Não se fala em outra coisa a não ser em “mobilidade” quando o assunto é deslocamento de pessoas. Desde que conhecemos os aplicativos do tipo do Uber, onde o usuário utiliza seu celular para chamar um motorista que vai leva-lo de A até B, os sensacionalistas anunciam o fim da indústria automobilística.
Por definição direta do dicionário, mobilidade é: característica do que é móvel ou do que obedece às leis do movimento. Qualquer forma de locomoção é mobilidade. Andar a pé, andar de trem, andar de camelo, e até mesmo andar de carro, tudo é uma opção de mobilidade. Ou seja, nada mais do que um nome chique para algo trivial.
Nos últimos anos, a tal da mobilidade vem sendo tratada como a salvação milagrosa da humanidade para nos livrarmos do mal que o automóvel vem causando ao mundo. A salvação vem na forma de patinetes elétricos, bicicletas compartilhadas e, vejam só, carros compartilhados.
O grande atrativo da mobilidade por aplicativos de celular é o baixo custo e a facilidade de utilização. Não há como negar que chamar um Uber para ir ao teatro ou a um show musical é bem prático e de custo competitivo. Não se preocupar com lugar para estacionar ou mesmo poder beber uma cerveja sem ter que pensar na lei seca, é muito prático. O mesmo vale para os patinetes, no caso de pessoas que circulam por trajetos curtos e conhecidos.
São formas diferentes de locomoção, muito válidas, mas o problema é a generalização de que o carro vai acabar e as fabricantes de automóveis vão todas falir. Acho isso um pouco furado, por um simples fato que muitas vezes as pessoas não lembram: quando você chama um Uber, nada mais é do que usar o carro de outra pessoa, mas ainda é um carro.
(Vamos usar o termo “Uber” para simplificar a nossa referência, quando nos referimos aos aplicativos de transporte, que pode ser o próprio Uber, ou qualquer outro onde você paga por um serviço tipo táxi, ou mesmo um carro alugado.)
Não há dúvida que o mercado está mudando e que as fabricantes de automóveis precisam se adaptar ao novo cenário. É uma realidade que muitas pessoas estão deixando de comprar um carro para usar um serviço como o Uber, porém, não podemos esquecer que, para se andar de Uber, alguém vai ter que ter um carro. Pode ser que seja de propriedade do motorista, ou pode ser que seja de uma empresa de transportes, mas no fim das contas alguém vai ter que ter um carro para o outro usar.
E, ainda mais, a cada pessoa que deixa de ter um carro para usar um aplicativo, outro vai ter que ter um disponível para a primeira usar. Há opções de compartilhamento, muitos usam o mesmo carro e não é uma proporção de 1:1. Sim, mas generalizando, quanto mais gente usar um Uber, mais Ubers terão que estar rodando para atender a demanda.
Imagine o cenário em que, pela manhã, todos os moradores de um bairro satélite devem se deslocar para o centro da cidade para trabalhar, e fazem isso com seus carros particulares. Se todos estes moradores resolverem ir de Uber, será necessário praticamente a mesma quantidade de carros para suprir a demanda destas pessoas. Ou seja, a quantidade de carros rodando vai ser muito parecida no fim das contas.
A indústria precisa de adaptar sim para o novo cenário do transporte de pessoas, e aos poucos, também o transporte de carga, uma vez que já estão sendo usados aplicativos de frete, onde um caminhão compartilhado é usado para fazer os carretos.
A mudança mais nítida hoje é a eletrificação do automóvel, talvez ainda um pouco obscura em sua real efetividade quanto à poluição e meio ambiente, e o estudo dos carros autônomos, este, ao meu ver, ainda um pouco distante da realidade de ser um meio de transporte corriqueiro, por vários motivos que podemos discutir em um outra matéria.
Depois da eletrificação, os fabricantes terão que mudar a forma como vendem seus carros. É provável que o mercado para o consumidor final seja cada vez menor sim, mas como a demanda por carros não vai deixar de existir tão cedo, pois as pessoas continuarão indo de A para B, o novo consumidor vai se tornar o motorista tipo Uber, ou uma empresa que concentre e contrate Ubers, ou mesmo os próprios fabricantes de automóveis que podem fabricar os carros e disponibilizar seus próprios serviços de Uber.
A própria Uber chegou no Brasil em 2014 e já conta com mais de 22 milhões de usuários e mais de 650 mil motoristas cadastrados. É inegável o quanto ela tem participação consistente no mercado do transporte de pessoas. E isso falando só na Uber, sem contar os outros aplicativos similares.
De qualquer forma, alguém vai ter que ter carros disponíveis para outros apenas pagarem pelo serviço de transporte, ou mesmo alugar um carro, e cada vez mais que existirem mais consumidores deste serviço, maior será a demanda e a necessidade de disponibilidade de carros. Só vão trocar de dono.
Outra solução para a mobilidade seria o transporte público, mas sabemos que por diversas questões, este é um problema de décadas e não há nenhuma luz no fim do túnel, especialmente no Brasil.
Acredito que, de uma forma ou outra, o automóvel não será extinto como muitos mensageiros do apocalipse pregam por aí. A forma como “consumimos” automóveis vai mudar, mas eles estarão por aí, rodando para todos os lados, até que alguém consiga inventar algo melhor, como um teletransporte ou um veículo voador individual.
Um pequeno detalhe que entendo que ainda vai mandar o automóvel vivo é a questão da liberdade que ele proporciona. Não depender de ninguém ou de aplicativo algum para se locomover ainda é muito forte para a maioria das pessoas. Henry Ford, ao popularizar o automóvel para o mundo, ajudou a consolidar a base para a liberdade proporcionada pelo carro particular, a facilidade do livre ir e vir sem depender de ninguém.
Além de tudo isso, ainda há o uso do automóvel como uma forma de prazer. Dirigir por prazer. Dirigir para se divertir. Isso, nenhum aplicativo vai substituir, nunca. E esse mercado vai continuar, mesmo que restrito para poucos no futuro, mas sempre existirá enquanto houver entusiastas. E não vai demorar muito para os fabricantes perceberem que, quando o mercado estiver saturado dos carros compartilhados, autônomos e dos Ubers, o carro particular vai voltar como a opção clara e inquestionável da maior expressão de liberdade individual entre todas.
MB