O conceito de janeiro de 1999 mostrado no mais tradicional salão do “american iron” — Detroit , ou oficialmente NAIAS – North American International Auto Show — previa um Charger de estilo bastante interessante, que lembrava pouco o clássico da década de 1960, mas sem nada de retrô, uma tendência que até hoje não sabemos se já chegou ao seu auge ou ainda vai continuar.
Deveria ter o motor do Grand Cherokee, com calibrações de computador de gerenciamento diferente, uma programação voltada para mais velocidade e menos capacidade de reboque, ou seja, mais potência em rotações mais altas. Era movido a gás natural.
Deveria chegar a mercado em 2004, com quatro portas, sendo as traseiras bem disfarçadas e articuladas atrás, na coluna C, abrindo no modo “suicida”. Foi projetado com a tão importante tração traseira, adotada na mudança da plataforma do 300M para 300P. O 300M deve ter sido um dos grandes furos n’água da história do fabricante, daquela época de insistência no cab-forward style, que de nada mais era do que um pára-brisa em cima do motor, um capô curto demais e um painel de instrumentos gigantesco, gerando reflexos absurdos num vidro muito maior que o necessário. Ruim para a visibilidade e péssimo para a acessibilidade mecânica.
O mais incrível é que mesmo sendo algo tecnicamente ridículo, sempre teve e tem seus adeptos. Algo muito comum hoje, não apenas em minivans, mas até em hatches e alguns sedãs com jeitão de monovolume. Um atendimento de uma necessidade que não existe, e que foi inventada por estilistas sem afinidade com um compartimento de motor, pouco preocupados com reflexos no pára-brisa, e celebrado por consumidores idem.
Até mesmo o tão propalado maior espaço interno é pífio, já que o que se ganha de volume interno no habitáculo é praticamente inútil. Anti-autoentusiástico ao extremo. Mais prático e barato comprar uma cristaleira e colocar rodas nela.
Quando andei de Charger em 2009, pensava sempre no estilo do carro-conceito de dez anos antes, quando os Moparzeiros (apelido genérico dos fãs dos carros da Chrysler) se arrepiaram, com muitas ressalvas às quatro portas. Aí o carro saiu em 2006 e arrepiou mais ainda. De tudo que tinha no conceito, sobrou apenas o pior, as quatro portas, um absoluto contra-senso. Alguns dizem que deveria se chamar Coronet para não ser criticado, já que o Charger de 1966 nasceu justamente desse sedã, uma manobra que seria muito simples por parte do fabricante, mas que se rendeu frente à força do nome do carro, o cavalo de batalha, charger em inglês.
Não que eu não goste de quatro portas. Gosto muito, e não dá para dizer que um carro é prático se tiver banco traseiro e não contar com elas. Mas o nome Charger não combina com isso, sem dúvida.
Os designers da Chrysler consideram que o Charger de 1968 a 1970 tinha um desenho básico em forma de diamantes. Difícil de enxergar com facilidade isso, diria até mesmo com dificuldade. Velhos designers da empresa falam sobre as formas de duplo diamantes, onde uma forma empurra a outra e acaba em um evento no meio, muito parecido com a lateral do Viper, como disse Joseph S. Dehner, o estilista responsável pelo exterior do carro, que trabalhou sob o comando de Tom Gale.
Haviam algumas coisas para lembrar o Dodge clássico dos anos 1960, mas eram apenas vagas lembranças. Mesmo tentando disfarçar muito bem as portas traseiras, não havia como fazer o carro passar por um cupê fastback.
No quarto traseiro até faz recordar bem o modelo 1968, como se vê no ângulo escolhido para a foto que segue, onde aparece Tom Gale, o vice-presidente de estilo da Chrysler, mas o restante do carro é mesmo totalmente diverso. A frente é o ponto principal das maiores diferenças — sem contar o número de portas — que diferencia o carro do passado desse conceito que deveria ser o futuro. No 1968, uma dianteira inconfundível e ousada, e no moderno, muito calcada em esportivos menores e sem a herança do Charger mais querido, valorizado e de estilo mais puro e brutal, o 68-70.
As aberturas nas laterais, canalizadas do cofre do motor até as portas dianteiras são funcionais, extraindo ar quente. No capô há também uma saída funcional de ar quente, logo após o radiador/condensador, um local ótimo para evitar superaquecimento no compartimento, algo que prejudica a vida útil de mangueiras, correias, fiação elétrica e tudo mais.
No pára-choque traseiro mesma coisa, saídas de ar, na busca de menor efeito de frenagem resultante de turbulências e o arrasto que delas se originam.
Nas dimensões, ele era mais curto que o original dos anos 1960, com 4.750 mm contra 5.165 mm do 1966. Mais leve também, com 1.361 kg contra 1.656 kg.
Na tecnologia de GNV (CNG, compressed natural gas, como é chamado nos EUA) o Charger-conceito era também importante. O tanque, por exemplo, permitia autonomia muito superior a outros protótipos movidos a gás natural sem perder espaço no porta-malas. Se fosse colocado em produção, seria feito para poder ser abastecido mesmo em casa, através dos tanques usados nas residências americanas, bem diferentes dos nossos caseiros, mas mais próximos dos usados aqui em edifícios onde não há gás encanado de rua.
O conjunto de três tanques de aço tradicionais é revestido de compósito de fibra de vidro, mais uma camada de HDPE (poliuretano de alta densidade – “espuma dura”) impermeável ao gás. Tudo isso embrulhado em compósito de fibra de carbono de alta resistência, e reforços de elementos de fibra de vidro, colados com resina epóxi.
Esses três cilindros são montados dentro de uma caixa moldada com a forma de acomodá-los em um berço feito de espuma de alta densidade para absorver impactos. Bastante forte, e pode ser feito na forma achatada de tanques normais de carros. A capacidade energética é equivalente a 45,4 litros de gasolina, permitindo autonomia de 480 km, um número muito bom. A posição do conjunto no carro é atrás do banco traseiro, na horizontal.
O conceito foi feito na plataforma ou arquitetura Chrysler LX, a mesma que foi usada para produção do Charger de rua em 2005, lançado como ano-modelo 2006. Ou seja, o carro de produção que existe hoje poderia sim ser bem parecido com esse.
Quando a revista Motor Trend andou no carro-conceito em 1999, gostou bastante. Mesmo ele não tendo um motor maior que o 4,7 litros V-8 de árvore-comando simples no cabeçote, com potência de 430 cv, e ainda assim era compatível com as normas ULEV — Ultra Low Emission Vehicle (veículo de emissões ultra baixas) — da Califórnia para aquele ano, mesmo não estando em produção. Pelo comportamento, não havia como se saber que não era um motor a gasolina, e mais delicioso de tudo, tinha montado um câmbio BorgWarner manual de cinco marchas.
Mesmo sendo apenas um protótipo construído, longe dos refinamentos e ajustes finais de calibrações de motor e suspensões, o desempenho era muito bom, com as 60 milhas por hora (96,5 km/h) chegando em 5 segundos cravados, e o quarto de milha, 402,25 m percorridos em 13 segundos, marcas muito boas mesmo hoje, quinze anos depois.
Usa discos nas quatro rodas, os mesmos do Viper, pinças de quatro pistões na frente e duas atrás. As suspensões eram parcialmente do Prowler, braços superiores e inferiores, com algumas alterações. Rodas de liga de alumínio, simples e bonitas, 9×19 polegadas na frente e 10×20 atrás, com pneus Goodyear run-flat, 245/45R10 na frente e 295/40R20 atrás.
Uma pena a carroceria não ter sido aproveitada em sua totalidade.
Não que o Charger atual seja triste, isso não é mesmo, mas poderia ser melhor, e estava parcialmente definido com esse conceito, bastava levar o desenvolvimento adiante.
JJ