A coluna da Nora Gonzalez de hoje me levou a refletir sobre o lugar favorito num veículo e reacendeu um antigo desejo, o de dirigir um ônibus rodoviário típico. Sentir sua massa, sua inércia, analisar sua manobrabilidade e, por que não, seu comportamento dinâmico.
Mais de 20 anos atrás tive essa experiência, mas foi com um ônibus urbano de motor dianteiro. Estava eu e o fotógrafo Luca Bassani com a novidade BMW Z3 fotografando-o num então novo condomínio industrial no distante bairro Jaraguá, em São Paulo. Era teste da revista Autoesporte, onde fui editor de testes e técnico.
Eu só conhecia esse condomínio por ter estado lá pouco antes, em 1994, para a inauguração do Cesvi Brasil, o braço brasileiro da organização espanhola dedicada ao tema segurança viária. Só havia o prédio do Cesvi, o resto eram muitas ruas típicas dos condomínios para esta finalidade, todas largas e bem pavimentadas. Para fotos em movimento era perfeito, além de não haver tráfego praticamente algum. Um total sossego.
Eu disse praticamente porque havia um veículo lá, um ônibus-escola de uma empresa fazendo treinamento de seus motoristas. Não sei por que me deu vontade de guiá-lo.
Não demorou para que se aproximasse do ponto onde eu e o Luca estávamos (o coletivo ficava circulando o tempo todo). Ao chegar mais perto gesticulei como se estivesse segurando um volante e alternando com uma das mãos apontando para mim, esperando que o motorista ou quem estivesse nele entendesse a mensagem “eu quero dirigir”.
O ônibus encostou imediatamente, minha mensagem havia sido captada. E entendida, com eu saberia em seguida.
Do ônibus salta uma pessoa que estava no banco do lado oposto ao do motorista e, com um cordial sorriso, se apresentou. Era o instrutor. Nos apresentamos também, explicamos o que estávamos fazendo. Ele de imediato perguntou se eu gostaria de dirigir o ônibus!Respondi claro que sim.
Lá fui eu para o “meu lugar favorito”, o instrutor no banco dele e pelo menos uns dez “passageiros”, os motorista em treinamento. Entre eu e o instrutor estava a tampa do motor e ao alcance da minha mão direita, a alavanca de câmbio, longa, pois o câmbio fica depois do motor. Vire-me para trás e falei para os meus “passageiros” que não reparassem qualquer erro, era a minha primeira vez ao volante de um ônibus.
Arranquei, fui empilhando as marchas sem nenhuma dificuldade, comandando o ônibus como se fosse um velho conhecido. No percurso havia um trecho em leve subida mas que para um ônibus antigo era forte. Foi preciso baixar marcha e, claro, dando a aceleração interina (punta-tacco, impossível). A fazer a redução sem nenhum tranco eles aplaudiram, um deles disse “Eh, já dirigiu ônibus antes sim!”.
E assim foi, fiz o circuito completo, uns dois quilômetros, e parei de onde havia saído, com o Luca e o Z3 ao lado.
“Você me deu muita alegria permitindo que eu dirigisse o ônibus, e em retribuição você agora vai dirigir o BMW”, eu disse ao instrutor. A expressão dele, misto de surpresa e alegria, não esqueço.
Pulamos para o Z3, ele “no lugar favorito” e saímos. Ela parecia uma criança abrindo um presente de Natal. E com uma condução impecável, nada lenta porém cuidadosa, operando o câmbio manual à perfeição. Estava tão feliz quanto eu minutos atrás. Estava dirigindo um carro de marca renomada que era novidade no mundo, disse-lhe enquanto rodávamos no mesmo circuito do ônibus-escola. Eu havia feito algo que nunca havia feito. O exemplo da troca-troca perfeita.
Daquele dia em diante me interessei mais por ônibus e também passei a respeitá-los no trânsito, sempre facilitado-lhes e não dificultando-lhes passagem, desenvolvi paciência com eles (hoje útil quando topo com um desses grandalhões articulados), enfim, acabou qualquer estresse relativo aos ônibus no trânsito de todo dia.
E a partir daquele dia foi plantada em mim a ideia do começo desta matéria.
Os ônibus rodoviários estão em avançado estágio de desenvolvimento. O “lugar favorito” tem muito de automóvel hoje, até o volante de direção está com diâmetro que não exige mais debruçar sobre ele tirando as costas do encosto do banco. Até o quadro de instrumentos está mais para automóvel. Até os câmbios estão cada vez mais do tipo robotizado.
Desse modo, a operação em si acredito ser bastante fácil hoje. O que realmente eu gostaria de sentir, como disse no começo, é o efeito da inércia, tanto linear quanto nas curvas, avaliar o quanto de aceleração lateral os pneus geram. Analisar também a modulação do freio, com este responde ao comando. Por último, também importante, sentir como são sua aceleração da imobilidade e retomadas de velocidade.
Preciso mesmo saciar essa vontade!
BS