Um bom amigo do Rio, Nélson Silva, com o irmão e o pai, tinham uma concessionária Fiat. Era 1978 e o 147 ainda era novidade, fora lançado em setembro de 1976. Ainda estava longe de preencher as ruas naquele tempo de Fusca e Chevette.
A Fiat brasileira, valendo-se da tradição do grupo em competições, inclusive com sua marca Lancia, tratou de fazer o mesmo por aqui. Como? Estimulando concessionários a criar equipes de competição, facilitando a aquisição de carros por pilotos.
No caso do Nélson seria fácil, ele era piloto experiente, havia começado a correr assim que o Autódromo de Jacarepaguá ficara pronto em 1966 e ele seu Simca Chambord nº 111 logo ficaram conhecidos, tanto pelo carisma do Nélson e seu bom desempenho na pista, quanto pela torcida organizada, com fanfarra e tudo, que seus amigos e conhecidos do distante bairro carioca de Campo Grande organizavam. O Nélson era para os cariocas o que o Camillo Christófaro, o “Lobo do Canindé”, era para os paulistanos.
A concessionária chamava-se PST Veículos e a sigla foi formada a partir de “Posto Santa Therezinha”, onde o pai Onózimo há anos havia se estabelecido em Campo Grande, depois iniciando um negócio de compra e venda de automóveis ali mesmo. Com a Fiat chegando ao Brasil e a natural prospecção para formar a imprescindível rede de concessionárias, acabou que a PST foi nomeada, numa bela instalação no bairro, os dois irmãos tocando o negócio, o pai àquela altura aposentado.
Naquela década de 1970, o Nélson, como muitos pilotos, havia passado a correr de Opala 4100 — sempre ostentando o número 111 — e nos enfrentamos várias vezes nas pistas. Tínhamos em comum também o fato de ser concessionários, eu há mais tempo que ele, desde 1967, uma concessionária Vemag que no ano seguinte passaria a Volkswagen quando esta absorveu a Vemag; ele, portanto, era concessionário novo.
Um dia o Nélson me telefonou dizendo que ia correr de Fiat 147 e queria algumas dicas para melhorar o carro, alinhamento, carburação, essas coisas de carro que vai para a pista. O regulamento técnico era o que a CBA havia adotado a partir de 1976 para as corridas de turismo de série, o internacional Grupo 1 do Anexo J.
— Claro, Nélson, com o maior prazer, mas com uma condição.
— Que condição? — perguntou-me, com certo tom de surpresa, por sermos amigos.
— Que você me arranje um para eu correr!
— Fechado. Dê um pulo até aqui.
Lá fui a Campo Grande, a 60 quilômetros da Gávea. Ao chegar à PST havia dois 147 “de corrida”, um o 111 e o outro, 112 – o meu! O Nélson mandou fazer um “esquema” de pintura incrivelmente simples e genial ao mesmo tempo: o dele era originalmente branco e o meu, azul marinho, de modo que foi só permutar as partes móveis — capô, portas e porta de carga – para resultar no “positivo” e no “negativo”.
Na corrida, havia um 147 pilotado por um supervisor de engenharia da Fiat, Giuseppe “Pino” Marinelli, italiano. No treino sábado por acaso saímos juntos da curva Norte, que antecedia a grande reta de 1.050 metros, esticamos a terceira e ao passarmos a quarta notei que o motor do carro dele caiu menos de giro. “Desgraçado, quarta curta”, pensei comigo mesmo.
Terminado o treino fui falar com ele, junto estava Eugenio Robecchi-Brivio, que se apresentou como diretor da Fiat. O Marinelli disse, na maior cara-de-pau, “que o par de engrenagem de quarta era o mesmo, só que invertido”. Como se 30/33 dentes fosse o mesmo que 33/30 (0,91:1 no primeiro caso e 1,1:1 no segundo números só para exemplificar, não me lembro exatamente do número de dentes).
— É bom ir tratando de mudar a quarta ou câmbio completo, pois se chegar na minha frente meto um protesto em cima, e aí vai ficar feio para a Fiat — disse-lhes em tom de ameaça. O Robecchi-Brivio, quieto, só ouvindo.
É evidente que num carro de motor 1.049-cm³ faz toda diferença, como a que vi quando ele engatou a quarta e o carro dele pulou à frente do meu na reta, e havia mais pontos de 3ª para 4ª no circuito.
Na corrida pulamos para a ponta mas ele não me passou — porque não quis, evidência de que manteve a quarta curta. Venci a que foi a primeira prova de 147 no Brasil, o Marinelli em segundo e o Nélson, salvo engano, em quarto. Em terceiro chegou um amigo de São Paulo, o “Coelho’, José Rubens Coutinho Romano.
Aliás, a prova não era exclusiva de 147, mas para carros de turismo de série em três classes de cilindrada: até 1.300 cm³, de 1.301 a 1.600 cm³ e acima de 1.600 cm³. Seria possível correr com Fusca 1300, mas não apareceu nenhum, pois não teria chance, afinal eram 38 cv contra 50 cv.
O desdobramento desse episódio foi que recebi um convite para trabalhar na Fiat, na Diretoria Comercial que ficava em São Bernardo do Campo, onde estava a área de pós-venda. Fui contratado como representante para cuidar do controle operacional da rede Fiat, no setor de assistência técnica. O diretor da área? Eugenio Robecchi-Brivio!
BS