E aí bateu aquela vontade de mexer no carro, mas mexer em quê?
Desde que o Alfa 145 havia chegado em casa fiz muita coisa nele, ajeitei, fucei, estraguei e consertei, e de certo modo não me preparei para o dia em que ele finalmente ficasse bacana.
Olhava então para o carro e refletia, estou encrencado!! Quando termino de deixar um carro do jeito que gosto e não encontro mais motivos para arrumar ou modificar algum detalhe, bate um sentimento estranho. Acabou a diversão, foi o pensamento que viajou na minha mente.
E aí nasce também um outro problema, e até mesmo um risco. Caso eu não consiga resistir à cobiça de fuçar em algo, posso meter a mão no automóvel, que até ontem estava perfeito, e fazer uma besteira.
Sentindo que se aproximavam idéias profanas e extravagantes, algumas inclusive vulgares, decidi entrar no carro e dar uma volta pelas ruas da cidade, na esperança de combater a tempestade cerebral de asneiras.
O carro já estava comigo há pouco mais de um ano (o assíduo leitor de Ae já sabe que estamos revivendo esta história de trás para a frente) e eu queria poder acalmar esta mania de mexer em tudo, pois no fundo sabia que tudo tem um limite, principalmente o de bom gosto. Entretanto, até então e de algum modo eu tinha encontrado sempre alguma traquitana decente para fazer, e foi assim praticamente em cada fim de semana com o Alfa. Agora não. Sabia que se fosse mexer mais iria me arrepender depois.
Um pouco de sorte trouxe o cair da noite, enquanto em guiava o 145 nas ruas vazias daquele 15 de novembro, era sábado e feriado e estava muito bom andar de carro pela cidade. Acendi as luzes e lanternas e me dei conta de como quase não tinha usado o carro à noite, pelo menos não por muito tempo, até aquele momento.
Notei as alavancas de seta e de luzes, no lado esquerdo do volante, e a alavanca dos comandos do limpador de pára-brisa ao lado direito, ambas com a sua iluminação interna e charmosa. Um detalhe que transmite a classe e o pedigree Alfa Romeo. Esta iluminação e quase todo o resto que acende no painel do 145 fica muito bonito à noite, e tem um charmoso (e esquecido pelos fabricantes atualmente) tom esverdeado.
A luz verde me salvou!
Desde que peguei o carro, o equipamento instalado pelo antigo, e único dono, naquele espaço reservado pelos engenheiros da casa de Arese, na Itália, para o auto-rádio, determinava um dilema. Era um equipamento tocador de CD com altíssima fidelidade e qualidade de som, potente e moderno, e apesar de já contar seis anos de idade eu gostava muito dele.
No ano de importação do Alfa Romeo 145 Elegant, a Fiat brasileira, responsável pela distribuição dos modelos, instalava equipamentos de áudio comuns à gama Fiat. Rádios/toca-fita da marca Alpine eram o padrão. A fábrica da Alfa em Pomigliano d’Arco, próximo a Nápoles, na Itália, não montava o equipamento de som por lá, apenas o chicote elétrico e os alto-falantes vinham como equipamento de fábrica. Lá pelos idos de 2007 o feliz proprietário do modelo, que posteriormente acabaria nas minhas mãos, achou que fitas K7 estavam um pouco fora de moda e resolveu instalar algo mais adequando ao momento. E um ótimo aparelho foi escolhido, porém sua iluminação era azul.
Azul e verde não combinam, assim já dizia a minha avó. Claro que eu já tinha me incomodado com o fato, mas usando o Alfa principalmente pela manhã em fins de semana ensolarados e apreciando a fantástica qualidade do som, eu sempre ficava na dúvida se deveria atacar aquele tema ou deixar como estava.
Naquele início da noite achei que deveria encarar a questão, depois de tentar encontrar uma confusão qualquer, algo novo para fuçar no carro e para me debater, escolhi mexer no som do carro. E assim começou a história que vamos curtir nesta matéria.
Voltei para casa animado e fui direto para a grande rede mundial, queria achar o equipamento mais correto para substituir aquele que estava no Alfa. Pelo que averiguei, não consegui confirmar que alguma marca, modelo ou configuração representavam o padrão adotado na linha de produção da Itália. Decidi então tentar algo mais próximo daquilo que a Fiat entregava junto com os 145 aqui no Brasil.
Fui então buscar algumas revistas de época com fotos e referências e notei que os 145 tinham em 1996 uma montagem de uma unidade de fonte com rádio e toca-fitas Alpine e disqueteira de 6 posições, da mesma marca, como opcional (ou de série para algumas versões). Com estas informações nas mãos, parti para a busca destes equipamentos.
A condição que eu impus para a minha busca foi a seguinte: o rádio e a disqueteira deveriam estar em boas condições. Sabia que seria complicado achar exatamente o mesmo material de quase 20 anos atrás com a qualidade de novo, por isso eu poderia abrir mão de o código do equipamento ser exatamente o mesmo de outrora, caso as condições de funcionamento e a apresentação, botões, serigrafia e a iluminação (obviamente verde neste caso) estivem no nível de qualidade que eu gostaria.
Uma busca rápida me levou a alguém que estava vendendo um magazine para 6 discos da Alpine, que segundo o anunciado, teria sido usado por um curtíssimo espaço de tempo e armazenado adequadamente desde então. Entrei em contato e uma rápida negociação antecedeu o envio da raridade pelo correio. Como quem aguarda a noiva no altar, minha ansiedade subiu e todos os dias ficava olhando para a porta, imaginado quando o carteiro iria chegar com a velha novidade.
Já a questão do toca-fitas parecia bem mais desafiadora. Existiam alguns modelos diferentes na época e nem todos eram controladores do leitor de CD em magazine. Os Alpine fizeram parte da história de som automobilístico, principalmente naquela época, quando eram desejados os legítimos “gelinho” com seus botões em branco fosco, que acendiam em verde.
Alguns exemplares anunciados como sido montados originalmente em Fiats Tempra eram encontrados nos sites de desapego, mas tinham sido muito bem usados e denunciados pela aparência cansada que apresentavam e pelo reduzido comprimentos dos fios que saíam da parte de trás do aparelho. Tinha também a questão da frente removível. Encontrei algumas pessoas vendendo apenas a parte de trás do aparelho, pois a frente havia sido perdida ou furtada. Não queria algo assim, queria encontrar uma relíquia, um simples rádio de época em condições improváveis, mas não desisti.
Imerso nestes pensamentos, o carteiro bate à porta em um final de tarde. Tentando não dar bandeira para os vizinhos, comemorei a chegada do meu presente como uma criança o faz no Natal.
Minha cabeça funciona melhor quando consigo preparar um plano B para a minha meta principal já tinha em mãos o magazine para os CDs e não tinha o rádio, depois que conferi o excepcional estado de conservação da disqueteira, ainda embalada em sua caixa original e com todos os acessórios e papelada de outrora, decidi fazer como naqueles programas de culinária que aparecem na TV, reservei aquele ingrediente para mais tarde.
Plano B, definidamente eu precisava de um, o Plano C eu já tinha, bastava manter o aparelho instalado no carro, era bom mas não era perfeito, sendo o único detalhe a cor equivocada. Quesito que não deixava o coitado do CD Player subir de categoria. Era Plano C e pronto.
Uma seqüência de coincidências surgiu na montagem do plano alternativo. Parti de um princípio simples, a cor verde. Aceitaria mesmo um aparelho moderno, mas tinha que iluminar o seu mostrador em verde. Quis o destino que eu me deparasse com dois vendedores estranhos, um tinha um CD player Alpine, código CDE-7872, raro de ver no Brasil e que estava perfeito a menos da frente removível que exibia as marcas da idade, outro estava se desfazendo de uma frente do mesmo aparelho, porém sem uso e sem desgaste algum. Assim montaria um tocador de CD com ótimo funcionamento e com cara de novo, meu Plano B quase foi elevado para a categoria A. Só não conseguiu tal distinção por que não era um aparelho controlador de disqueteira.
Assim que as duas partes se encontraram na minha caixa de correio, parti para a troca do azulão. Bastou chegar um sábado tranqüilo e eu finalmente tinha alcançado a sonhada harmonia na iluminação do painel de comando do Alfa. Rodei bastante durante à noite naquele dia para aproveitar a novidade e curtir o resultado do trabalho.
Mas o ingrediente reservado no fundo no meu armário, um magazine para 6 discos, zerado da marca Alpine, não deixava eu esquecer que eu poderia fazer ainda melhor.
Contar histórias é parte integrante de curtir automóveis e de ser entusiasta. Dividir as experiências e conversar de carro é parte do barato de ser maluco por eles. Certo dia, já depois da troca do rádio do carro, eu estava fazendo outra arte no 145 quando a certo momento precisei de uma ajuda para poder completar a confusão em que me havia lançado (mais detalhes na próxima matéria). Quando o amigo, e também entusiasta fervoroso, chegou apresentando-se para a tarefa, eu prontamente decidi marcar uns pontos extras e liguei o “novo” aparelho e disse: “saca só o som agora!”.
O plano perfeito
Educadamente, meu colega respondeu, “Ficou bom”. Estranhei a resposta, tinha ficado ótimo, um raro CD player Alpine na cor certa, muito melhor do que o azul anterior, o que havia de imperfeito?
Tinha ficado melhor do que antes claro, mas ele (e eu também, porém sem reconhecer) sabia que não estava perfeito. Foi quando ele desenhou um sorriso maroto e proferiu a frase que me valeu o dia: “Eu sei onde encontrar um toca-fitas original, e muito novo”. Com paciência, ele aguardou eu recuperar os sentidos e voltar ao normal para concluir: “Tem um lá na minha garagem”.
O equipamento a que ele se referia era de 1998 e tinha uma fidelidade de som e potência exemplares, a Fiat havia usado em alguns de seus carros mais refinados e ele era capaz de conversar com a disqueteira reservada para completar o sistema.
Comecei imediatamente a vasculhar o porta-malas do Alfa Romeo 145 para definir o melhor lugar para instalar o magazine de CDs, olhei nos lugares certos e errados, inclusive na posição em que foram montados 99% das disqueteiras de Alfa 145 mundo afora, mas nada me agradava.
Desejando algo diferente, comecei a pensar fora do convencional, passando por idéias absurdas e pouco ortodoxas e chegando até às mais simples, como deixar o magazine embaixo do banco do motorista, me deparei com a situação cúmplice perfeita para um plano perfeito.
Encontrei uma abertura na chapa que fica à frente do banco traseiro do 145, uma lanterna e uma trena foram convocadas e avaliei que seria possível instalar a disqueteira embaixo do banco traseiro e acessar o trocador de CDs pela abertura, bastava abrir um retângulo no carpete. Afastei cuidadosamente o carpete, que faz o acabamento na região e bem na frente da abertura havia as marcas de um pré-corte, três rasgos sutis pela parte interna do carpete denunciavam a intenção da abertura na estrutura da carroceria. Eu tinha encontrado o pote de ouro no fim do arco-íris, e nem imaginava que ele poderia existir.
Uma série de experimentos e testes vieram a seguir, verificando que o magazine da Alpine encontrava tranqüilamente seu lugar embaixo do banco, faltava decidir como tratar a questão da abertura para poder trocar o cartucho de seis discos. Depois de algumas pensadas, achei que deixar a abertura ser realizada pelo próprio carpete, apenas o levantando como uma persiana para realizar o acesso seria um requinte. E assim foi.
Um novo fim de semana foi reservado para completar a aventura. O toca-fitas TDA7547 chegou nas mãos do bom amigo e notei que estava absolutamente perfeito, mínimas marcas de algum uso e só. Cavalheiramente entrei no Alfa Romeo e agradeci o aparelho que exercia o posto de Plano B, o saquei de lá e o retornei para um lugar seguro, um nova oportunidade de usá-lo surgirá com certeza. Neurônios mal educados começaram a se agitar na minha mente, quem sabe um outro Alfa, o CD Player (iluminado de verde) poderia ter lugar em um novo projeto. Não, não, resisti antes que começasse a caminhar para um risco econômico maior.
Voltando ao Plano Perfeito, comecei a instalação caprichando na passagem do cabo de controle do magazine de CDs, saindo do espaço embaixo do banco traseiro e contornando com discrição a lateral do carro, sempre por baixo dos plásticos ou carpetes do acabamento. Chegando atrás do painel de instrumentos enrolei o excesso e o fixei por ali para não gerar ruído. Esta foi a parte mais complicada. Colocar a disqueteira no lugar e o toca-fitas foi tranqüilo, e solenemente me preparei para energizar tudo e realizar o primeiro teste.
E teve o lance da chavinha.
Uma sagaz chave “H”, maliciosamente escondida embaixo do chassis do toca-fitas “novo” não permitiu que eu lograsse sucesso no primeiro teste. Despercebidamente havia montado o rádio sem notar que existia uma chave para selecionar o padrão de comunicação com o magazine de CDs. O padrão de comunicação da Alpine é o Ai-Net, mas ambos os aparelhos, o toca-fitas e a disqueteira permitem o chaveamento para um protocolo de comunicação Standard, neste caso perdendo algumas funções.
Sofri um pouco porque as coisas não estavam indo bem, mas antes de desesperar apelei para o pai dos burros moderno, depois de algum tempo navegando na web, descobri outros sofredores que haviam tido o mesmo problema e recomendavam checar a posição da tal da chavinha.
Depois de solucionar este detalhe e colocar tudo no lugar novamente, pude curtir o resultado, estava muito satisfeito. E também motivado para sair em mais uma voltinha com o Alfa, desculpado desta vez pelo fato que deveria apreciar a nova intervenção. Talvez a última.
Um drama com fundo musical, e um prazer multissensorial.
Continua…
FM
Fotos: autor, a menos que informado diferentemente na foto.