A penúltima confusão.
Sendo a última coisa que fiz de alteração no Alfa Romeo 145 foi a instalação de um toca-fitas e magazine de 6 CDs, agora irei explicar para o leitor por que tenho que tomar cuidado com minhas idéias de fuçar o carro.
Antecipo, ainda, que esta matéria irá chatear os puristas.
No meio da saga da troca de rádios no Alfa, exatamente entre a instalação de um CD player (Plano B) com a correta compatibilidade de luzes e a versão final com o uso de um toca-fitas “de época” e magazine para 6 CDs, ocorreu uma das únicas e principal mudanças estéticas no carro.
Rodas… Já expressei antes a minha opinião sobre a importância e a influência primordial que um adequado conjunto de rodas, e seus respectivos cúmplices, os pneus, exercem, de maneira profunda, no conjunto de um automóvel. Preciso reconhecer que temos e tivemos na história dos veículos sobre rodas, ótimos desenhos e casamentos perfeitos em vários casos e modelos ao redor do mundo. Mas a rebeldia de conseguir emplacar outro conjunto, ousar trocar as rodas cuidadosamente traçadas pelos designers e ficar analisando o resultado final, é e acredito que sempre será um grande barato entusiasta. E tem aquele quê de rebeldia provocativa e saudável.
O problema é que no caso do Alfa 145 lá de casa, as rodas que equipavam originalmente, desde a sua produção na fábrica napolitana, não eram ruins, nem feias. Eram clássicas e remetendo à linhagem Alfa Romeo, com suas faces lisas e orifícios ovalados em toda a extremidade. Então não tinha que trocar.
Alfa Romeo 145, aguardando a mexida
Bem, vamos tentar colocar a questão de outro modo, analisar sob outro prisma. Racionalmente não havia sentido em promover a troca das rodas originais, mas emocionalmente eu estava inclinado a fazê-lo. Achava, sinceramente, que conseguiria um bom resultado com um outro conjunto de rodas e pneus.
Aí a astuta maneira de fazer o coração convencer a razão começou a trabalhar. Era preciso encontrar motivos plausíveis para que minha mente aceitasse a busca por novas rodas…
O desenho das rodas Alfa é muito elegante, e a face externa, quase que completa apenas com os quatorze vazamentos ovais, é extremamente charmosa. Mas notei que os discos de freio dianteiros viviam bem aquecidos e por mais de uma vez tive a sensação de estar com perda de eficácia devido ao excesso de temperatura, vinha um certo fading. Prontamente meu coração começou a imaginar como convencer a minha cabeça de que o desenho das rodas era culpado pelo problema.
O argumento de que o desenho das rodas prejudicava o adequado arrefecimento dos freios ainda era incipiente, quando outra chance de retórica surgiu a favor do time da emoção. Eu tinha iniciando a garimpagem de quatro novos pneus para o Alfa, pois os quatro que estavam montados nele, apesar de apresentarem pouco desgaste, já tinham quase dez anos de idade. Como manda a tradição, notei que os elementos que seriam mais indicados para participar do espetáculo seriam novamente os mesmos Pirelli P6000 que vieram da fábrica como jogo original, de origem italiana e depois substituídos apenas uma vez por modelos iguais, só que desta vez com fabricação argentina, mas depois de fuçar um pouco descobri que os mesmos estavam em desuso no mercado. P6000 ainda eram produzidos mas a medida 195/60R14 remontava à épocas longínquas de Tempra e Santana, e parece que a marca italiana havia decidido, como se fosse uma alteração de padrão de beleza aceito, que eles não eram mais tão atraentes nestas medidas como outrora.
Consegui rastrear a existência de alguns pneus novos P6000 na medida que eu queria, mas além de pertencerem a fornadas diferentes, nenhum deles era realmente novo, no sentido de que apesar de não terem rodado ainda, apresentavam data de nascimento sempre de quatro a seis anos anteriores. Não poderia usá-los por muito tempo sem estar preocupado que mesmo novos já teriam perdido suas melhores características de desempenho e segurança.
A minha emoção começou a arquitetar mais um round vitorioso, montando a estruturada argumentação com base em que se partíssemos para um novo conjunto de rodas, agora também neste caso sendo de um outro tamanho, maiores claro, permitiria a livre escolha de novos pneus e teríamos resolvido a triste elegia causada pelo desaparecimento das medidas originais.
Aqui colocaremos um breve intervalo nesta história, apenas para registrar algumas particularidades no tocante às medidas de pneu utilizadas nos Alfa 145. Para a versão equipada com rodas de 14 polegadas de diâmetro, as medidas da borracha diferiam aqui no Brasil daquelas das versões vendidas na Europa e na África do Sul.
As opções em rodas previstas para aqueles mercados eram: em aço estampado, apenas com aro 14, tala de 5,5 polegadas e com o uso do acabamento externo com supercalotas, ou as rodas feitas em liga de alumínio, que nesta opção de material os aros poderia ser de 14 ou 15 polegadas, assim a coincidência de dimensão de aros e medidas de pneus utilizadas no Brasil casava exatamente com as versões européias apenas para o 145 Quadrifoglio com seus 195/55 R15 e as belíssimas rodas com o desenho de seis furos grandes e seis furos pequenos.
Já a versão Elegant, que era exclusiva para exportação, montando o mesmo motor 2-L do topo da linha italiana, o Quadrifoglio em uma versão de acabamento interno diferente e com uma pequena alteração da relação do diferencial, deixando-o ligeiramente mais longo, trazia a mesma roda de aro 14 das versões de motorização menor (o motor Twin Spark dos 145 poderia ser também 1,4-L, 1,6-L ou 1,8-L na Europa. Existiram também o Diesel de 2 litros e os boxer de 1,7 litro), e era aquela feita em liga leve, porém nenhuma das opções de pneus adotados por lá — 175/65 R14, 185/60 R14, 185/65 R14 — caiu no gosto da equipe que “nacionalizou” os nossos Alfas. A opção 195/60R14 foi usada por aqui, não só por ser já disponível para os Fiat Tempra da época, mas também por incitar um uso mais confortável em nossas ruas menos lisas do que aquelas do lado de lá do Atlântico.
Porém, as rodas 14 em alumínio tinham também tala de 5,5 polegadas e não 6 polegadas como as de aro 15, assim os 195 ficavam meio bolachões nos 145 Elegant. E meu coração desejava algo ainda mais elegante. E se possível esportivo, sem perder a elegância.
Para ser justo com a minha razão, o emocional conversou direito e até entendeu que era possível conseguir os pneus na medida esperada, eles existiam em outros lugares do mundo e marcas orientais os traziam para o Brasil, eram novos e competentes, mas não tinham um nome com doppia consonante (dupla consoante) escrito no flanco lateral e seu desenho era esportivo demais, sem ser elegante. Essa era a opção para muitos órfãos dos P6000, mas minha razão combalida pelos argumentos da aproximação com o mundo de Dante, também na marca de pneus, e lembrando ainda do tema da ventilação dos freios cedeu e a emoção tomou a frente na busca dos novos sapatos para o 145.
Para gostar de escolher, e acertar na escolha, é preciso coragem e bom gosto. Com estes princípios na cabeça, agora vencida pelos argumentos do coração, partimos para a escolha do novo conjunto que calçaria o Alfa 145. O equilíbiro, a fidelidade, a ruptura controlada com o equilíbrio do desenho original e uma pitada de ousadia deveriam ser acrescentadas ao caldeirão da escolha ideal.
Uma idéia que encabeçou a procura era usar alguma solução já vista antes, e obviamente a primeira consideração foi o modelo de roda aro 15 e pneus 195/55 R15 que embelezavam a versão Quadrifoglio do 145.
Mas esta opção era rápida demais, além de entregar um ululante óbvio que não encerraria a busca. Se estivéssemos optado por este caminho em breve a emoção seria chamada novamente a serviço e não tardaria para uma nova busca e uma nova alteração começar a incomodar a minha mente acomodada que estaria com a segurança e simplicidade da escolha.
Viramos nossa objetiva para a Europa e encontrei um sonho, uma versão especial dos Alfa Romeo compactos, limitada a 500 edições e que seria batizada de Zender, nome da tradicional empresa fornecedora de opcionais exclusivos e bem bolados para a marca de Arese.
De desenho ousado, uma legítima “tala larga” com suas 7,5 polegadas de largura, pedindo assim pneus sérios, era uma roda de aro 16 que compunha com um conjunto de pequenas alterações, todas de extremo bom gosto, que equipavam esta versão pouco conhecida e que ficou disponível apenas em alguns mercados, sendo todos os 500 exemplares produzidos com volante à esquerda.
Um sistema de escapamento especial para ampliar e enaltecer ainda mais o já fabuloso som do quatro cilindros Twin Spark, um adesivo comemorativo (não poderia faltar) e um detalhe de acabamento interno faziam dos Zender modelos exclusivo de um carro que poderia sair do comum com a mesma facilidade que atendia um jovem proprietário iniciante no mundo Alfa. A ampla gama de motorizações e acabamentos disponíveis na Europa apenas transformavam as opções dotadas de motores maiores e exclusividade no acabamento mais interessantes.
Imerso nesses pensamentos as rodas da Zender iam e vinham no meu imaginário. Seria fantástico poder encontrar um conjunto desses, e bem que tentei, pois a parte emocional não via limites em ir buscar as redondas em solo estrangeiro. A razão começou a se preocupar.
A dificuldade de ir garimpar as tais rodas especialíssimas e depois trazê-las para nossa terra, longínqua das coisas mais bacanas do automóvel europeu, me fez girar a atenção as opções que seriam possíveis encontrar por aqui.
Porém, daquelas 500 unidades especiais ficou uma decisão, iria usar o aro 16 no meu Alfa, saltando, assim, a provável e simples opção de crescer apenas um degrau a mais das 14 originais. Uma pequena rebeldia e uma pequena aproximação da desejada Zender.
Tentei várias opções mas a estrada das escolhas sempre voltava para as rodas 16 desenhadas pela Fiat para os automóveis. Diferentemente da situação em outros países, no Brasil as opções de customização normalmente saltam dos aros 15 para os 17, ficando as opções em 16 polegadas praticamente restritas àquelas oferecidas pelos fabricantes. Pouca coisa existe de mercado de acessórios em 16 e menos ainda em 16 polegadas de diâmetro e furação 4×98, exigidos para a montagem nos Alfa 145.
Depois de analisar as opções mais óbvias e aquelas nem tanto, um modelo não convencional capturou a minha atenção. Eram rodas escuras e não as clássicas prateadas e por alguma razão pintadas em uma cor que insistia em me convencer que podia conversar muito bem com a cor da carroceria do Alfa Romeo.
Normalmente não concordo com as rodas escuras, sempre achei que deveriam ser prata. Mas estava procurando uma intransigência e resolvi apostar na ousadia. Se o resultado final não agradece ou o tempo me aborrecesse de encarar o acabamento naquele tom, bastava trocá-las novamente, ou simplesmente repintá-las no prata convencional.
As novas rodas foram montadas devidamente com pneus de dupla consoante e as originais italianas de aro 14 também devidamente guardadas, para no dia que a saudade ou a sanidade bater à porta estarem dispostas a voltar ao trabalho.
Certa vez ouvi dizer que para renovar um carro nada melhor do que uma boa limpeza e pneus novos. As novas rodas e pneus realmente melhoraram a dinâmica do 145. Com mais coragem de abusar nas curvas do que tinha antes com a antiga borracha, pude certificar a fantástica capacidade de contornar traçados sinuosos do modelo.
Como benefício extra, o Alfa ganhou ainda mais conforto para rodar, nitidamente os novos P7 da Pirelli tinham se aproveitado da evolução de compostos e eram seguros e macios, além de bonitos.
Aproveito este espaço para deixar um pedido de desculpas aos puristas. A busca pelas rodas Zender ainda não foi descartada e quando isso puder ser viável imagino que terei alcançado o perdão definitivo, mas por enquanto vamos girando pelo purgatório mesmo, que está sendo muito legal, mesmo carregando um pequeno pecado. E girando sem fading.
Que drama, mas que bacana.
FM