Ainda em 1941, Ferdinand Porsche havia comprado uma propriedade na cidade de Zell am See, na Áustria, país que faz fronteira com a Alemanha. Trata-se da fazenda chamada de Schüttgut, que na época já tinha 300 anos. As famílias Porsche e Piëch enviaram para lá suas crianças durante a guerra para que ficassem protegidas dos bombardeios dos Aliados. Esta propriedade continua sendo da família Porsche e próximo à sede da fazenda havia sido construída uma capela que viria a guardar as urnas mortuárias do próprio Ferdinand Porsche e de vários membros da família.
No outono alemão de 1943 a empresa de Ferdinand Porsche, a Dr. Ing. h. c. F. Porsche Gesellschaft mit beschränkter Haftung, Konstruktion und Beratung für Motoren- und Fahrzeugbau (Sociedade de responsabilidade limitada para projeto e consultoria para construção de motores – e veículos), fundada em Stuttgart em 1931, procurou um novo local para se estabelecer provisoriamente. Isso em função da escalada da guerra e dos bombardeios na cidade que se tornavam cada vez mais frequentes e colocavam em risco os funcionários da empresa e seu próprio funcionamento.
Em 1944, Ferdinand Porsche mudou a sua empresa para um local bem mais seguro na cidade de Gmünd, estado de Caríntia (Kernten), na Áustria.
As condições de trabalho nos prédios de uma antiga serraria eram mais do que difíceis para os cerca de 300 funcionários da empresa. Havia falta de máquinas, muitas vezes também falta de materiais, e os barracões de madeira estavam em péssimas condições. No barracão das máquinas o espaço era tão apertado que os trabalhadores mal podiam se mover entre os tornos.
Um dos prédios de madeira, onde ficava um escritório, sobrevive até hoje, sendo preservado como patrimônio histórico:
Este mesmo prédio aparece, visto de lado, em uma foto de época, tirada quando o 356 cupê já estava em desenvolvimento:
Foi necessário construir barracões adicionais para a administração e cantina, e um assentamento para os engenheiros de projeto foi construído no distrito de Gries an der Lieser.
Apesar disso, a localização em um vale remoto, além da montanha Grossglockner, tinha uma vantagem inestimável: não havia praticamente nenhuma ameaça do tumulto da guerra e havia também, acima de tudo, o suficiente para comer para todos os funcionários naquela região rural.
Ferdinand Porsche foi feito prisioneiro pelos franceses a partir de dezembro de 1945. Ele foi liberado condicionalmente somente em 1947, sendo formalmente libertado em 1948. Durante este período, o destino da empresa estava nas mãos do filho de Ferdinand, Ferdinand Anton Ernst Porsche, conhecido como Ferry. “No início, olhei em volta e não consegui encontrar bem o carro com que sonhava. Então decidi construí-lo eu mesmo”, disse Ferry alguns anos depois, quando o Porsche já era sucesso mundial.
A empresa tinha que ser mantida viva e isto foi conseguido sobretudo através do projeto de máquinas agrícolas como tratores¹, implementos de corte e guinchos de cabo, para esquiadores, por exemplo. Entretanto, era um contrato para a construção do carro tipo fórmula, o Porsche Tipo 360 — Cisitalia, para o fabricante italiano de carros de corrida do mesmo nome que fornecia os fundos necessários para que o carro dos sonhos da Ferry Porsche pudesse vir a ser uma realidade.
O Cisitalia era um projeto incrível para a época, trazia o DNA dos carros de corrida que o pai de Ferry tinha feito, com inovações como chassi tubular, tração nas quatro rodas e um motor boxer traseiro-central de 12 cilindros supercarregado de 1.500 cm³ e 300 cv, que com um coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,288, era capaz de ultrapassar os 300 km/h!
Em 1948, finalmente chegou a hora. O carro, Projeto nº 356. foi inicialmente referido ainda pela designação VW Sport. A estrutura tubular de aço suportava uma carroceria de alumínio — e, portanto, refletia a mais pura filosofia do esporte a motor da época. Componentes importantes como motor, câmbio e eixo dianteiro eram de Volkswagen. Como o motor traseiro-central de 1.131 cm³ e 25 cv era anêmico para a proposta do 356, os engenheiros da Porsche conseguiram aumentar sua potência ara 35 cv por meio de novos cabeçotes. Isso foi suficiente para levar o veículo com um peso de apenas 585 kg a uma velocidade máxima de 135 km/h. Em 8 de junho de 1948, o 356 o roadster “Nº 1” com chassi número 356.001 recebeu sua licença geral de operação.
O “Nº 1” permaneceu como um carro único. Os trabalhos no 356/2 decorreram paralelamente à construção do “Nº 1”, e o primeiro cupê foi concluído em agosto de 1948. A base dos modelos 356/2 era uma estrutura de caixa de aço como chassi. A potência do motor boxer de quatro cilindros foi aumentada para 40 cv com a aplicação de dois carburadores e aumento da taxa de compressão de 5,8:1 para 7:1, e o motor foi movido para a traseira. Isso criou espaço para para dois pequenos bancos traseiros e bagagem.
Abaixo uma foto tirada dentro do galpão de produção onde estava sendo conformada a carroceria em alumínio de um 356/2 cupê. Em destaque a pesada estrutura de madeira que era usada como molde para rebater à mão as partes da carroceria:
O motor do Porsche 911, o veículo principal e mais longevo da marca — surgiu em 1963 —, ainda hoje está instalado atrás do eixo traseiro. Quarenta e quatro cupês e oito modelos cabriolé do 356/2 foram construídos desde o inverno de 1948/49 até o fim da produção na Áustria em 1950. As carrocerias Coupé foram conformadas a martelo de chapas de alumínio por pequenos especialistas como Kastenhofer, Keibl ou Tatra em Viena e Beutler na Suíça, enquanto as carrocerias cabriolé foram fornecidas pela Keibl e Kastenhofer e pela Beutler da Suíça. Estes modelos de Gmünd foram o que a marca Porsche apresentou a um público internacional no Salão de Genebra na primavera de 1949.
Na foto de abertura dois 356/2 saindo da fábrica, um cupê e outro cabriolé, ao fundo um Kübelwagen remanescente da guerra.
Quando Ferry Porsche tomou a decisão de construir “seu” 356, ele estimou que seria capaz de vender cerca de 500 desses carros esportivos. Esse talvez tenha sido seu único erro de julgamento: na verdade, pouco menos de 78.000 veículos Porsche 356 foram construídos até 1965.
(¹) – Escrevi uma matéria (em três partes) sobre tratores Porsche com base o trator especificamente feito para uso em cafezais brasileiros o P312. É a matéria “INCRÍVEL RESGATE DE UM TRATOR P312 ABANDONADO NO MATO”
Réplicas dos Porsches 356 são fabricadas ainda hoje em várias partes do mundo e têm uma clientela fiel. Também escrevi uma matéria sobre uma oficina na Indonésia, a Yumus, que além de réplicas de Kombi, produz réplicas de Porsches, estes últimos estão na Parte dois da matéria: “A OFICINA DOS SONHOS – PARTE 2”
AG
Para a elaboração desta matéria eu pesquisei nos sites: newsroom.porsche.com; stuttcars.com; Wikipedia e outros.
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