A chamada geometria de direção consiste na combinação de ângulos obtidos nas rodas e que influem diretamente na dirigibilidade do veículo, trajetória, estabilidade em retas e curvas e na superfície de contacto dos pneus com o solo, distribuindo as cargas dinâmicas adequadamente.
Lembra-se o leitor da lei citada nos livros escolares de física, “a força de atrito independe da área da superfície em contacto”?. Esta lei, obviamente, vale somente para materiais indeformáveis como aço sobre aço, aço sobre granito polido etc. A família dos elastômeros, na qual a borracha está incluída, não segue esta regra. Assim, a força de atrito do pneu depende de sua área de contacto com o solo, a chamada “mancha”.
A forças dinâmicas resultantes da interação dos pneus com o solo determina a estabilidade direcional do veículo, tanto longitudinalmente em linha reta e em frenagens, quanto em curvas e em manobras transientes de desvio de obstáculo, por exemplo. Neste aspecto, a correta geometria dos sistemas de direção e suspensões do veículo é fundamental para atingir este compromisso de segurança, além de garantir o menor desgaste dos pneus, buchas e articuladores.
São quatro as combinações angulares referentes ao alinhamento do sistema de direção: convergência/divergência, cáster, câmber, inclinação do pino-mestre e ângulo de rolagem, além da implícita geometria Ackerman. Todos os valores são otimizados em simulação virtual e também verificados (“tunados”) experimentalmente no próprio veículo.
Convergência (ou divergência)
A convergência garante o paralelismo dinâmico entre as rodas. As rodas tratoras tendem a se fechar em acelerações e as arrastadas tendem a se abrir. Isto devido as deformações dos pneus, das buchas e também da soma das folgas dos articuladores dos sistemas de direção/suspensão. Assim, na maioria dos veículos com tração dianteira, as rodas traseiras são convergentes e as dianteiras divergentes (convergência negativa)
Câmber
O câmber ou cambagem corresponde à inclinação lateral das rodas em relação a linha vertical ao solo. A sua principal finalidade é compensar a flexibilidade da suspensão e otimizar as forças dinâmicas na “mancha” dos pneus, mantendo as rodas na melhor posição de rolamento.
A cambagem será positiva quando a parte superior da roda estiver inclinada para fora do veículo; negativa, quando inclinada para dentro.
Cáster
O cáster corresponde à inclinação longitudinal da linha de centro da manga de eixo (“pino mestre”). Seu efeito se faz sentir na estabilidade direcional do veículo em linha reta, evitando o “passarinhamento lateral” e também ao descrever uma curva, facilitando o retorno do volante de direção, realizando o efeito de auto-centralização.
Em uma bicicleta ou em rodízio de carrinho de supermercado, o leitor poderá visualizar e perceber facilmente o ângulo de cáster e seu efeito.
Inclinação do pino-mestre
A inclinação do pino mestre, atualmente inclinação do eixo de direção por não existir mais o pino-mestre físico, mas apenas virtual — o pino-mestre é o eixo em torno do qual a roda esterça — é parte integral da geometria de direção, sendo imprescindível para a obtenção dos efeitos desejados. Inclusive, é o principal agente para o retorno da direção após uma curva, valendo-se da força da gravidade terrestre: esse ângulo provoca ligeira elevação do veículo ao esterçarem-se as rodas.
Raio de rolagem
Raio de rolagem é determinado pela inclinação da manga de eixo (“pino mestre”) e também pelo offset das rodas. É positivo quando a projeção da linha de centro do “pino mestre” até o solo encontra-se do centro do pneu para fora do veículo.
O raio de rolagem negativo garante a segurança principalmente em frenagens com as rodas em diferentes condições de coeficiente de atrito pneu / solo, mantendo a trajetória do veículo. É importante também no caso de falha de um dos circuitos diagonais do freio, mantendo a direcionalidade. Aliás. foi graças ao raio de rolagem negativo que foi possível dispor o duplo-circuito hidráulico dos freios em diagonal, desta forma garantindo freio dianteiro — o mais importante — em uma das rodas em caso de falha hidráulica.
Veja o leitor como é importante manter as rodas originais do veículo e, quando substituí-las, manter o mesmo offset para evitar modificar o valor do raio de rolagem.
Divergência em curva e geometria Ackerman
Quando em curva, a roda interna percorre um círculo de raio menor que a externa. Por esse motivo a interna precisa esterçar mais que a externa. Isso é facilmente conseguido pela geometria Ackerman, que consiste na angulação dos braços de direção em relação às mangas de eixo (veja acima no desenho da convergência), relacionando o centro de giro das rodas diretrizes com o eixo traseiro do veículo. O prolongamento imaginário dos braços de direção leva ao eixo traseiro e é isso que determina sua angulação.
Quanto mais o centro de giro estiver próximo do eixo traseiro, menor o arrasto dos pneus em curvas. Na realidade, o Ackerman definido estaticamente diverge das condições dinâmicas, porém é um bom indicador da correta geometria de direção, principalmente em curvas de baixa velocidade.
Pelo desenho fica claro que a distância entre eixos tem influência direta na divergência em curva, quanto menor, mais divergência.
Círculo de Kamm
Um método importante para entender a dinâmica simultânea dos pneus com o solo é o círculo de Kamm ou de aderência, que mostra as forças de tração, de frenagem e laterais em um mesmo gráfico. Quando a resultante das forças sair fora do círculo, ocorre a perda de aderência.
Esses dois gráficos são muito importantes para o entendimento do papel do atrito do pneu com o solo. No da esquerda são vistos três casos. As forças representadas pelos vetores verdes mostram que sua resultante está dentro do círculo de aderência, portanto abaixo do limite. As amarelas mostram a resultante no limite de aderência, em que qualquer aumento de uma das forças — longitudinal (vetor vertical) ou lateral (vetor horizontal) — ou das duas combinadas, levará à perda de aderência. Com os vetores vermelhos foi ultrapassado o limite, a resultante excedeu o círculo.
Dentro do exposto, explica-se por que acelerar demais numa curva, tendo o motor potência para isso, ocorre a escapada do eixo motriz, pois o vetor vertical fez a resultante exceder o círculo. Importante saber que o vetor vertical existe também ao frear.
O gráfico da direita combina-se com o da esquerda ao mostrar como o círculo de Kamm diminui com piso molhado (“wet) e ainda mais com gelo (“icy).
Alinhamento
Alinhamento incorreto do sistema de direção/suspensões causa geralmente os seguintes problemas:
– Pneus “cantando” facilmente em curvas (este problema pode também ocorrer devido a pressão incorreta dos pneus).
– Pneus com desgaste irregular, principalmente nas laterais da banda de rodagem (problema também pode ocorrer devido a pressão incorreta dos pneus e/ou balanceamento incorreto das rodas).
– Volante de direção desalinhado (“torto”)
– Veículo “puxando” lateralmente com sensação de instabilidade em estrada.
– Sensibilidade maior a ventos laterais e/ou em ultrapassagem de caminhões parecendo que vão sugar o veículo.
– Aumento de esforço de direção (problema que pode também ser causado por pressão incorreta dos pneus e/ou desgaste acentuado de sua banda de rodagem, aumentando a área de contacto com o solo).
As rodas podem se desalinhar devido a vários fatores, como folga excessiva nos articuladores, buchas gastas ou deformadas, rodas tortas e componentes da suspensão deformados devido a fortes impactos, em buracos por exemplo. O leitor deve atentar a todos os fatos mencionados e procurar sempre a inspeção de seu veículo em boas oficinas com bons profissionais.
Ao passar por um buraco profundo, por exemplo, se o volante ficar desalinhado, houve alguma deformação de suspensão, que precisa ser verificada.
Para alinhar a direção em equipamentos de má qualidade e/ou com profissionais incompetentes é melhor não fazê-la. Pode sair “pior a emenda do que o soneto”. É melhor alinhar com barbante.
Alinhar com barbante
E o leitor certamente vai me perguntar, alinhar com barbante? O que é isso?
A resposta: é um quebra-galho quando não se tem um alinhador disponível. Com dois cavaletes e um pedaço de barbante tangenciando as rodas pode se medir e ajustar a convergência das rodas satisfatoriamente. O amigo Bob Sharp certamente usou deste expediente nas corridas em que participou.
No exemplo acima tomou-se como referência o eixo traseiro rígido, mas pode-se também “inserir o carro num retângulo” usando quatro cavaletes para amarrar o barbante (um de cada lado), cuidando para que o barbante fique perfeitamente paralelo à carroceria. Desta forma pode-se também medir ou ajustar a convergência traseira.
E como encontrar bons profissionais e bons equipamentos é uma excelente pergunta. Normalmente as revendas de pneus com marca agregada mantêm bons equipamentos e bons profissionais, pois os próprios fabricantes de pneus fiscalizam as suas revendas em termos de equipamentos e treinamento de seu pessoal.
Lembro-me que no passado a Pirelli mantinha na cidade de Santo André, vizinha a São Paulo, um centro de excelência onde prestavam serviços de alinhamento e balanceamento de rodas de alta qualidade. Hoje não sei se ainda existe algo parecido.
Hoje, os modernos alinhadores 3D são o estado-da-arte em termos de aparelhagem — inclusive inserindo o veículo num retângulo virtual —, porem, em minha opinião, nada substitui a mão de obra especializada de boa qualidade que faz toda a diferença.
Minha homenagem vai para todas as empresas e profissionais de alinhamento de rodas que fazem a diferença em qualidade. Peço ao leitor que indique alguma de sua preferência, pois o boca a boca é o melhor veículo de comunicação neste caso.
CM
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