Volta e meia alguém me pergunta como ser testador de veículos, seja numa fabricante, seja na imprensa. Sempre dou o caminho numa resposta concisa, mas agora vou me alongar um pouco mais.
A primeira coisa é gostar, ter interesse latente em veículos de alguma forma, de preferência o mais cedo possível. Ler muito o que é publicado ir assimilando pouco a pouco o conhecimento de outros. Antes era preciso recorrer às revistas especializadas e livros, hoje existe a internet para facilirar. Junto com a leitura, a vivência com veículos, até mesmo uma bicicleta, entendê-la do ponto de vista técnico, como se movimenta, como é sua tração, como com somente duas rodas ela se mantém “de pé”.
Estar às voltas com motores é um grande auxílio na “formação” técnica, saber por que um simples motor de aeromodelo funciona, o mesmo com um minúsculo motor elétrico de carro de autorama.
Sempre fui muito ligado em veículos motorizados. Antes dos 10 anos meu pai deu para mim e meu irmão uma bicicleta com motor. Era alemã, Rabeneick Cyclemaster. Sua peculiaridade era o motor completo, tanque de gasolina inclusive, ficar na roda traseira, dentro de um tambor ligado ao aro de roda pelos raios. Era um 2-tempos de 32 cm³ e apenas 0,8 cv. Foi como começou minha vida (e do meu irmão) com veículos motorizados. Depois viram outras bicicletas motorizadas, mais evoluídas, em seguida os scooters Lambretta e Vespa de 150 cm³. Sempre procurando mergulhar na sua técnica, analisá-los. A “bagagem” técnica ia crescendo sem parar com o passar dos anos. Essa bagagem incluía mexer, desmontar, consertar, ajustar, até reparar um furo de pneu.
Aprender que chave de fenda é para virar parafusos (tournevis, vira-parafuso em francês), jamais usá-la como talhadeira ou alavanca, e que todo parafuso ou porca tem torque de aperto determinado pelo fabricante do veículo. E fazer das ferramentas suas melhores amigas, cuidar bem delas,
Depois, as quatro rodas. Primeiro entender o automóvel mesmo antes de dirigi-lo, lendo tudo o que há a respeito, inclusive — fundamental — sua história, Como sempre, o interesse crescente resulta num verdadeiro processo de aprendizado incessante, sem fim. Quando chega o momento de dirigi-los tudo fica mais fácil, já se sabe o que acontece, nas entranhas mecânicas, ao ir soltando o pé do pedal de embreagem, Ou o que acontece, e por que, ao virar o volante. Ou ao apertar o pedal de freio.
O conhecimento do veículo é fundamental. Caso bem conhecido é o de Nélson Piquet, que entendia o seu Fórmula Vê, depois o Super Vê, chegando ao seu Brabham de Fórmula 1 que, além de sua indiscutível capacidade de pilotar, foi fundamental para se destacar e chegar ao tricampeonato mundial.
História conhecida é ele ter retirado marchas do câmbio para reduzir atrito interno e ganhar precioso segundos num treino de classificação. É só um entre vários exemplos da utilidade e vantagem de conhecer mecânica,
Aliás, correr de automóvel também faz parte, e como, de adquirir conhecimento de comportamento dinâmico do automóvel, peça-chave para a formação do testador de veículos em potencial.
Iniciação na imprensa automobilística
Como em tudo na vida, fatos vão se sucedendo, páginas vão sendo viradas. Comecei a correr em 1962, a segunda corrida foi só em 1966, mas no restante da década e nas duas seguintes fiquei bem ativo. Em 1973 eu já era sócio de concessionária VW no Rio de Janeiro e o diretor de redação da Autoesporte, o saudoso Mauro Forjaz —tínhamos bom relacionamento — me convidou para, juntos, irmos ao lançamento do Maverick no Rio. Era o 6-cilindros 2-portas. Foi aí o meu começo de jornalista especializado em veículos automotores, coassinando uma matéria com o diretor de redação de uma importante revista de automóveis do seu tempo.
A segunda presença na mídia também foi por convite de um veículo de imprensa, desta vez o jornal O Globo, pelo seu editor do caderno de Veículos, Fernando Mariano. Era o lançamento do Fiat 147, em setembro de 1976, que incluía ir de Belo Horizonte, na Pampulha. a Ouro Preto, um percurso de 101 quilômetros. Não apenas um momento importante da indústria automobilística brasileira que me deu imenso prazer em testemunhar, como ser de meu máximo interesse conhecer — dirigir! — aquele que viria ser um importante concorrente da marca que eu representava. Uma pena eu não ter fotos do evento. Fosse como hoje, com as incríveis câmeras dos telefones celulares, haveria várias fotos aqui.
Inclusive, de quando deliberadamente deixei o asfalto, fora do roteiro previsto, para pegar um trecho de terra com subida que avistei, pois eu quis saber como o Fiat se comportava, principalmente ao arrancar em ladeira com aquele piso (muito bem, por sinal). Meu “sumiço temporário”, de poucos minutos, deixou o pessoal de imprensa e engenharia da Fiat em polvorosa…
Depois disso comecei a trabalhar com o Fernando Calmon, em 1981 (eu já era neopaulistano), primeiro na revista Manchete, depois na Autoesporte (primeira vez) e não parei mais, Mas meu primeiro trabalho numa redação de verdade foi na revista Oficina Mecânica, tendo como chefe e magnífico professor o inesquecível Josias Silveira, que nos deixou no dia em que eu comemorava meu 79º aniversário, em 14 de novembro último, num almoço em casa com a família e veio a notícia. Um dia para esquecer, terrível que foi.
Para fechar a coluna de hoje, ser testador de automóvel é longe de ser um caminho fácil, mas não é impossível, O meu “roteiro” está aí.
Mas uma coisa eu garanto: poucas coisas na vida são tão gratificantes.
BS