O automobilismo sempre foi a síntese do que chamam de estado da arte da engenharia. Um carro de corrida representa o que existe de melhor em tecnologia, com soluções desenhadas especialmente para uma única função: fazer o carro ser mais rápido. O empenho dos projetistas e engenheiros para criar máquinas cada vez mais evoluídas, velozes e confiáveis, não deveria ter barreiras, mas não é bem assim que acontece hoje em dia.
O Campeonato Mundial de Resistência da FIA (FIA WEC, World Endurance Championship), é o sucessor natural dos campeonatos de carros esporte dos anos 60 e das corridas de longa duração mais importantes do mundo desde os primórdios do automobilismo, incluindo a 24 Horas de Le Mans. Foi nele que surgiram muitas das maiores criações da engenharia automobilística. Foi nele que o primeiro carro com motor Diesel venceu em Le Mans (Audi R10 TDI, 2006), assim como o primeiro carro híbrido (Audi R18 e-tron, 2012). Sem esquecer que foi onde o primeiro freio a disco foi empregado — 1953, Jaguar C-Type, e com vitória. É um verdadeiro laboratório para novas tecnologias.
Há anos digo que o WEC é o campeonato mais equilibrado e justo do mundo, pois permite uma grande liberdade de criação por parte dos fabricantes. Assim nasceram os Audis diesel e híbridos. No passado, o lendário Mazda 787B de motor Wankel rotativo venceu a 24 Horas de 1991 e provou ao mundo que pensar fora da caixa era possível para se vencer corridas. Infelizmente, esta liberdade de criação está sendo encoberta por uma aberração chamada BOP.
O que é o tal do BOP que a FIA está aplicando na categoria? BOP significa balance of performance (balanço de performance), que de forma simples, é nivelar o desempenho dos carros da categoria para que não haja uma diferença grande entre os modelos participantes. Obviamente, este nivelamento é feito por baixo, e se aplica aos carros da categoria GTE.
Este balanço é feito por meio de modificações nos carros para que o tempo de volta, velocidade máxima e aceleração sejam similares entre os competidores. Como o regulamento fala, isto é possível por meio de alterações em dois pontos: peso e potência. Adicionar ou retirar lastro (peso) nos carros, alterar o tamanho do restritor de ar de alimentação do motor, alterar a curva de pressão do turbocompressor, e assim por diante.
A definição do que tem que ser feito em cada carro é calculada por meio de um software que considera o desempenho em relação aos demais carros, contabilizando as melhores voltas do total de 60% da distância percorrida pelo carro na corrida, considerando os setores da pista (mais velozes e mais lentos).
Ter um campeonato com carros competitivos e com velocidades similares é o que todos esperam e querem ver, mas manipular diretamente o desempenho dos carros para que isto ocorra, é antinatural. Isto significa proibir os carros mais bem projetados de aproveitarem todo seu potencial porque os outros não vão conseguir acompanhar. É jogar fora o suor, lágrimas e trabalho de quem se dedicou por semanas para conseguir ganhar meio quilo de redução de peso ou cinco cv no motor.
O trabalho feito pelo time da Ferrari e da Ford com os novos motores turbo e chassis mais moderno foi simplesmente degolado pelo BOP. Os Aston Martin de mais de cinco anos de projeto não eram capazes de acompanhar os outros, até mesmo o Corvette com o motor de aspiração natural tinha dificuldade de manter o ritmo comparado com os carros turbo, então o BOP ajuda estes a se manter na disputa.
Não acredito que esta seja a melhor forma de se equilibrar um campeonato. A forma mais eficiente, pode até ser, mas com certeza não nem de longe a mais justa. O desenvolvimento do Ford GT, o carro mais novo entre os competidores da GTE-LM, foi um marco onde milhões de dólares foram gastos com engenharia, testes e desenvolvimento, e não podem extrair o máximo do carro pois o “velho” Aston Martin não acompanha. Não é justo.
Todos os carros são feitos sob o mesmo regulamento, sob as mesmas regras. Desta forma, todos são capazes de extrair bons resultados, basta ter um bom projeto e muito trabalho duro. A Aston Martin possui opções mais modernas para substituir o Vantage, pelo menos o motor, agora que possuem o V-8 4-litros biturbo que equipa o novo DB11. Se não querem investir em desenvolvimento desta nova configuração, é outra história…
A grande questão é que este tipo de ação vai contra a própria essência do automobilismo, de se criar e pilotar carros ao extremo de sua capacidade. Os melhores pilotos e os melhores carros não mais vencem por mérito. Os melhores carros, frutos de dedicação e excelência em engenharia, não podem ser levados ao limite. É como dirigir um BMW M5 numa Autobahn, uma autoestrada alemã sem limite de velocidade, a 80 km/h.
Eu entendo bem que existe uma preocupação com o controle de gastos do campeonato e com o equilíbrio da disputa entre os carros, mas capar o desempenho depois do carro pronto para que os mais lentos acompanhem, é complicado e injusto. Limitar o orçamento é outro problema que não resolve, pois como controlar os gastos de uma equipe com suporte de fábrica? Limites técnicos já existem, como cilindrada, pesos mínimos, volume do tanque de combustível, e assim por diante. É tudo definido, não é o caso de um projeto ter sido feito algo fora do comum e com isso ter uma grande vantagem, como já ocorreu no passado em casos clássicos como o Chaparral 2J e o Brabham BT46B com os ventiladores para extrair ar debaixo dos carros, ou a suspensão ativa da Williams F-1 nos anos 1990.
Como forma de redução de custos, pode-se justamente avaliar a questão de liberar ou alterar a forma de limitação de tamanho de motores, assim alguns competidores não precisam ter unidades exclusivas para corrida, como é o caso do Corvette, que não possui um motor de 5,5 litros aspirado em produção. Assim, não seria preciso investir em um redimensionamento do motor de produção para ser apto a competir. Talvez criar uma regra que o tamanho do motor tem que ser igual ao do carro de produção, ou algo do tipo.
Uma das poucas categorias do automobilismo que permite que seus competidores sejam criativos e inovadores está começando a dar sinais de que tal abertura durará pouco, a começar pelo risco de não haver mais a categoria LMP1 no próximo ano, uma vez que a Porsche anunciou que não participará em 2018. Com isso, apenas a Toyota estaria representando a categoria dos protótipos híbridos, o que teoricamente não deve ocorrer se não tiver outros competidores. Espero que não tentem compensar esta perda com novos regulamentos e novos balanços de performance, pois assim acabam com a pureza do esporte-motor.
MB