O Brasil tem sérios problemas de segurança — acredito que não há quem duvide disso. Mas como lidar com os problemas decorrentes disto é que às vezes me deixa muito brava. Tenho visto cada coisa que nem sei exatamente como classificar. Algumas atitudes se encaixam em várias categorias simultaneamente, mas acho que duas resumem bem aquela que é assunto da minha coluna de hoje: atitude estúpida e ilegal, relacionada ao comum furto de estepe.
Refiro-me (eis a ênclise da semana) a uma pseudossolução adotada por algumas pessoas relacionada a este delito. Algum tempo atrás vi nos jornais a entrevista a um morador do bairro de São Mateus, em São Paulo, e que, de acordo com o diário “para não ser obrigado a desembolsar 150 reais por mês por uma vaga em estacionamento particular — além dos 3.000 reais anuais que já gasta com o seguro —, ele engendrou uma forma de desmotivar os ladrões”. Ainda segundo o impresso, ele instalou avisos nos vidros e dentro do porta-malas com o seguinte texto: “Este carro não tem estepe e não tem som. Não perca seu tempo, já foram roubados”. O resultado? Levaram embora o bilhete que estava no compartimento traseiro e ainda abriram o carro. “Ou seja, os bandidos leram o que estava do lado de fora, mas não acreditaram e arrombaram o carro para confirmar.” disse a reportagem.
A pessoa em questão, um profissional liberal, deveria, como todos nós, verificar se seu comportamento está dentro da lei. Afinal, ninguém pode alegar desconhecimento para descumpri-la. Parece óbvio, não? Mas como jornalista, e principalmente como pessoa que gosta de estar sempre informada, minha maior indignação é com o coleguinha que publicou o texto. Nem ele nem ninguém mais (editor, por exemplo) se deu ao trabalho de checar se isso está correto. Não digo que o assunto em si não seja notícia. Ela é. E aqui via um parênteses: estudamos na faculdade de Jornalismo que se um cachorro morde uma pessoa não é notícia — afinal, isso acontece o tempo todo. Mas se uma pessoa morde um cachorro isso é, sim, notícia.
Basicamente, o que define se algo é notícia ou não é seu ineditismo — ao contrário do que divulgam, as teorias da conspiração que apontam qualquer coisa que seja divulgada e vá contra aquilo que queremos acreditar, têm algum viés proposital, algum interesse oculto. Às vezes existem? Claro, mas é uma minoria e evidentemente depende do veículo de comunicação do qual estamos falando. Há vários que foram criados apenas para servir a alguma ideologia.
Mas voltemos ao caso do estepe. É infração grave andar sem estepe, como no exemplo da foto de abertura. O Artigo 1° da Resolução n° 14 de 6 de fevereiro de 1998 do Contran diz:
Art. 1º. Para circular em vias públicas, os veículos deverão estar dotados dos equipamentos obrigatórios relacionados abaixo, a serem constados pela fiscalização e em condições de funcionamento.
E mais adiante:
24) roda sobressalente, compreendendo o aro e o pneu, com ou sem câmara de ar, conforme o caso;”
Em caso de descumprimento e para deixar ainda mais claro, a infração é de natureza grave, com multa de R$ 195,23 e cinco pontos somados à sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Sem falar que o veículo deverá ser retido até que a situação seja regularizada.
Mas além disso, eu me pergunto: o que faz uma pessoa destas quando fura um pneu na rua? Imagino que tem de telefonar para alguém e pedir que levem uma roda. Já pensou na demora? E a segurança, que tanto lhe preocupa, onde vai parar?
O mínimo que o jornalista que escreveu deveria ter feito é alertado para este fato, não? Mas como sempre constato, o despreparo de quem deveria informar parece ser infinito. Aliás, mistura de despreparo com preguiça, acredito. Quando caiu o prédio no Largo do Paiçandu meses atrás, depois de um incêndio horroroso, vi na televisão uma repórter dizer que os moradores que ficaram acampados na praça reclamavam da sujeira dentro dos banheiros químicos instalados no local. A mesma pessoa disse que a Prefeitura contestou, dizendo que eles eram limpos sei lá quantas vezes ao dia. Tudo isso, com os tais banheiros químicos ao fundo. Pergunto: custava a moçoila ir até lá e constatar alguma das duas coisas? Ou eles estavam limpos ou não, certo? Mas não, ficou no burocrático um-diz-algo-e-outro-contesta. Ufa! Tem uma frase que adoro e define bem o que é ser jornalista. Se alguém diz que está chovendo e outra pessoa diz que não, a função do jornalista não é dar as duas versões, mas sim ir lá fora e ver se está ou não chovendo. Simples, não? Mas como o Bob diz sempre, isso dá um trabalho…!
Ou seja, não há problema em entrevistar o morador e sua, digamos, “solução”— que de resto não resolveu nada. Mas o mínimo que deveria ser feito em nome da informação é mostrar que ele está violando a lei. Afinal de contas, não é informar a função precípua de um jornalista?
Vou além e acho que complementar o texto com informações sobre dispositivos de travamento de estepe seria um bom adendo. Mas, no mínimo, checar a legislação, não? Mas as possibilidade de fazer um texto mais “redondo” são muitas. Pessoalmente, me contentaria com que ele fosse pelo menos correto. Canso de ver jornalista que aplaude medidas totalmente ilegais, como foi quando um município da Grande São Paulo resolveu sair pintando poesia antes das faixas de contenção das ruas da cidade. O canal até entrevistou o secretário de Cultura do município, que achou muito legal fazer isso. Só faltou combinar com o Código de Trânsito Brasileiro e com uma série de leis que impedem que se saia por aí usando o leito carroçável como lousa ou tela em branco. Mas, novamente, fazer isso dá um trabalho!…
Mudando de assunto: a corrida de Fórmula 1 da Rússia foi meio sonolenta. Show de Max Verstappen que fez uma quantidade gigantesca de ultrapassagens, mas de resto ficará marcada como aquela vitória feia de Hamilton. Sei que é jogo de equipe e que ele existe, mas como sempre digo, eu não gosto. Acho que a vitória deve ser na pista, sob risco de embaçar o resultado, mas também me incomoda esse teatrinho de que ele teria ficado chateado. Se aceitou fazer o que fez e com a força que tem dentro da equipe, poderia ter cedido a posição que ganhou de graça. Se não, assume que quer o campeonato e pronto — aliás, nada de errado com isso. Ainda dentro do tema jornalista mal-informado, li no maior site de noticias que o jogo de equipe teria provocado a morte de Gilles Villeneuve durante a corrida da Bélgica (sic, sic, sic). Segundo o escrivinhador, como na corrida anterior, em Ímola, o Pironi desrespeitou o pedido da equipe de diminuir a velocidade e se aproveitou de que o canadense colega de equipe atendeu o pedido e o ultrapassou. Segundo o jornalista do site, irritando com o desrespeito ao pedido, Villeneuve “tentando bater o tempo do francês na corrida anterior” teria provocado o acidente durante a corrida seguinte. Sempre acho meio tonto dizer isso, assim como que um piloto “quer porque quer a vitória”. Ué?, ele não arrisca a própria vida para chegar à vitória? É fato que o francês não respeitou o pedido e ultrapassou Villeneuve, mas nem o acidente aconteceu durante a prova (foi na classificação, no dia anterior) nem este foi o motivo, e sim que Villeneuve queria a vitória e, claro, o campeonato. Nada mais normal, né?
NG