Uma das técnicas de relações públicas mais usadas para desviar a foco de um problema grande é atrair a atenção do povo com uma declaração que provoque celeuma ainda maior. Bernie Ecclestone conhece muito bem essa prerrogativa.
Enquanto o chororô da Force India, Lotus e Sauber vai crescendo e o detentor dos direitos comerciais da F-1 não põe a mão no bolso, a mídia que segue a categoria abre manchetes para a mais recente declaração bombástica de Bernie Ecclestone: “Os fãs jovens não me interessam, eles não tem dinheiro para gastar…” Não me parece que a companhia aérea Emirates se nega a vender passagens para jovens ou que a Pirelli só instala seus pneus em carros de tiozinhos e tiazinhas, mas ficou claro que poucos entenderam a rasa profundidade de suas sábias palavras. Enquanto isso os atuais operadores da equipe Caterham anunciaram que participarão do GP de Abu Dhabi, que encerra a atual temporada neste domingo, decisão do título de 2014, e promove um teste importante na semana que vem.
A tertúlia sobre a distribuição dos prêmios e rendimentos da F-1 tem potencial de Operação Lava Jato para a chefia da categoria: não é de hoje que setores da imprensa especializada européia dedicam suas horas de folga para encontrar lenha que alimente a fogueira de muitas vaidades. Não é de hoje que a atuação do francês Jean Todt é fustigada por escribas britânicos, que pintam a falta de transparência da FIA como o novo pecado capital, mesmo que o universo GP seja comandado por ingleses.
Não bastasse essa recordação de diferenças marcadas pelo Canal da Mancha, agora sobra para os alemães. Enquanto Ecclestone cozinha o galo soltando declarações como a mencionada na abertura desta coluna, as Três Mosqueteiras com complexo de Robin Hood colocam pressão na caldeira às vésperas de uma decisão de campeonato que tem tudo para ser uma festa impecável da Mercedes-Benz. Exceto se elas conseguirem atrair a atenção da mídia mundial e empanar o brilho dessa festa, algo possível, desde que bem orquestrado.
A primeira bomba já foi lançada: uma carta enviada a Bernie Ecclestone, ou melhor, ao detentor dos direito comerciais da categoria, “vazou” e caiu nas mãos de alguns jornalistas. Nela, há menção de palavras como “cartel” e (atitude) “questionável” ao se referir como os lucros da exploração dos direitos comerciais da categoria são distribuídas. Segundo essas rebeldes sem grana, “US$ 43 milhões dos cerca de 70 milhões que cada uma de nós recebe são destinados a pagar o motor”. Assim, o que sobra não dá para o gasto e abrem, forçosamente, lugar para pilotos pagantes e patrocinadores dos mais variados.
Recém-saído de dois processos longos e desgastantes na Inglaterra e na Alemanha-, tudo o que Ecclestone adoraria receber neste Natal não inclui um revival de encontros com magistrados, desta nível na esfera continental: o Tratado de Funcionamento da União Européia proíbe a conduta abusiva em mercados onde uma ou mais companhias tenham posição dominante. Para investigar se isso ocorre realmente não é necessária uma denúncia formal, informações consistentes que levem a isso são aceitas como suficiente para uma investigação mais rigorosa. Como o assunto ganha peso em época de decisão de campeonato, temos um prato cheio de explosivos para terrorista nenhum botar defeito.
Para temperar o prato com sabores mais exóticos uma iguaria já não tão rara, a Caterham confirmou que irá participar do GP de Abu Dhabi graças ao sucesso relativo de uma vaquinha, prosaica coleta de fundos que hoje em dia é conhecida e mencionada como “crowdfunding”. A saída para conseguir essa verba foi considerada prejudicial tanto pelos cartolas quanto pelos rivais: afinal, a F-1 movimenta alguns bilhões de dólares por ano e não pega bem usar desse artifício para pagar as contas. Seja como for é bizarro notar que a equipe vai gastar cerca de US$ 2,82 milhões conseguidos dessa maneira para ocupar os dois últimos lugares do grid e em meio a rumores que não pagou os salários dos últimos dois meses aos 240 funcionários dispensados recentemente. Por enquanto apenas Kamui Kobayashi foi confirmado como piloto; o inglês Jolyon Palmer é cotado para a segunda vaga.
Enquanto o circo vai pegando fogo, Ecclestone vai ganhando tempo para tentar impor uma segunda divisão no seu show global: as cinco grandes forças da categoria — Ferrari, McLaren, Mercedes, Red Bull (Toro Rosso anexada) e Williams — continuariam seguindo o regulamento técnico atual e quem quiser seguir viagem o faria com carros da GP2 modificados de forma ter um rendimento ligeiramente melhor. Como Force India, Lotus e Sauber não aceitam essa proposta, é bom esperar por um final dramático de temporada. E isso não tem nada a ver com a luta entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg pelo título de campeão de 2014…
Filho de Palmer indica que filho de piloto, melhor piloto é
O médico inglês Jonathan Palmer jamais demonstrou habilidade de campeão nos 63 GPs que disputou entre pelas equipes Williams (1983), RAM (1983), Zakspeed (1985, 1986) e Tyrrell (1987 a 1989): um quarto lugar no GP da Áustria de 1987 foi seu melhor resultado. Enquanto Jonathan tem se saído melhor na administração de quatro circuitos ingleses (Brands Hatch, Caldwell Park, Oulton Park e Snetterton), seu primogênito Jolyon (vencedor da temporada 2014 da GP2, frente a Felipe Nasr), está tratando de melhorar a imagem da família dentro das pistas. Ele impressionou os engenheiros da Force India nos dois dias de testes no simulador da equipe, exercício preparatório para um teste que deverá acontecer na semana que vem, em Abu Dhabi. Carlos Sainz Júnior vai andar com um carro da Red Bull, o que poderá definir se ele ocupará o posto de piloto-reserva dessa equipe ou o segundo carro da Toro Roso em 2015, e outros nomes deverão ser anunciados em breve. A McLaren participará com um chassi deste ano equipado com o motor Honda V-6 naquela que será a primeira aparição pública desse parceria.
WG