Década de 1950, o início da indústria automobilística brasileira, e nesta história faz parte, com destaque, a Vemag S.A. – Veículos e Máquinas Agrícolas.
Instalada no bairro do Ipiranga em São Paulo, mais precisamente na Vila Carioca, a Vemag, do Grupo Novo Mundo, iniciou suas operações no Brasil em 1945 como distribuidora dos automóveis Studebaker e também como montadora dos caminhões Scania-Vabis e tratores Massey-Harris.
Com a criação do supra-ministerial Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), pelo então e recém-empossado presidente da República, Juscelino Kubitschek de Oliveira, visando acelerar o processo de implantação da indústria automobilística brasileira, a Vemag foi a primeira a aproveitar os incentivos do governo para isso, associando-se à fabricante alemã Auto Union GmbH, de Ingolstadt, que reiniciara a produção do DKW em 1949, interrompida dez anos devido à Segunda Guerra Mundial.
A Vemag, com muita sabedoria, inovação e criatividade, conseguiu que todos os equipamentos, prensas, máquinas de usinagem e dispositivos de montagem fossem importados da Alemanha, novinhos em folha. Todo o time de técnicos e engenheiros foram escolhidos na ponta dos dedos para treinamento na Alemanha, que também alocava seu pessoal no Brasil, resultando em eficiente intercâmbio cultural. Isto fez com que a Vemag pudesse fazer localmente a maioria dos estampos de carroceria, barateando os seus custos de produção.
Em 19 de novembro de 1956 foi apresentado o primeiro automóvel brasileiro — assim considerado pelo Geia, mínimo de duas portas, pois o Iso Isetta, produzido pela Romi, em Santa Bárbara d’Oeste (SP), de apenas uma porta frontal, fora lançado dois meses antes. Era a perua DKW Universal, adaptada às condições brasileiras. No início de produção, a perua DKW tinha um conteúdo de 54% de componentes nacionais em peso e se destacava pela qualidade de seus componentes, principalmente pela carroceria, com dimensões muito bem controladas que davam excelente qualidade ao veículo.
O mote da Vemag era “Brasileiros produzindo veículos para o Brasil”
E vieram outros produtos, o sedã 4-portas (mais tarde Belcar) e a nova perua de plataforma F-94, maior e mais larga (que seria chamada de Vemaguet), o jipe (que mudaria de nome para Candango), e o Fissore. Em seu auge, a Vemag tinha mais de 4.000 funcionários trabalhando continuamente na sua fábrica do Ipiranga e vestir o macacão azul de seus operários era o sonho de 9 entre 10 metalúrgicos.
A Vemag foi para a época um orgulho da indústria nacional, comparável ao que é hoje a Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.).
E veio então a absorção da Auto Union pela Daimler-Benz em 1958 e, sete anos depois, passando desta para as mãos da Volkswagen alemã. Para a Vemag começava a indefinição sobre obter ou não licença para fabricar os novos veículos da empresa como o DKW F-102 e seu sucessor, o DKW F-103 que logo teria os emblemas trocados e passaria a se chamar Audi 60. Nesse processo, na Alemanha, desaparecia a Auto Union GmbH e se formava a Audi-NSU AG.
E o que acabou acontecendo no Brasil foi a VW ter incorporado a Vemag, encerrando a produção dos veículos DKW em novembro de 1967 e ficando com toda a sua tecnologia, principalmente de ferramentaria e estamparia.
Moderníssimo equipamento da Vemag, herdado pela VW
As instalações industriais da Vemag se tornaram a Fábrica 2 da Volkswagen do Brasil e para lá foi transferida toda a sua engenharia.
Na Fábrica 2 que foram projetados a Variant (1969), o TL (1970), o Brasília (1973), o Passat (1974), o SP1 e SP2 (1975), a Variant II (1977) e o Gol (1980).
Particularmente o Brasília, homenagem à nova capital federal fundada em 21 de abril de 1960, começou a sua gestação em 1970 com um pedido do então presidente da VW brasileira, Rudolf Leiding, de fazer um veículo pequeno por fora, grande por dentro, com uma grande área envidraçada, e que fizesse frente aos veículos da concorrência que estavam chegando, principalmente o Chevette da GM, que tinha o potencial de transformar o Fusca em peça de museu.
A tecnologia da Vemag permitiu um processo de modelação muito eficaz para o desenvolvimento do Brasília e também para a estamparia de sua carroceria, principalmente já em nível de produção.
No início do Projeto 102, assim chamado internamente, o chassi cogitado era o do Fusca, porém foi considerado estreito demais. Então foi escolhido o chassi do Karmann-Ghia, mais largo e apropriado. E em junho de 1973 foi lançado o Brasília no mercado brasileiro, apenas um mês após o Chevette, seu concorrente direto. Com seus 4 metros de comprimento — 17 cm menor que o Fusca — foi um sucesso em sua apresentação e passou a ser chamado pelo público e imprensa especializada de perua Brasília, mesmo sem ser (na verdade era um hatchback). Nos meses que antecederam seu lançamento chegou a ser chamado de míni-Variant.
Com seu motor boxer traseiro de 1.600 cm³ arrefecido a ar, carburador simples e 50 cv de potência líquida, o Brasília nunca foi referência em desempenho e consumo de combustível, porém o seu espaço interno e a aparência de mini-perua fez do carrinho um sucesso imediato.
A VW escolheu o motor de turbina de arrefecimento alta e não baixa, de fluxo axial como o da Variant, em razão do objetivo dos 4 metros de comprimento, pois este motor é mais comprido que o de turbina em posição elevada. Com isso, infelizmente, o espaço no porta-malas traseiro ficou mínimo.
Mas uma medida acertada foi não manter o tanque de combustível atrás do banco traseiro, solução do VW quatro-portas lançado em 1968 (e que logo ficou conhecido pelo apelido “Zé do Caixão” devido às quatro maçanetas de porta que lembravam alças dos caixões de defuntos), passando o tanque para o porta-malas dianteiro. Com este arranjo, o banco traseiro pôde ser recuado, provendo um amplo espaço para pernas. Esse fator, mais a maior largura da carroceria, conferiu uma habitabilidade ao Brasília que imediatamente se destacou e sempre foi muito apreciado. Era o que o Fusca não oferecia, apesar das distâncias entre eixos iguais, 2,4 metros.
Já em 1974 foi lançado como opcional o modelo com dupla carburação que propiciava mais 4 cv de potência com menor consumo de combustível. Somente em 1976 a dupla carburação passaria a ser de série.
O Brasília em seus nove anos de vida passou por poucas modificações, sendo a mais significativa a versão 4-portas, saudada pelos taxistas mas rejeitada pelo público fiel ao modelo original.
Em 1980 veio a versão a álcool, com motor 1.300-cm³, um fracasso de vendas devido ao seu baixo desempenho, alto consumo de álcool e péssima dirigibilidade.
O Brasília foi produzido de junho de 1973 a março de 1982, totalizando mais de 1.000.000 de unidades vendidas incluindo a exportação. Veja no gráfico abaixo o fenômeno de sua queda vertiginosa de vendas, talvez único na história da indústria automobilística mundial. O motivo, indiscutivelmente, foi a chegada do Gol em maio de 1980.
Mesmo muitos anos após ser descontinuado, o Brasília continua um carro comum nas ruas brasileiras, principalmente no interior e periferia das grandes cidades.
Curiosamente, o Brasília seria imortalizado em 1995 pelo grupo musical “Mamonas Assassinas” com a famosa canção “Pelados em Santos”, da qual um Brasília amarelo faz parte da letra e por isso supera o nome verdadeiro da canção na mente das pessoas. Note o leitor que até o emblema da banda era um VW invertido. O grupo de cinco integrantes, mais o piloto, faleceu tragicamente em 1996 num acidente aeronáutico na chegada a São Paulo.
E ficou o apelido carinhoso de “Brasa”, como é até hoje chamada pelos entusiastas do Brasilia.
CM
Crédito das ilustrações, bestcars.uol.com.br, arquivo pessoal do autor.