Quem, como eu, pedala frequentemente pelas ruas e passa a semana avaliando carros em diferentes cenários urbanos e rodoviários, acaba ganhando um olhar privilegiado e crítico sobre o comportamento dos motoristas e seus celulares nesse ambiente. O smartphone, que já era onipresente no bolso, agora também está no volante, no painel, no suporte e, mais preocupante, nas mãos de quem deveria estar com os olhos na via.
Bastam alguns minutos em um semáforo para perceber: motoristas cabeceando para baixo, olhos grudados na tela, mensagens sendo digitadas às pressas e, muitas vezes, com o carro ainda em movimento, sem contar aquele atraso para partir quando o semáforo abre, aumentando ainda mais o tempo dos congestionamentos. Do lado de fora, seja pedalando ou como pedestre, o sentimento é o mesmo: vulnerabilidade. Essa não é só uma impressão empírica. Os dados comprovam.
Uso crescente do celular em movimento
De acordo com um estudo global da empresa NordVPN que chegou às nossas mãos, 73% dos passageiros no mundo usam smartphones durante os deslocamentos, e 61% acessam a internet enquanto se movimentam. Os motivos variam desde escutar música (54%), enviar mensagens (50%), checar redes sociais (45%), mas o fato é que o tempo de deslocamento virou tempo de tela.
Essa hiperconectividade não está restrita ao transporte público. A pesquisa mostra que 64% dos entrevistados usam veículo próprio, ou seja, o uso do celular se dá também (e perigosamente) ao volante. É aí que mora o problema mais sério.
O celular já é uma das principais causas de morte no trânsito
Segundo a Abramet, o uso do celular ao dirigir já é a terceira principal causa de mortes no trânsito no Brasil, com 154 óbitos por dia, equivalente a cerca de 54 mil por ano. E o número de motoristas que admite usar o telefone enquanto dirige é preocupante: 19,3% nas capitais, chegando a 25% entre jovens de 25 a 34 anos e a 26,1% entre pessoas com maior escolaridade.
O alerta da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) é claro: digitar uma mensagem a 80 km/h equivale a dirigir com os olhos fechados por quase 100 metros.
A chance de acidente pode aumentar até 400%.
Em testes de avaliação com carros que contam com assistentes de frenagem e alerta de faixa, já presenciei esses sistemas sendo ativados justamente porque o condutor (ou melhor, o testador) simula esse tipo de distração. A tecnologia ajuda, mas não faz milagre.
Distrações digitais também afetam ciclistas e pedestres
Como ciclista urbano, sei bem o que é estar na rota de um motorista distraído. Mesmo em baixa velocidade, basta um segundo de desatenção para causar um atropelamento. E nem mesmo os pedestres estão imunes: muitos usam o celular enquanto caminham, tornando-se alvos fáceis de acidentes ou até furtos.
A conectividade, no entanto, também traz um segundo risco: o digital.
Wi-Fi público, dados sensíveis e o risco invisível
No transporte público, o uso de dispositivos móveis é intenso. O estudo aponta que 8 em cada 10 passageiros usam o celular nos trajetos e 60% se conectam à internet, geralmente via Wi-Fi público, muitas vezes sem proteção. Em países como Coreia do Sul e Reino Unido, esse hábito é ainda mais comum. No Brasil, ele cresce na mesma proporção do risco.
Segundo especialistas em cibersegurança, muitos pensam que as ameaças vêm só da internet, mas o perigo pode estar ao lado. Em ônibus, trens ou carros por aplicativo, o olhar furtivo para a tela alheia se torna um risco silencioso. Basta um descuido para que senhas, mensagens ou dados bancários sejam comprometidos.
Medidas simples que evitam grandes problemas
Apesar dos riscos, uma parcela muito pequena toma alguma medida de segurança digital durante seus deslocamentos. Apenas 50% utilizam senhas fortes ou mantêm os dispositivos atualizados e somente 37% evitam enviar informações sensíveis em locais públicos.
As recomendações básicas dos especialistas incluem:
- Nunca usar o celular ao dirigir, mesmo com o carro parado
- Atualizar aplicativos e sistemas regularmente
- Ativar bloqueios automáticos de tela
- Evitar conexões automáticas a redes públicas
- Utilizar VPNs confiáveis em Wi-Fi abertos
- Conecte o celular à multimídia e/ou escolha seu trajeto antes de colocar o carro em movimento
Condução segura começa com atenção total
A tecnologia nos oferece ferramentas incríveis, seja ao volante de um carro moderno com assistências semiautônomas, seja na palma da mão com um smartphone de última geração. Mas a segurança ainda depende de algo bem mais analógico: foco.
Desconectar-se por alguns minutos enquanto se dirige ou se desloca pode parecer pouco. Mas pode ser o bastante para salvar uma vida, inclusive a sua.
GB
