Para quem conhece o Saab 900 Turbo, o EV-1 é bem fácil de entender.
O 900 era uma evolução do modelo 99, carro desenhado em 1965, portanto já bem defasado na década de 1980, mais precisamente 1985, quando o EV-1 foi apresentado.
Os suecos, sempre diferentes, principalmente os “saabianos”, pegaram a mecânica do modelo de topo, o Turbo 16-válvulas, e fizeram uma nova carroceria para ele, e tudo mais que decorre disso.
Trabalho prático, e que resultou em um carro que poderia ser usado normalmente nas ruas, como de fato o foi pelo designer-chefe da marca, Bjorn Envall. Naqueles anos pré-GM a criatividade corria solta e as vendas iam bem para o tamanho da empresa.
Em todo lugar que se pesquise, EV-1 significa Experimental Vehicle 1 e quando se pesquisa a pequena confusão que ocorre é com o carro elétrico quase homônimo produzido e arrendado (leasing) pela GM a partir de 1996, o EV1, com o “EV” se referindo a Electric Vehicle. Mais um exemplo do desprezo com que a fabricante sueca, da qual a GM já detinha 50% das ações, era tratada por ela (a GM adquiriria os 50% restantes só em 2000 ).
O EV-1 da Saab começou a ser pensado em junho de 1984. O carro começou com um modelo em argila que Envall fez em casa, fora do trabalho, e foi levado a um pequeno grupo de não mais de uma pessoa de cada departamento necessário para levar o projeto adiante, pessoas que pensavam de forma intuitiva para as soluções necessárias. No mundo de projetos, intuição é chamada de forma menos intangível de “experiência”.
O carro foi mostrado pela primeira vez no Salão de Frankfurt, em setembro de 1985, e depois, em maio de 1986 em Los Angeles, grande mercado da marca, já que a Califórnia sempre foi aberta a idéias diferentes de todos os tipos.
Interessante como todo Saab de verdade, o EV-1 tinha vidros na cor bronze, algo usado aqui no Brasil nos Ford Escort Ghia durante alguns anos após o lançamento em 1984. Tinha também células fotovoltaicas no teto para captar energia solar e fazer funcionar um ventilador para movimentar o ar e evitar temperatura excessiva na cabine. O exaustor de ar está localizado do lado traseiro esquerdo, na posição onde, na direita, está a portinhola do tanque. A empresa nunca chegou a usar algo desse tipo em produção, mas plantou a idéia que seria adotada pela Mazda no modelo 929, e depois, bem depois, pela Audi, no A8.
Apenas uma parte dos vidros das portas se abria, devido ao desenho de superfície bastante curvo da área envidraçada. A Subaru adotaria idêntica solução no cupê esportivo SVX em 1991 e recentemente a Volkswagen repetiria a solução no XL1 e no XL Sport.
Usou-se o assoalho, parede de fogo e peças contíguas do 900 conversível, que tem reforços importantes no assoalho para a construção de um carro cuja carroceria seria nova, e com o teto de vidro, de rigidez desconhecida.
Os pára-choques foram fabricados em compósito de Kevlar para absorver energia e retornar à forma inicial. Devido às características de resistência e flexibilidade desse material, não é necessária estrutura interna, e o baixo peso decorrente disso é notável. O pára-choque dianteiro pesa 1,18 kg, bem pouco uma peça tão grande.
Quase toda a carroceria foi feita em compósito de Kevlar, esta a marca registrada uma fibra sintética de nome genérico aramida, uma poliamida que tem vários nomes comerciais e é fabricada por várias empresas. Um dos usos mais extremos é nos equipamentos a prova de projéteis, devido à alta resistência das fibras. Um dos resultados óbvios é o peso muito baixo quando comparado ao aço estampado tradicional, mas outro é a resistência aos amassados provocados por pouca energia, como as batidas de portas em estacionamentos, sempre uma obra de pessoas sem educação. A General Motors adotaria a idéia para as portas com alguns modelos da divisão Saturn, já falecida infelizmente.
Dentro das portas, as barras de segurança antiinvasivas, já usadas pela Saab há vários anos, deixaram de ser de aço como no 900 e passaram a ser em camadas de compósitos de fibra de carbono e fibra de vidro. O peso é 62 % menor do que as barras de produção do 900 normal, com maior resistência. Menos peso nas portas, menos massa chacoalhando, maior durabilidade de dobradiças e fechaduras.
No interior, bancos baseados no do Corvette, e cintos com pré-tensionadores, que se tornariam padrão junto com a obrigatoriedade dos airbags vários anos depois.
O motor, evolução do projeto Triumph dos anos 1960, chegava a 290 cv a 6.500 rpm e 34 m·kgf a 3.500 rpm, e a aerodinâmica apurada fazia o carro chegar a 270 km/h reais, um prodígio.
A resposta muito mais forte desse motor se deu com aumento das entradas de ar, válvulas injetoras de gasolina de maior vazão, menos contrapressão no escapamento e turbocompressor cerca de 25% maior. Isso permitia sobrepressão de 1,1 bar, ao passo que o 900 de produção trabalhava com 0,9 bar. Isso com a taxa reduzida de 9,1:1 para 7,2:1.
Na mecânica alterada para suportar a maior potência, apenas bielas reforçadas. Pistões, válvulas e seus comandos, além de virabrequim, todos originais.
Mais à frente, o principal engenheiro responsável pelas alterações desse motor teria como objetivo colocar pistões de cabeça mais alta para aumentar a taxa de compressão, devido ao sistema APC (sigla em inglês para Controle Automático de Desempenho) ser totalmente funcional e eficiente nesse carro, impedindo a detonação.
A eficiência do APC pudemos atestar pessoalmente nas vezes em que andamos dirigindo ou de carona no magnífico Saab 900 do nosso amigo Valter, no Brasil, que já não tem mais o carro, mas permanece em boas mãos. O carro dele nunca apresentou o problema, mesmo usando a gasolina comum do país dele.
Tudo isso permitiu ao EV-1 aceleração de 0 a 100 km/h em 5,7 segundos e de 0 a 400 metros em 13,9 s. Pense em Ferrari Testarossa que havia sido lançado um ano antes, com 0 a 100 km/h em 5,3 segundos e os mesmos 400 metros em 13,5 segundos.
Kjell Kuntsson foi o aerodinamicista responsável pelas definições de detalhes para favorecer o fluxo de ar. Começando pela frente, o spoiler foi otimizado para direcionar para cima do carro o máximo de ar possível, e o restante, canalizando para as tomadas. A inclinação do capô foi feita para que os dois extratores de ar funcionassem com alta eficiência, importante no carro com turbo, que fica muito quente ao redor dele. Os extratores tem lábios para auxiliar no trabalho, desviando ar para cima, evitando turbulência na borda dianteira, o que diminuiria muito a saída de ar quente.
O coeficiente de arrasto aerodinâmico (Cx) é 0,32, não tão baixo, mas a pequena área frontal que não passa de 1,6 m² compensa para reduzir a força de arrasto. O 900 normal tinha Cx 0,34 e área frontal de 2 m².
Não muita novidade mas importante mesmo assim, as rodas são unidirecionais, não podendo ser trocadas de lado, pois tem desenho feito para extrair o ar da parte inferior do carro, ajudando também no arrefecimento dos freios, além de auxiliar na redução de sustentação.
Foi inventado nesse carro uma iluminação do velocímetro apenas ao redor da posição do ponteiro, item introduzido depois nos carros de produção, mas não no 900 clássico. Isso reduz a luminosidade diante do motorista, item bastante útil a noite, em estradas ou ruas sem iluminação.
Seguindo a ótima característica da carroceria do 99/900, a visibilidade pelo pára-brisa é notável, com uma grande curvatura e as colunas dianteiras bem para trás e verticais, não atrapalhando em ângulos importantes, como aquele quando se chega a um cruzamento. Por serem mais verticais que o padrão da maioria dos carros, não precisam ser tão espessas para atingir uma mesma resistência de uma coluna bem inclinada. Mesmo trabalho com menos material, e menos interrupção na visibilidade.
Os faróis são uma das primeiras aplicações do refletores elipsoidais, desenvolvidos junto com a empresa alemã Hella.
As suspensões são idênticas às do 900 Turbo, com triângulos superpostos de comprimentos desiguais na frente e molas separadas do amortecedor, de montagem e desmontagem independentes. Na traseira, eixo rígido com localização por tensores longitudinais arrastados inferiores e empurrados superiores, e barra Panhard, também com molas e amortecedores separados, de fácil substituição; barras estabilizadoras em ambas suspensões.
Não havia nenhuma eletrônica adicionada a essas suspensões, nem nos freios. A Saab só viria a colocar o ABS no modelo 900 em 1990.
Depois de alguns anos de uso, o carro foi felizmente colocado no museu da marca, já retratado no AUTOentusiastas.
E nunca foi produzido, já que a marca foi comprada 50% pela GM em 1990, que imediatamente tratou de fazer os Saabs baseados em Opels, cujo resultado infeliz sabemos.
JJ