Desta vez foi o leitor “BlueGopher”, que nos comentários à matéria “O Segredo do Käfer Haus” fez uma sugestão. “Coleciono emblemas de carros antigos, e vendo o brasão de Wolfsburg lembrei-me de que há no mercado uma enorme variedade de brasões para o capô dianteiro do Fusca, além do tradicional “Paulistarum Terra Mater”. Talvez alguns sejam originais de outros países e versões, outros talvez pura criatividade de alguém. Quem sabe um artigo esclarecedor sobre este assunto fosse algo interessante?” Agradeço ao “BlueGopher” a sugestão de pauta.
Como a foto de abertura mostra, a criatividade vai longe no que se refere escudos do capô dianteiro do VW Fusca. Sim, nenhum dos mostrados nesta foto-colagem é original de fábrica da Alemanha, e há centenas de outras versões. Nesta matéria eu me concentro nos VW Fuscas alemães e brasileiros, deixando para outra oportunidade o levantamento da existência de escudos que eventualmente foram usados em outras fábricas do Fusca ou apenas de sua montagem, em outras localidades.
De início a terminologia me deu um pouco de trabalho, mas eu fui verificar os dados de um catálogo de peças da Volkswagen do Brasil, e eu decidi usar o nome “escudo” que é o usado pela fábrica. Em ambos os casos, alemão e brasileiro, são escudos ilustrados com brasões. Mas muita gente usa emblema, brasão, distintivo, e assim por diante. Abaixo fotos do aludido catálogo de peças:
Eu me refiro ao escudo que durante um tempo adornou os capôs dianteiros de VW Fuscas e que ficava entre o fim do friso central do capô e a sua alça de levantamento.
Escudo do “Lobinho”
Muito chamam o escudo dos VW Fuscas alemães de “raposinha”, que na verdade é um lobo, ou Wolf em alemão. Vou falar da primeira versão destes escudos que esteve em uso entre 1º de abril de 1951 e 6 de agosto de 1959.
A Volkswagen alemã se inspirou no brasão da cidade de Wolfsburg (burgo do lobo) que era muito jovem, pois fora planejada pelo governo nacional-socialista para os trabalhadores da fábrica do que viria a ser o Volkswagen. Foi fundada em 1938 como Stadt des KdF-Wagens (“Cidade do Carro KdF”) ao redor da vila de Hesslingen, no distrito de Gifhorn.
Kraft durch Freude (abreviado KdF e que significa “força através da alegria”) era a organização de lazer controlada pelo estado alemão no III Reich e um de seus projetos, por determinação do então chanceler Adolf Hitler, era o KdF-Wagen — o primeiro nome do Volkswagen —, que não tardaria ser conhecido como VW Käfer, (besouro em alemão), aqui apelidado VW Fusca ainda nos anos 1950 e oficializado pela Volkswagen do Brasil como nome de modelo somente em 1983.
Logo após o término da Segunda Guerra Mundial na Europa, em 8 de maio de 1945, a cidade ganhou seu nome atual. alusivo ao castelo da família Schullenburg, conhecido como Castelo Wolfsburg, por utilizar lobos para a defesa da propriedade localizada na cidade de Fallersleben — muito próxima da fábrica Volkswagen.
O burgo original foi construído por volta de 1300 na margem do rio Aller e era uma fortaleza. Hoje existe no seu lugar um castelo renascentista, que foi construído depois de 1600 e sobreviveu à guerra.
Em 1951, Wolfsburg foi separada do Distrito de Gifhorn, e tornou-se um distrito urbano independente.
O brasão atual de Wolfsburg foi homologado em 23 de maio de 1950 e foi atualizado em 16 de dezembro de 1961 pela versão mostrada abaixo, que permanece vigente.
A descrição deste brasão de armas é a seguinte: ele mostra um burgo na cor prata de duas torres (uma estilização do burgo Wolfsburg da era medieval que deu nome à cidade depois de 1945) num fundo em vermelho sobre uma base de escudo verde coberta com três barras prateadas onduladas (representando o rio Aller que banhava o burgo), em cuja parede se encontra um lobo dourado, de língua azul, olhando para trás, ele está sobre um portão fortificado fechado.
A versão que acabou sendo usada como escudo nos Fuscas alemães foi uma interpretação do brasão da cidade de Wolfsburg, com o Burgo mostrando as pedras de suas paredes e seteiras. O rio Aller aparece indicado mais claramente na cor azul com as ondas em prata. O fundo vermelho deu lugar a um céu azul claro. Tudo foi representado mais no estilo medieval inclusive o portão. E o acabamento original era esmaltado:
A segunda versão – modernizada
Entre 6.08.1959 e 1.10.1962 entrou em cena a segunda versão do escudo dos VW Fuscas alemães. Foi modernizada, com linhas mais simples e a cor predominante era o preto de fundo, com o burgo em prata e o lobo em vermelho; o rio Aller continuou a ser representado, mas com duas “ondas” em vez de três:
Este design continuou a ser usado pela Volkswagen em várias outras aplicações e este escudo foi aplicado ao VW Vocho Última Edición em 2003.
“Paulistarum Terra Mater”
Frase em latim que significa “mãe de todas as terras paulistas”, em alusão ao fato de São Bernardo do Campo ter sido a primeira vila no planalto. Esta é a frase que está no brasão de São Bernardo do Campo que vou esmiuçar agora.
Este brasão foi estabelecido inicialmente em 20 de dezembro de 1926 e sua descrição oficial, segundo o site da Prefeitura de São Bernardo do Campo é a seguinte: “Escudo redondo português, cortado e encimado pela coroa mural distintiva das Municipalidades. O primeiro quartel de ouro traz uma cruz de Santo André, de cor verde, tendo no encontro, sobreposto, a cruz patriarcal de São Bernardo; partido de prata, com o leão dos Ramalhos em vermelho. O segundo quartel tem fundo vermelho, com um lanço de muralhas flanqueado de dois baluartes, com bombardas, tudo de prata e encimado por um braço armado empunhando uma adaga de prata. Como tenentes de escudo, à esquerda, um bandeirante, armado de escopeta; à direita um índio, armado de arco. No listão, e em letras verdes, sobre campo de ouro, de acordo com o primeiro quartel, a divisa: “PAULISTARUM TERRA MATER”, encobrindo parte da roda dentada ao natural, simbólica da grande indústria moderna do Município. Por sobre as ameias, do baluarte central da coroa mural, o timbre do brasão de Martin Afonso de Souza, o elmo encimado pelo leão de púrpura sobre a porta central da coroa mural, um escudete na cor azul com uma flor de lírio de prata, simbólica de Nossa Senhora, padroeira de São Bernardo”.
A Volkswagen do Brasil escolheu este brasão para adornar o escudo da tampa do porta-malas dianteiro dos VW Fuscas nacionais e assim foi até março de 1966. Procurei a foto de um escudo original, e o que consegui foi este:
Resumindo, estes são os três tipos de escudos originais com os quais os VW Fuscas alemães e brasileiros saíam de fábrica.
Enquanto isso, nos Estados Unidos e na Inglaterra…
No livro “A brief history of the VW badge” (Uma breve história do emblema VW) escrito por Giles Chapman estão, entre outros, os dois relatos abaixo, ligados aos escudos de capô e aos emblemas-logotipos VW circulares próximos ao para-brisa dos VW Beetles:
Os escudos da Volkswagen foram objeto de duas ondas de crimes. Em 1957/58, mais de um milhão de escudos de Wolfsburg foram roubados de VW Beetles nos EUA, começando em Nova York e se espalhando para a Costa Oeste. Como o custo de reposição foi de US$ 3,05 cada, isto representou um roubo de três milhões de dólares. O professor Arthur Muller, da Faculdade de Direito da Universidade de Nova York, conduziu uma investigação criminológica sobre o fenômeno do “furto de escudos” e descobriu que os culpados eram meninos de 13 e 14 anos que os arrancavam com canivete. Se eram pré-púberes, guardavam o escudo, às vezes usando-o como fivela de cinto; se a puberdade tivesse começado, eles os davam às namoradas como lembrança.
No Reino Unido, entre 1986-87, milhares de emblemas-logotiopo’VW circularesf oram roubados por adolescentes, que os usavam em correntes no pescoço para imitar o grupo de rap branco The Beastie Boys. A Volkswagen local tinha uma política tácita de oferecer substituições gratuitas para proprietários que tivessem seus emblemas roubados, enquanto os fãs dos Beastie Boys recebiam chaveiros da VW se parassem de roubar os tais emblemas.
Os emblemas circulares VW perto do para-brisa
No Brasil tivemos de tudo um pouco, e em 1971 foi lançado o VW Fusca 1300 “econômico” que certamente não tinha mais o escudo, que desapareceu em 1966, tampouco tinha o friso do capô dianteiro. Tempos depois em 1974 o friso circular foi retirado de todos os modelos de VW Fusca.
E os emblemas ‘Volkswagen’ em escrita cursiva sublinhada, eram originais?
Esta é uma história interessante. De 1950 até 1960 os concessionários Volkswagen, iniciando pela Sabrico, de São Paulo, SP desenvolveram um emblema com a palavra Volkswagen, escrita de forma cursiva puxando o “n” final para baixo formando um sublinhado, para mostrar qual era a marca daquele carro esquisito que começou a aparecer nas ruas brasileiras. Abaixo a foto da fachada da loja da Sabrico na Avenida Duque de Caxias em São Paulo, com um anúncio em néon com o tal logotipo, veja no lado esquerdo superior da fachada, colocado dentro da loja:
Estes emblemas eram colocados, inclinados, no capô dianteiro, do lado esquerdo da alça de abertura; e na tampa do motor, do lado esquerdo, próximo à placa.
Na foto abaixo, um exemplo de colocação deste tipo de emblema no capô dianteiro de um Fusca:
Sim, estes logotipos Volkswagen eram colocados por concessionárias em alguns carros, mas não saíam de fábrica assim, portanto não eram originais de fábrica.
Como minhas matérias também são veiculadas no estrangeiro eu convido os leitores de lá para participarem da pesquisa sobre logotipos de fábrica (ou de linha de montagem de CKD) que tenham sido usados em seus países, e-mail de contato: alexander.gromow@auroentusiastas.com.br
Agradeço ao amigo Hugo Bueno que colaborou com a definição de algumas datas brasileiras relativas ao assunto.
AG
Nota de atualização: o texto da parte “Os emblemas circulares VW perto do para-brisa” foi atualizado para acertar as datas envolvidas no caso – realizada em 8/2/2022 às 00h16m.
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