A temporada de 1977 para os Fittipaldi seria a terceira tentativa de fazer um bom campeonato completo na Fórmula 1. O ano de estreia da equipe de Wilson Fittipaldi Jr. foi tumultuado, já contamos aqui e aqui no AE. Depois de algumas provas e valiosa experiência acumulada, no segundo ano da Copersucar, já com Emerson e Ingo Hoffmann como pilotos e um novo carro chamado FD04, melhores resultados vieram e junto os primeiros pontos.
A pressão por resultados vinha cada vez mais forte e a equipe tinha que continuar evoluindo, só que em uma taxa de crescimento maior do que a que se viu em 1975 e 1976. A contratação de Maurice Phillippe durante a temporada de 1976 como consultor, ele que foi um dos projetistas do Lotus 49 e do 72, traria algumas novidades, mas ainda não resolveria os problemas mais sérios.
Para reforçar ainda mais o grupo de desenvolvimento da Copersucar, os Fittipaldi contrataram o engenheiro inglês David Baldwin. Sua experiência prévia na F-1 trazia o projeto do Ensign N176, carro usado por alguns pilotos competentes, entre eles o belga Jacky Ickx. Baldwin teve bons projetos passados em carros de F-3 e F-2. Nesta época a Copersucar já tinha uma base de operações na Inglaterra, o que facilitava a logística pela Europa durante o campeonato, além do contato com os fornecedores europeus e os novos colaboradores.
Baldwin trabalharia no desenvolvimento do novo carro da equipe junto com Divila, que seria lançado com o nome de F5 já com a temporada em andamento. Até sua estreia, Emerson e Ingo correriam com o FD04 atualizado por Divila e Phillippe, agora pintado de amarelo e não mais prata como nos anos anteriores,— obra do artista Sid Mosca, que insistiu que o carro tinha que ser amarelo, cor do Brasil, e também ficava bem melhor nas fotos com o contraste do amarelo no asfalto escuro. Detalhes de quem entende de propaganda.
Nas seis primeiras corridas do ano que foram disputadas com o FD04, uma luz parecia se acender para todos na equipe. Logo na primeira, no GP da Argentina, Emerson conseguiu um ótimo quarto lugar. Não foi total mérito da velocidade do carro, pois ele e Ingo largaram no final do grid com tempos bem distantes dos primeiros. Ingo abandonou com um motor quebrado logo no começo e Emerson foi sobrevivendo a vários acidentes e quebras, conseguiu algumas ultrapassagens e terminou em quarto, o melhor resultado da equipe até então.
Contrastando com a atual trajetória de altos e baixos da Copersucar, a nova equipe de Walter Wolf que levava seu nome e tinha o sul-africano Jody Scheckter como piloto, conseguiu vencer na sua corrida de estreia com o lindo WR1 equipado com o mesmo Cosworth V-8 que o FD04. Guardem este nome, em breve voltaremos a falar da Wolf.
No Grande Prêmio do Brasil, em Interlagos, a segunda corrida do ano, novamente Emerson conseguiu o quarto lugar na corrida. Ingo terminaria em sétimo, sua primeira prova completa na equipe, e por pouco não marcaria um ponto com um sexto lugar se não fosse um pneu com baixa pressão nas últimas voltas. Seria a última corrida de Ingo na F-1, que deixaria a posição de piloto titular na Copersucar e seguiria a carreira na F-2 na equipe de Ron Dennis.
Finalmente um bom resultado em frente ao público brasileiro para dar um ânimo aos torcedores e também à equipe. Na prova seguinte, em Kyalami, Emerson largou em nono lugar e terminou em décimo, fazendo uma corrida regular, mas sem grandes dificuldades com o FD04. Pelo restante da temporada, com a saída de Ingo, apenas um Copersucar correria em cada GP.
Em Long Beach, nos Estados Unidos, mais um bom resultado para Emerson com um quinto lugar depois de largar em sétimo com o FD04 amarelo, a menos de um segundo do tempo do primeiro colocado. A constância do carro estava melhorando, cada vez menos problemas surgiam e Emerson conseguia tirar mais e mais do equipamento. Era um carro já com um ano de vida que ainda vinha melhorando, mas não demoraria a chegar no seu limite.
A imprensa da época continuava a pressionar a Copersucar e fazer pouco caso dos resultados. Afirmações como “é uma vergonha” e “mais um fracasso” eram constantes, o que irritavam os Fittipaldi repetidamente, e injustamente. Até charges e tirinhas nos jornais eram publicadas debochando do trabalho feito pelos brasileiros.
Os últimos dois Grandes Prêmios do FD04, Espanha e Mônaco, não foram dos melhores. Na pista de Jarama, Emerson só conseguiu um 14° lugar largando lá do fim do grid. Nas ruas de Mônaco também largou do fim da fila, mas não terminou devido ao Cosworth que não aguentou e deixou o brasileiro na mão antes de completar quarenta voltas.
O NOVO F5 FINALMENTE PRONTO
O novo carro criado por Baldwin, o F5 (agora sem o “D” de Divila na nomenclatura), ficou pronto em abril de 1977 e faria sua estreia em junho no GP da Bélgica, a sétima corrida do campeonato de um total de 17. Nos testes preliminares em Interlagos, o F5 mostrou-se rápido. Tanto Emerson como Wilson guiaram o carro para avaliação e sentiram confiança no novo projeto.
Talvez o fato de avaliar os novos carros sempre em Interlagos, uma pista muito conhecida deles, pudesse ter afetador um pouco o julgamento quanto à qualidade do carro. Automaticamente o piloto sabe os segredos da pista e consegue se antecipar. A questão é que o carro tem que andar bem em todos os circuitos, e cada um tem sua característica. Desde o FD01, os testes em Interlagos era tidos como positivos, mas em outras pistas, o comportamento era outro.
Obviamente ter um autódromo do outro lado da rua de sua fábrica é uma dádiva e um sonho para qualquer equipe. Não é possível testar um carro em vários circuitos, que seria o cenário ideal. Talvez apenas as expectativas da equipe devessem ser um pouco recalibradas nestes testes, mas entendo que a emoção de ver o carro andando bem em casa dá um ar de confiança, que às vezes pode ser um pouco otimista.
Questionados sobre a similaridade do carro com o Ensign, criação de Baldwin, os Fittipaldi respondiam que de fato o F5 era baseado no modelo inglês, mas com melhorias já previstas por Dave e Divila. Comparado ao FD04, o F5 seguia o mesmo conceito básico dos demais carros da temporada, sem nada muito revolucionário. As diferenças para o FD04 começavam pelo uso de três tomadas de ar laterais maiores para refrigerar os seis radiadores (quatro de água e dois de óleo). Duas aberturas direcionavam ar para os radiadores de água e a terceira para os radiadores de óleo.
O uso de quatro radiadores de água ajudou na redução de peso do F5 (peso total perto de 575 kg em ordem de marcha) e comprovou-se a melhor eficiência da troca de calor da água com o ar passando pelo carro, mantendo a temperatura do Cosworth sob controle.
O modelo da carroceria foi moldado em clay, uma espécie de argila especial usada até hoje para criação de superfícies. Este trabalho foi realizado dentro do estúdio de design da General Motors, em São Paulo. A precisão das peças da carroceria era primordial e nada melhor do que o know-how de um fabricante de automóveis nesta área.
A dianteira do F5 era muito similar ao Ensign e ao Shadow, com bico em cunha e bem baixo. O chassi era mais uniforme, mais homogêneo e sem tantas sessões e alojamentos para componentes, o que deixava-o mais resistente e rígido. A construção em duralumínio foi feita na fábrica da Copersucar, com dobradeiras de chapa e gabaritos feitos pelo próprio time. Nada de construção fora de casa, como muitas equipes faziam na Europa e Estados Unidos.
A suspensão dianteira, agora sem as fixações ajustáveis, teria menos elementos expostos ao ar, melhorando a aerodinâmica. Até parafusos de fixação da suspensão foram feitos especialmente para o carro, fabricados na Engesa, empresa nacional especialista em veículos militares.
A asa traseira regulável foi feita na Embraer com tecnologia de construção aeronáutica, com direito ao uso do túnel de vento para conferência do projeto feito por Divila e Baldwin. Os testes aerodinâmicos eram cada vez mais importantes, pois os carros estavam evoluindo e novas formas de se aproveitar a forma da carroceria vinham a cada corrida. Era preciso trabalhar firme nos conceitos, observar o que a concorrência fazia, o que dava certo e o que dava errado.
O carro foi concebido para se ajustar ao estilo de pilotagem de Emerson. A suspensão traseira, com dois braços tensores no lugar dos tradicionais quatro elementos, era mais moderna. A nova suspensão do F5 dava margem para a equipe ajustar de forma mais precisa o comportamento do carro, com o equilíbrio entre saídas de frente e de traseira, desejável em alguns casos.
O F5 NAS PISTAS EM 1977
As expectativas por bons resultados com o novo F5 não começaram bem na sua primeira corrida, em Zolder, na Bélgica. Largando em 16°, Emerson não conseguiu chegar nem na quarta volta, quando o motor apagou no meio da volta, sem motivo aparente. Alguma pane tirou o carro da sua primeira corrida logo de início.
Na Suécia, o carro não passou dos treinos, onde Emerson sofreu um acidente mais forte devido a um problema na fixação de uma das rodas e o carro foi muito danificado a ponto de não conseguir ser recuperado para a corrida. O FD04, presente como carro reserva, foi inscrito para largar mas não completou a corrida.
O restante da temporada foi marcado por consecutivas decepções, salvo um quarto lugar em Zandvoort, na Holanda, que nem o próprio Emerson soube explicar como conseguiu. O carro tinha dificuldades de equilíbrio e problemas de motor. Somente com a desistência de vários competidores ele conseguiu se manter na pista até chegar ao final, brigando muito com p carro o tempo todo.
Durante a etapa holandesa, até Niki Lauda ficou interessado para ver como era o F5 e foi parar dentro dele, mas sem pilotá-lo. Algo impensável nos dias de hoje. Era inegável que todos na Fórmula 1 estavam curiosos para saber como ia o projeto dos irmãos Fittipaldi. O bicampeão brasileiro ter deixado a vencedora equipe McLaren para abraçar a causa de seu irmão apontava que ele acreditava no sonho e esperavam bons resultados.
Depois do GP da Holanda, com mais três pontos computados, a Copersucar já somava onze pontos no campeonato de construtores. Era um destaque no meio dos competidores, conseguindo se manter à frente de diversas boas equipes no campeonato.
Além de Zandvoort, Emerson só conseguiu terminar os GPs da França (11° lugar), Áustria (11° lugar) e Estados Unidos (13° lugar). Na última corrida do ano, no Japão, não participaram. A equipe nem foi para a Ásia, voltando direto dos EUA para a sede para poder trabalhar em alguma solução para a temporada seguinte. Mesmo com alterações na aerodinâmica ao longo do ano, o F5 era inferior ao esperado. Talvez até mais lento que o FD04.
O comportamento irregular do carro ao longo das corridas mostrava que, além dos problemas de recorrentes quebras de componentes, a geometria do carro não era boa. Emerson apontou o projeto da manga de eixo traseira como uma das causas do carro não ser bom em várias condições de pistas, por conta dos novos pneus da época que tiveram grandes melhoras rapidamente, e os novos projetos não acompanharam a evolução dos pneus. Este problema assombrou outras equipes da mesma forma.
Os pneus são provavelmente o elemento mais importante da suspensão de um carro de corrida, e quando existe uma variação de desempenho e aderência, a suspensão precisa ser adequada para aquela condição. Adaptar a suspensão significa não só regular alinhamento ou as cargas de mola, mas toda a geometria das fixações dos braços de controle. Praticamente um projeto novo.
O FITTI PAQUISTANÊS DE SEIS RODAS E OUTROS CANDIDATOS
Em paralelo ao F5, Wilson estava pensando em uma alternativa para o projeto do Copersucar. Uma grande novidade no mundo da F-1 em 1976 foi o lendário Tyrrell P34 de seis rodas. Sua configuração no mínimo exótica mostrou-se muito eficiente nas mãos de Jody Scheckter e Patrick Depailler, com uma vitória e oito segundos lugares na temporada. Detalhe: o carro estreou apenas no quarto GP do ano.
Wilsinho via que este seria um bom plano para ser seguido para as temporadas seguintes. Para tal projeto brasileiro, ele contratou um dos responsáveis pelo P34, o engenheiro americano Shahab Ahmed, filho de paquistaneses. Ele teve em seu currículo carros de sucesso como o Surtees de Fórmula 2 (modelo TS14, carro campeão de 1972), mas principalmente o posto de assistente de Derek Gardner, criador do P34 na Tyrrell.
O contato com Ahmed não foi imediato, já era conhecido de Wilson, que o recebeu na fábrica da equipe em São Paulo tempos antes, quando ele veio fazer uma pesquisa para um livro técnico sobre Fórmula 1 que estava escrevendo. O contato entre eles foi mantido e assim que ele foi chamado.
Dentro da Copersucar, Shahab tinha também a função de ajudar a identificar os pontos a melhorar no F5 depois que Dave Baldwin deixou o time por “problemas de entrosamento com a equipe”, nas palavras de Wilson. Os brasileiros da equipe logo deram a ele o apelido de XisXis, já que ninguém conseguia acertar seu nome, ou apenas uma forma tupiniquim de zoar com o gringo. Teve seus primeiros contatos com o F5 na época do GP da França.
Ahmed trabalhou por um ano no projeto do carro de seis rodas, quase que em isolamento. Antes de iniciar a fase de construção, os Fittipaldi tiveram a informação que a FIA viria a alterar o regulamento técnico do campeonato, limitando os carros a terem apenas quatro rodas, a partir de 1978. Acabava ali o projeto do Copersucar de seis rodas. Não seria a única equipe a tentar um carro com esta configuração, pois outras também investiram neste conceito, mas apenas a Tyrrell teve um carro participando de corridas.
Divila contou em entrevista anos depois: “… já naquele período a Goodyear avisou que não tinham como desenvolver muito o pneu [para o carro de seis rodas] e todos que estavam trabalhando em projetos semelhantes deixaram por isso mesmo. Além do mais, nos demos conta que o Shahab Ahmed, que se tinha vendido como um dos principais desenhistas da Tyrrell, não tinha o nível de engenharia para se ocupar do projeto”.
No fim de 1977, já sem nenhuma expectativa, tanto no carro de seis rodas já decretado morto antes mesmo de nascer, como o atual F5, Ahmed deixou a equipe e foi para a Ensign onde trabalhou no projeto do N179.
Além do projeto nunca revelado de Ahmed, vários outros “projetistas” abordaram os Fittipaldi com soluções mirabolantes para os problemas da equipe. Lemyr Martins escreveu em uma publicação da época que um dos candidatos certa vez abordou Wilsinho com uma proposta para lá de maluca. Wilson deveria “ver” sua criação apenas apalpando um modelo em escala, sem olhar para ele. Este modelo, segundo seu idealizador, teria todas as novidades que a F-1 veria nos dez anos seguintes. Os Fittipaldi apenas precisavam assinar um contrato com o ex-aluno de engenharia (que abandonou o curso por ele estar “muito à frente da ciência da época”) para garantir a ele todos os direitos do que fosse usado de suas ideias.
Outro candidato a salvador da pátria foi o canadense Norbert Hamy, inventor e criador de diversas patentes, que afirmava que seu conceito chamado Trebron F1 poderia passar para uso na equipe Fittipaldi apenas com a assinatura de um contrato de direitos. A proposta era de um carro de seis rodas bem diferente do que o que se via na categoria, uma mistura de Tyrrell P34 com protótipos carenados. Apenas dois problemas não vistos por ele: o conceito já estava desatualizado pois o regulamento já não permitia que as rodas fossem carenadas, além da proibição do uso de mais que quatro rodas para os anos seguintes.
PREOCUPAÇÕES COM 1978
O F5 terminou o ano como um grande problema para a equipe. Baldwin seria dispensado e Divila teria que tentar salvar o projeto de alguma forma, pois não seria possível fazer um carro do zero para a próxima temporada em tão pouco tempo. Para o ano seguinte, um reprojeto que foi chamado de F5A seria a esperança de conseguir algum resultado melhor e com consistência.
Seria 1978 um ano para se comemorar ou para se esquecer? A saga continua na quinta parte da história da Copersucar.
MB