, compactos, equipados com injeção direta e premiam muito mais a dirigibilidade e o torque do que a potência máxima em si, em que pese o fato de os 1,0 entregarem, em regra, entre 120 e 130 cv com um torque ao redor de pouco mais que 22 m·kgf. Dessa forma, os motores pequenos e leves são muito eficientes, e conseguem resultados de desempenho e consumo que deixam boquiabertos os engenheiros dos anos ’80 e ’90.

Isso é o caminhar a passos largos da tecnologia de materiais, da eletrônica embarcada, do trabalho incansável das engenharias de fábricas e fabricantes de turbocarregadores como BorgWarner, Continental e Garrett.
DM