A temporada de 1978 foi um sucesso para a Copersucar dados os seus resultados nos anos anteriores. Dois segundos lugares (um valendo pontos no GP do Brasil e o outro não) e 17 pontos marcados no campeonato, terminando na frente da McLaren, Shadow e Renault. Muito melhor que os sofridos anos anteriores da equipe.
Mesmo com os bons resultados do F5A, os Fittipaldi sabiam que era preciso continuar trabalhando para melhorar o carro e manterem-se competitivos. Podiam optar por dois caminhos: trabalhar em cima do F5A, implementando melhorias e fazendo assim um F5B, ou, partir para um carro novo. Optaram pelo segundo.
Ainda no começo de 1978, sem saber muito o que esperar do F5A e como iria se comportar depois dos graves problemas do F5 criado por David Baldwin, os irmãos Fittipaldi assumiram o risco de investir em um carro totalmente novo. O modelo de sucesso do momento era o Lotus 79 com o efeito solo, uma aerodinâmica que estava mudando a forma como se faziam carros de F-1. O caminho mais claro a se seguir era este, criar um carro com o mesmo conceito.
Para a nova tarefa de criar um modelo inteiramente novo e pronto para enfrentar os novos carros com os mais modernos recursos de aerodinâmica, trouxeram o projetista australiano Ralph Bellamy, um dos integrantes do time que criou o Lotus de Mario Andretti, dominante da F-1. Antes da Lotus, Ralph teve no seu currículo passagens pela Brabham e McLaren. Ralph saiu da Lotus depois de ficar um ano trabalhando nos projetos de carros de rua, supostamente contra sua vontade. O convite de Emerson para voltar à F-1 veio bem a calhar em seu momento na Lotus.
Conta a história que os Fittipaldi contrataram Ralph a um preço alto, e a exigência foi que ele entregasse “um Lotus amarelo” para a Copersucar disputar os primeiros lugares nos GPs de 1979. O investimento que viria a ser feito no novo modelo chamado F6 seria algo que tinha que trazer resultados. Os recursos financeiros estavam cada vez mais complicados, mas o fôlego da boa temporada de 77 ajudou a conseguir a verba para o F6.
UM CARRO DOIS ANOS À FRENTE DE SEU TEMPO
Os recursos de design empregados por Bellamy no F6, de acordo com ele próprio, foi o que teria sido feito no Lotus 80 se ele estivesse ainda na equipe inglesa, fora as novas ideias que iam além. O carro seria um modelo com efeito solo, isto era claro. O que Ralph fez de diferente foi como distribuir a área aerodinâmica pelo carro.
A frente baixa e bicuda era longa, com linhas retas e marcantes. Foi apelidada de Concorde, referência ao avião de passageiros supersônico que era um sucesso na época, com voos sobre o Atlântico em tempo recorde. As laterais da carroceria começavam do meio do carro para trás, diferente do que era feito até então, onde todo o espaço entre as rodas dianteiras e traseiras era ocupado para criar uma longa superfície aerodinâmica.
A porção da carroceria ser deslocada para trás era proposital para que o centro de pressão aerodinâmica fosse mais traseiro, para criar uma condição de equilíbrio com o centro de gravidade do carro. Esta relação entre a posição relativa do centro de pressão com o de gravidade afetam radicalmente o equilíbrio do carro.
As saias laterais, já usadas previamente no projeto de Divila do FD04, estavam presentes para fazer a vedação do assoalho e assegurar a baixa pressão correta sob o carro. No lugar de saias móveis que subiam e desciam como persianas, usadas na maioria dos outros carros, no F6 elas eram flexíveis, sem mecanismos de trilhos e acionamentos para subir e descer, o que reduzia e muito a complexidade e a chance de emperrarem. De acordo com Ralph, o F6 estava sendo feito de tal forma que a asa dianteira e possivelmente a asa traseira poderiam ser retiradas que o corpo do carro faria o mesmo papel.
O chassi agora deixaria a construção de chapas de alumínio para entrar na onda do monobloco de honeycomb, uma construção feita com um sanduíche de chapas de alumínio e no meio uma colmeia em forma hexagonal, realmente como os favos de uma colmeia de abelhas. Esta tecnologia era usada na aviação por ser leve e muito resistente, se bem aplicada.
Outra novidade eram as saídas laterais de escapamento, que normalmente são posicionadas voltadas para trás. No caso do F6, havia uma de cada lado do carro, que davam mais espaço para a alojar dentro da carroceria os componentes de suspensão e aproveitar melhor o assoalho para criar um grande extrator de ar mais eficiente. Esta posição fazia com que o ronco do F6 fosse diferente, com um escape para cada lado o som ressoava nos muros laterais da pista. Até os retrovisores foram embutidos na carroceria para reduzir o arrasto aerodinâmico.
Quando perguntado, Ralph dizia que o F6 era “um carro dois anos à frente de seu tempo” e que não era uma cópia do Lotus 78. Tudo parecia perfeito no papel, mas só o carro na pista é que diria a verdade.
O F6 EM INTERLAGOS, FLEXÍVEL DEMAIS
O carro ficou pronto no final de 1978, e como de costume, feita a coletiva de imprensa para mostrar o novo Copersucar para a mídia e o público. Pintado de amarelo e com as cores da Copersucar na lateral, era inegável que o F6 era bonito e parecia ser anos mais novo que o F5A.
No primeiro teste do carro realizado em Interlagos, Emerson ao volante, todos estavam apreensivos esperando os bons resultados de um ano de trabalho e muito dinheiro investido. Wilsinho e Bellamy assistiam o Rato entrar no carro para a primeira volta. Ele daria algumas voltas apenas no anel externo do circuito para o shakedown e depois faria o circuito completo.
Logo na primeira passagem o carro já vinha todo desequilibrado, mal conseguiu fazer a Curva 1 e a 2. A cada curva o carro escapava cada vez de um jeito. De frente, de traseira, nas quatro rodas. Era uma briga constante com o volante e o acelerador para segurar o carro na pista. Depois de algumas poucas voltas, logo antes dos boxes, a carenagem traseira soltou-se. Emerson encostou o F6 no box.
Como presenciado e citado por Mario Marcio Souto Maior e registrado no site “História que Vivemos”, a primeira coisa Emerson que fez foi fazer um sinal para Bellamy se aproximar. Reclamou que tinha algo muito errado com o carro, que parecia que estava tentando jogá-lo no muro a toda volta. Ralph argumentou que era assim mesmo e ele teria que se adaptar a um carro asa. Emerson, sempre educado, não se aguentou e, com a mão no ombro e o dedo na cara de Bellamy, só disse: “Nunca mais diga que eu não sei pilotar um F1. Respeite ao menos o meu bicampeonato”.
A conversa seguinte entre Wilsinho e Emerson pode se resumir a uma frase: “Estamos fo***** com esse carro”. Possesso com o desastre do carro e seu dinheiro indo embora, Wilson queria ir para cima de Bellamy mas Emerson o segurou. Irritado demais com os resultados de um ano de investimento, Emerson pulou dentro do BMW de Wilsinho e foi embora para evitar maiores desavenças.
Mais uma vez, problemas sérios para a equipe. Bellamy se recusava a aceitar que seu projeto tinha problemas, e que com mais tempo de pista e costume do Emerson, o F6 seria bom e competitivo. Pura balela, não havia o que fazer. Emerson já sabia pelas voltas que deu que o carro torcia demais, não tinha rigidez suficiente para suportar as forças de um F-1.
Divila realizou testes de torção no chassi sem Bellamy saber e constatou o que Emerson sentira. O carro não tinha a rigidez adequada. A cada curva, o carro torcia e a geometria de suspensão ia pro espaço. Com pneus slick da largura dos usados em um F-1, qualquer variação na geometria da suspensão muda totalmente o comportamento do carro.
Em um chassi monobloco feito com a técnica do honeycomb, não há muito o que fazer para reforçá-lo. Se fosse um antigo chassi de chapas ou um tubular, soldar alguns tubos adicionais ajudaria, mas no F6 não era tão simples.
Os Fittipaldi descartaram correr com o F6 na primeira corrida do ano, na Argentina, enquanto estudavam o que fazer com o carro. Emerson correria com o F5A para não perder o início do campeonato. Conseguiu ainda um bom sexto lugar na prova. A próxima etapa era no Brasil, mas ainda o F6 não estava nem perto de ser o que se esperava.
Como a equipe poderia chegar no GP do Brasil e não correr com o tão esperado F6, o revolucionário F-1 brasileiro? Seria mais um motivo para as duras e injustas críticas da imprensa. Também seria um problema com o patrocinador. Até quando a Copersucar iria investir na equipe dos Fittipaldi se o maior investimento que fizeram estava se mostrando um fracasso?
Não havia condições para o F6 correr em Interlagos. Novamente Emerson correu com o F5A, andou bem nos treinos e no começo da corrida, andando em quatro lugar, mas só conseguiu chegar em 11° depois de uma parada para trocar os pneus. Mesmo o F5A sendo um bom carro, o melhor que a Copersucar teve até o momento, já estava defasado em relação aos rivais. A maioria dos competidores já tinham carros com efeito solo bem mais avançados que o do F5A.
Bellamy trabalhou na aerodinâmica do F6 usando o túnel de vento inglês do complexo da MIRA (Motor Industry Research Association, na Inglaterra), grupo que desenvolvia estudos de aerodinâmica para o mundo todo. Depois de algumas modificações, a equipe arriscou inscrevê-lo para a terceira corrida do ano, em Kyalami. Seria a única corrida do F6, que talvez tivesse sido melhor nem ter feito. Emerson não conseguiu sair das últimas posições nos treinos e na corrida só terminou em 13° porque atrás dele todos abandonaram. Ficou a quatro voltar do primeiro colocado.
Wilsinho dizia que o F6 era mesmo o Concorde da F-1, só andava rápido em linha reta e não fazia curva de jeito nenhum. De fato o carro era rápido nas retas, nisto o australiano acertou.
No GP dos Estados Unidos, outro fracasso. Emerson não conseguiu largar bem, andou apenas 19 sofridas voltas até o câmbio quebrar e deixar o brasileiro pelo caminho.
A última tentativa, frustrada, foi a classificação para o GP da Espanha de 1979. Com o mesmo resultado negativo das outras corridas, uma breve reunião de cúpula dentro do caminhão-oficina da equipe, ainda no autódromo, decretou o fim do F6. Wilsinho, em entrevista no local, teve que ceder: “Vamos parar de vez com o F6, o carro vai voltar quase que à estaca zero. […] Tomamos esta decisão porque não adianta mais tentar com o F6 do jeito que está. Seria ilusão querer desenvolver um carro que não demonstrou até agora nenhuma evolução.”
Não teria como o F6 seguir adiante. Algo mais drástico tinha que ser feito, e a ajuda da FLY Studio foi novamente requisitada. Bellamy estava trancafiado em um túnel de vento na Inglaterra, mas já era esperado que nada conseguisse fazer. A FLY parecia a melhor opção. Eles já tinham conseguido ajudar Divila no F5A, quem sabe não daria certo com o F6.
Abaixo uma reportagem televisiva da época mostrando o F6 na pista.
O F6A, NOVAMENTE COM A FLY STUDIO
Sem nenhuma melhora significativa com as alterações propostas, a vida de Bellamy na equipe estava chegando ao fim. Divila e Wilson contam anos depois que Bellamy não era o grande projetista que parecia ser, ou pelo menos no que ele próprio acreditava. Na Lotus, ele fazia parte de um time de projetistas. Quando teve que fazer o trabalho praticamente sozinho na Copersucar, se perdeu e deixou a criatividade voar mais alto do que sua capacidade técnica permitia.
Bellamy, em uma entrevista de 2005 para a respeitada revista inglesa Motorsport, colocou a culpa dos problemas de dirigibilidade do F6 nos rolamentos de roda. No Lotus havia sido usado um conjunto especial de cubo e rolamento integrado, bem robusto, mas esta solução não pôde ser reproduzida pelos fabricantes de rolamento brasileiros, de acordo com Bellamy, e ele usou rolamentos cônicos convencionais. Esta montagem em condições de uso de corrida com as novas cargas aerodinâmicas cada vez maiores com os carros asa não eram firmes e geravam folgas nas roda traseiras, era o que ele dizia na época.
“O F6 foi a cruz que a equipe carregou”, de acordo com Wilsinho, e teriam que dar algum jeito. Era isso ou encerrar o ano sem ter chegado nem na metade da temporada. Emerson já dizia que era um ano perdido.
Mais uma vez, Divila teria que fazer alguma mágica para salvar o projeto de um estrangeiro na Copersucar. Junto com os italianos da FLY, Ricardo trabalhou para alterar o chassi do F6 para deixa-lo mais rígido. Alguns reforços foram acrescentados na estrutura central do carro na tentativa de melhorar a rigidez. Como o carro era feito com honeycomb, era mais difícil fazer alterações estruturais sem ter que fazer um chassi novo.
As alterações feitas na Itália deixaram o F6A bem diferente de quando chegou. As laterais foram aumentadas para frente, o bico de Concorde abriu caminho para um bico mais tradicional, baixo e suave, incorporando coberturas para as fixações da suspensão. Divila reprojetou tanto a suspensão dianteira como a traseira com o objetivo de adequar as geometrias para a rigidez do carro.
Enquanto Emerson corria com o defasado F5A nos Estados Unidos, Espanha, Bélgica, Mônaco, França e Inglaterra, conseguindo apenas resultados medianos, a equipe trabalhava o mais rápido possível para que o F6A entrasse na pista para o GP da Alemanha.
Pela primeira vez em um GP, o F6A poderia ser avaliado andando no meio de outros carros. Infelizmente, logo nos treinos, a equipe viu que a realidade seria longe de andar bem no meio do tráfego. Andar bem sozinho já era uma dificuldade. Mesmo depois das alterações feitas por Divila na FLY, o carro ainda era ruim.
A base péssima do F6 não colaborou para o F6A. Não dava para fazer milagre, e não adiantava insistir no F5A que já não acompanhava os carros mais modernos. Nas três primeiras corridas (Alemanha, Áustria e Holanda), o F6A não conseguiu terminar nenhuma. Problemas de todos os lados.
Emerson terminaria apenas três corridas: Monza (8° lugar), Canadá (8°) e Watkins Glen (7°). Estes resultados parecem bons, mas vendo prova a prova, foram obtidos graças a desistências dos concorrentes. No Canadá e Watkins Glen, o F6A ficou a cinco voltas do vencedor. Apenas em Monza o carro andou melhor, ficando apenas a uma volta do vencedor, ajudado pelas longas retas do circuito italiano. Afinal, o carro não era ruim de reta.
O F6A em Watkins Glen, 1979 (Foto: Formula Total)Nas duas últimas corridas do ano, um segundo F6A foi inscrito para o brasileiro Alex Dias Ribeiro, mas que não conseguiu se classificar para largar em nenhumas delas.
O ano mais difícil da Copersucar terminou com gosto amargo. Mesmo com um único ponto e o 12° lugar no campeonato de construtores, o dinheiro gasto tanto na contratação de Ralph Bellamy como na construção (e na reconstrução) do F6 traria novos problemas para a equipe.
A Copersucar (cooperativa) teria novidades no fim de 1979, e não eram boas. Jorge Atalla havia deixado a presidência do grupo e junto com ele, o patrocínio para a equipe dos irmãos Fittipaldi. Wilsinho teria que arrumar outra empresa disposta a investir no F-1 brasileiro, mas depois de um péssimo ano, quem iria querer colocar dinheiro numa equipe passando por tantos problemas?
Wilsinho disse em entrevista para Lemyr Martins na época: “Não vamos parar, faremos outro carro, e outro, até chegarmos ao objetivo. Afinal, na F-1 não se pode desesperar. Tudo isso é da competição. Não vamos sair, vamos fazer um F-1 competitivo. Pode demorar, mas vamos chegar lá, isso eu garanto e assino embaixo”.
Em 1980, muita coisa iria mudar. Até mesmo comprar uma outra equipe eles compraram, na esperança de conseguir bons resultados. A batalha da equipe Fittipaldi continua; aguarde.
Copersucar F6
MB
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