Quando compramos combustíveis para nossos veículos, normalmente os medimos em litros, em se tratando de combustíveis líquidos como álcool, gasolina e diesel, ou metros cúbicos, no caso de combustíveis gasosos, no nosso caso o gás natural veicular (GNV).
Medimos desta forma porque é mais cômodo, a forma mais fácil de se medir líquidos ou gases é em unidades de volume. Todos os líquidos que compramos são medidos desta forma, então para nós é natural que os combustíveis também sejam medidos desse jeito.
Porém, apesar de cômodo, o volume não é a forma ideal de se medir líquidos. Por quê? Porque a densidade e, por conseqüência, o volume, varia com a temperatura. Por exemplo, 1 litro de álcool hidratado a 0 ºC tem massa de 0,826 kg, enquanto que a 40 ºC, o mesmo litro tem massa de 0,792 kg. Uma diferença de 4% só pela diferença de temperatura. E a quantidade de energia de um combustível está ligada diretamente à sua quantidade em massa, não ao seu volume. Ao abastecer o carro com álcool a 40 ºC, o consumidor leva 4% a menos de combustível (e, portanto 4% menos energia) do que se abastecesse a 0 ºC.
O mesmo ocorre com a gasolina e com o diesel, cujos litros a 40 ºC também perdem 5% da massa em relação à temperatura de 0 ºC. No caso do gás natural, o problema é maior: entre 0 e 40 ºC a sua densidade chega a diminuir 15%. Ou seja, como a medição do gás natural também é feita em termos de volume, abastecer o tanque em dias quentes pode causar uma perda considerável em relação a abastecer em dias frios.
Seria mais correto se combustíveis fossem medidos em kg, pois assim se eliminaria o fator da variação de densidade com a temperatura. Ainda assim, já se perguntaram por que 1 litro de diesel “rende” mais que 1 litro de gasolina, que por sua vez “rende” mais que 1 litro de álcool? E que gasolina e álcool perdem para 1 m³ de GNV?
Isto acontece porque as unidades em que são vendidos têm diferentes quantidades de energia. Normalmente esta é medida em megajoules (MJ). 1 MJ é a quantidade de energia necessária para se aumentar a temperatura de 10 litros de água em 23,8 ºC.
Quando compramos um combustível, na verdade estamos interessados na energia contida dentro dele. E isto naturalmente depende do poder calorífico do combustível e, no caso de combustíveis vendidos por volume, de sua densidade. O GNV tem um poder calorífico de 47 MJ/kg (megajoules por kg), mas como tem densidade de 0,7 kg/m³ (a 20 ºC), temos que 1 m³ de GNV contém 33 MJ de energia. Já a gasolina tem uma conta mais complexa, uma vez que nossa gasolina não é exatamente gasolina, e sim uma mistura de 73% de gasolina (densidade 0,72) e 27% de álcool anidro (densidade 0,8). Mas, fazendo a conta, cada litro de gasolina tem 27,9 MJ/l. O álcool hidratado, com densidade de 0,81, tem 20 MJ/l (alguém reparou que 20/27,9 = 0,72, muito perto da “mágica” proporção ensinada pela sabedoria popular, que diz que o álcool deve custar até 70% do preço da gasolina?). Já o diesel tem 42,5 MJ/kg, mas com densidade de 0,85, dando 36 MJ/kg.
Ou seja, 1 litro de diesel (36 MJ) equivale a 1,1 m³ de GNV, a 1,29 litro de gasolina e a 1,8 litro de álcool, em termos de energia. Fica fácil assim entender por que, mesmo hoje custando próximo da gasolina, os motores a diesel ainda são procurados no mercado. Se fosse obrigatório o cálculo na bomba em R$/MJ, ficaria muito mais fácil se entender por que custa menos rodar com GNV e com diesel em relação a rodar com álcool e gasolina. Porém, como estes dois combustíveis são os mais fortemente taxados, não interessa para o governo que o cidadão perceba que são os menos vantajosos em termos de energia recebida por real gasto.
A meta de redução de consumo até 2017, estabelecida pelo programa Inovar-Auto, é de 12% para toda a frota nacional de automóveis e comerciais leves. É em quilômetros por litro? Não, é em megajoules por kg, maneira lógica de não considerar gasolina ou álcool.
Só por curiosidade, e o gás de botijão? No início dos anos 1980, quando o preço da gasolina sofreu as conseqüências do segundo choque do petróleo, virou moda adaptar os carros para usar gás de botijão (GLP, gás liquefeito de petróleo), principalmente entre os taxistas. Era uma modificação totalmente clandestina e proibida, era combatida pela polícia à época, alegadamente pela questão de segurança. É claro que um botijão de gás feito para uso doméstico, com uma adaptação caseira para levar gás ao carburador e preso precariamente no porta-malas de um veículo pode ter efeitos imprevisíveis e provavelmente tendentes ao catastrófico no caso de um acidente, mas na época segurança veicular não era uma grande preocupação, não se falava sequer em uso do cinto de segurança e a taxa de mortes por 100.000 veículos era o triplo da atual.
O maior motivo mesmo era o econômico: enquanto a gasolina era aumentada segundo os preços internacionais do petróleo, o gás de botijão era fortemente subsidiado pelo governo na época, pois era o “gás de cozinha” de boa parte da população. Em 1982, por exemplo, o litro da gasolina (com 12% de álcool àquela época, uns 29,5 MJ/l) custava 105 cruzeiros, enquanto que um botijão de gás de 13 kg custava 385 cruzeiros. Quanto de energia tem no botijão? GLP tem 46,6 MJ/kg, multiplicado por 13, dá 605,8 MJ, o equivalente a 20,5 litros de gasolina da época! Ou seja, o custo da energia na gasolina era de Cr$ 3,56/MJ, enquanto que no GLP era de Cr$ 0,64/MJ, menos de 1/5 do valor. Hoje, como acabou o subsídio ao GLP, esta diferença seria muito menor.
Atualmente, a gasolina custa em média R$ 3,30 por litro, segundo o site da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). E o botijão de gás custa R$ 46. Em termos de energia, a 1 m³ de GLP equivale a 1,67 litro de gasolina. Fazendo as contas, o custo da gasolina é de 11,83 centavos por MJ e o do GLP é de 7,60 centavos por MJ, apenas 35,8% menor. A preços de 1982, seria como se hoje um botijão de gás custasse R$ 12,70, para se ter uma idéia de quanto era o subsídio governamental naqueles tempos. Caso se pudesse usar GLP nos carros hoje em dia, seria 35% mais econômico andar com GLP do que com gasolina, diferença parcialmente explicada por conta da alta taxação desta última. E GLP em carros não é uma idéia absurda, ele é usado em alguns países da Europa.
Levei em consideração apenas os poderes caloríficos dos combustíveis, as coisas podem ser diferentes no mundo real por causa da eficiência térmica dos motores. Por exemplo, um motor ciclo Diesel extrai mais energia do combustível do que um ciclo Otto (gasolina/álcool/gás). Além disso, mesmo os motores ciclo Otto podem apresentar eficiências diferentes dependendo de seu projeto e de sua taxa de compressão.
Mesmo sendo difícil quantificar em cada caso, estas diferenças de poder calorífico explicam os diferentes consumos dos diferentes combustíveis. Por exemplo, imaginemos um pacato carro compacto de motor 1 litro fazendo seus 11 km/l de álcool na estrada. Descontadas as diferenças relativas à eficiência, isto equivaleria a 15,3 km/l de gasolina, a 18,15 km/m³ de GNV e a 19,8 km/l de diesel. Pois é, agora aquelas histórias que contam dos carros europeus fazendo 20 km/l de diesel passam a fazer todo o sentido, não é?
E também dá para calcular o quanto a adição de 27% de álcool impacta no consumo dos carros nacionais: o governo não lhe conta isso, mas a gasolina pura tem 30,6 MJ/l. A “alcoosolina” vendida aqui como gasolina, por conta de seu batismo oficial com considerável porcentagem de álcool, tem apenas 27,9 MJ/l, uma vez que 1 l de álcool tem apenas 2/3 do poder calorífico da gasolina pura. Desta forma, temos 8,8% a menos de poder calorífico. Ou seja, um carro que em qualquer outro país do mundo em que se venda gasolina pura (não precisa ir longe, Argentina, Uruguai e Paraguai estão nesta lista) faça 15 km/l fará apenas 13,7 km/l aqui.
Vale também o contrário, seu carro que no Brasil faz 13 km/l fará 14,25 km/l com gasolina argentina. Ao compararmos o preço do litro da gasolina no Brasil com o de qualquer outro país do mundo, deveríamos multiplicar o preço da gasolina no exterior por 0,912, para ajustar a diferença de poder calorífico.
Combustível | MJ/un | MJ/kg | Eq. 1 litro gasolina | MJ/R$ (ANP) |
Álcool hidratado | 20 MJ/l | 25,6 | 0,717 | 9,37 |
Gasolina | 27,9 MJ/l | 37,7 | 1 | 8,45 |
Gasolina Pura | 30,6 MJ/l | 42,5 | 1,097 | (não vendida) |
GNV | 33 MJ/m³ | 47,1 | 1,183 | 16,48 |
Diesel S10 | 36 MJ/l | 42,6 | 1,29 | 12,18 |
GLP (bot. 13 kg) | 605,8 MJ/botijão | 46,6 | 21,7 | 13,17 |
Pensando em termos de valor da energia, o combustível mais econômico é o GNV. O GLP, que nos tempos do subsídio estatal era extremamente atraente, hoje já não vale a pena, tanto por ainda ser ilegal quanto por ser menos econômico que o GNV, este sim legalizado e seguro. Mas ainda assim precisará de adaptação, pois nossos carros continuam saindo de fábrica preparados apenas para os combustíveis mais caros: gasolina e álcool. O diesel, boa alternativa para quem não gosta da idéia de perder espaço no porta-malas e solução mundial para carros de menor consumo, continua proibido para automóveis no Brasil.
CMF
Atualização 17:20: correção do percentual de álcool na gasolina em 1982, que era de 12%, não 20% e ajuste das respectivas contas.