Liberdade, Igualdade, Fraternidade: estas três palavras constituem, por si sós, o programa de toda uma ordem social, que concretizaria um dos mais absolutos passos de evolução da Humanidade, sempre é claro que os princípios que elas exprimem possam receber sua integral aplicação.
Recentemente algumas reflexões a respeito da integral aplicação destes conceitos me fizeram matutar a respeito. Devido a uma grande e ótima chance que tive recentemente, de passar uma semana do quente verão europeu naquele continente, lugar fantástico e que foi o berço do progresso representando pelas três palavras de impacto do início do parágrafo anterior.
Gosto de coisas bem feitas, tenho apreciação e respeito por aqueles que se dedicam a aprimorar um produto ou serviço, acho bacana perceber que você está usando algo de qualidade, com eficiência e que se propõe a atender os anseios do usuário. Retórica total, eu sei, mas às vezes esquecida. Muito esforço é empenhado para melhorar a situação e aprimorar a realidade, porém mais esforço ainda se faz para aceitar o que não está bom, desvirtuar a realidade. E isso não é legal.
Na estrutura daquela expressão que serviu de marco para a Revolução Francesa, faltou, a partir do meu singelo ponto de vista de espectador da história, incluir a palavra Felicidade. Provavelmente porque foi deixado como consideração implícita, a igualdade decorre da fraternidade e a liberdade é conseqüência das duas outras. Se os princípios forem observados teremos conseqüentemente a felicidade.
Assim também vejo a qualidade, ela é fundamental. Derivando do conceito mais pragmático que concerne em suportar a linha de pensamento do Iluminismo, pegarei uma carona na história para reafirmar um modelo que deveria ser a prática e não a exceção.
Atualmente deveríamos ter em nosso país a mesma liberdade e as condições igualitárias de oferta de automóveis encontradas em outras regiões do mundo. A liberdade pressupõe confiança mútua. Quero poder escolher um automóvel sem fazer concessões, confiar que em sua produção os melhores processos e controles foram utilizados. Quero também condições abertas e justas de escolha. Já temos uma séria e robusta indústria automobilística instalada no país, precisamos nos permitir de subir um patamar.
Poucas regiões do mundo possuem um plantel tão pujante e rico de opções de fabricantes locais como o Brasil, mas isso não reflete imediatamente na oferta de melhores e mais eficazes produtos. Temos totais condições de Igualdade nos quesitos fundamentais desta indústria, engenharia, matéria-prima, mão-de-obra experiente. E mais importante, mesmo em tempos atuais mais difíceis, temos um mercado doméstico importante e uma chance não explorada adequadamente de sermos fonte exportadora de veículos acabados.
Quero meus direitos de ter um produto equivalente ao que se oferece lá fora.
Além de tudo e sobretudo, já que temos que pagar um preço respeitável para a aquisição de um carro novo, quero receber Qualidade em retribuição.
De todos os lugares onde a JD Power realiza sua pesquisa de satisfação sobre a experiência na propriedade de veículos (o VOSS, de Vehicle Satisfaction Ownership Study – Estudo de Satisfação de Propriedade de Veículos), o Brasil é o que apresenta maior número de relatos de problemas de qualidade. Segundo uma declaração feita certa vez pelo responsável pela LD Power no Brasil, Sr. Jon Sederstron: “Os carros brasileiros têm menos conteúdo, portanto, teoricamente deveriam apresentar menos problemas, mas acontece o contrário. Isso é um desafio e uma oportunidade de melhorar dos fabricantes locais”. A pesquisa VOSS, é realizada já há quatro anos no Brasil com quase 10 mil proprietários de modelos das 12 marcas dos carros mais vendidas do País, considerando uma janela de 12 a 36 meses de uso.
Dentro do universo da pesquisa da JD Power, em média os donos de carros novos no Brasil relatam cerca de 50% mais problemas do que em mercados internacionais maduros como Canadá e Alemanha. O índice é também superior ao de veículos produzidos em outros países emergentes, estamos pior do que México e Argentina. Nesta pesquisa os automóveis brasileiros só estão melhor colocados do que os chineses, mas não por muito.
Segundo as bases do estudo da JD Power, nem todos esses problemas são necessariamente defeitos mecânicos ou de fabricação. O serviço de assistência técnica, preço de peças de reposição, custo do combustível, consumo e até mesmo as condições das ruas e estradas brasileiras podem causar mais insatisfação.
Entretanto o que mais me incomoda é o fato do custo de propriedade contar muito nesta equação, no estudo feito no mercado brasileiro a sensação de peso no orçamento, para possuir um automóvel, tem a maior representação: 42% (inclui gastos com combustível, valor do seguro, custo de manutenção e reparos). Enquanto o contentamento dos proprietários com o design e desempenho do carro, como conforto e recursos que oferece, participa com apenas 19%. Mesmo que se questione os métodos do estudo, a percepção de que possuir um carro mantém a nossa consciência nervosa, pelo tanto de empenho financeiro que é dedicado a ele, mais de duas vezes do que o automóvel retorna de prazer e satisfação em possuí-lo é angustiante.
Em países com o México, por exemplo, o mesmo estudo, usando portanto o mesmo método, retorna um resultado diferente. Ali e em outros países os problemas de qualidade e assistência são menores e a participação do custo de propriedade na experiência de compra de um automóvel é bem menos importante.
Processos, materiais fornecedores, tudo atualmente é padronizado globalmente e temos no Brasil todas as condições de montar um veículo como é feito lá fora. A qualidade deve ser a mesma. O retorno em prazer de poder desfrutar, e bem, deste maravilhoso invento da capacidade técnica da humanidade deve ser um apelo de venda e não um dolo.
Toda esta tempestade de reflexões começou durante as férias no balcão da locadora de automóveis no aeroporto. Sempre que tenho a chance de alugar um carro fico na torcida para que saia um modelo interessante, algo diferente do que eu conheça. Mais legal ainda se estou em outro país.
Após curtir a minha torcida na fila de espera, a gentil atendente da locadora me explicou com esmero as condições de contrato e me avisou que tinha um Opel Corsa 1,0 disponível (disponível para o tamanho do meu bolso, claro, conforme indicado na minha reserva), decidi então perguntar se tinham outros modelos ou se poderia subir de categoria e ela prontamente me ofereceu algo melhor, mas pelo dobro do preço. Voltei atrás e aceitei o Corsa com resignação.
Quando você espera pouco de uma experiência, normalmente ela se revela muito interessante. Ao receber as chaves do Corsa não tive qualquer reação positiva. Estava pronto e me preparando para receber um veículo comum e ter uma experiência comum. Fui caminhando para o estacionamento e ao me aproximar do carro reparei que as suas linhas eram modernas e joviais, e ainda que sem ousadia agradavam e combinavam bem com o porte do veículo, além de seus traços respeitarem com dignidade o padrão de filosofia de design atual da Opel.
Numa carroceria em cor preta com apenas quatro metros de comprimento, notei que a frente destaca-se seja pela grade proeminente ou pelos faróis bem desenhados que incluem uma assinatura de “asa” visível nas luzes diurnas a LED. Descobri que a porção traseira trazia linhas que acentuam visualmente a largura do automóvel, apresentando ainda lanternas orientadas na horizontal. Consegui acomodar a bagagem no porta-malas e mesmo antes de fazer girar o motor já estava mais impressionado do que antes com a opção de circular alguns dias com o pequeno Opel.
Sabendo que estava em um veículo de entrada de mercado, pensei em tentar imaginar quanto ele era capaz de atender uma pequena família, um casal ou um jovem estudante. Ao final de minha jornada de uma semana, depois de 1.500 km rodados nas ótimas estradas e ruas da Europa, percebi que a proposta era mais do que adequada e tentei fazer uma comparação com aquilo que podemos obter no mercado brasileiro, percebendo imediatamente que apesar de estarmos melhorando muito, há ainda espaço para fazer melhor. Principalmente no quesito conteúdo.
A sensação de usar um carro simples como o Corsa, mas que devido às boas condições de estradas e vias de circulação nos países do Velho Mundo, associada à alta qualidade de construção do veículo, faz com que o este conceito de simplicidade mude bastante.
Você volta de viagem, senta em seu carro no Brasil, mesmo que de um nível superior ao que estava usando lá fora e percebe que algo não está legal. Demora um tempo até voltar a se acostumar com pouco, mesmo que tenha custado muito.
Decidi pesquisar alguma coisa sobre a tecnologia e os equipamentos embarcados no Corsa 1,0 Turbo que usei, para avaliar o que poderia ser a fonte da sensação de produto melhor e mais refinado.
Logo de cara descobri que o modelo atual do Corsa possui um sistema de suspensão revisado e não herda um único componente do versão anterior, a estabilidade é ótima para os pisos da Europa e o conforto, exemplar. A sensação ao rodar é inesperadamente agradável para um modelo deste segmento.
O comportamento em estrada, a precisão da direção e as características de subesterço são de um patamar que esperava encontrar em modelos maiores e mais caros, enquanto o nível de amortecimento confere ao Corsa capacidade para filtrar e absorver melhor as irregularidades da estrada.
O sistema elétrico também é novo, incluindo com sistema de monitoração da pressão dos pneus de série! Isso mesmo, você tem no painel a informação da pressão dos pneus, equipamento de série em um Corsa 1,0!! O modelo pode ser escolhido ainda com dois tipos de configuração de chassis: Comfort ou Sport, sendo o Sport com molas mais duras e amortecedores com mais carga e com geometria e calibração de direção diferentes para a obtenção de uma resposta mais direta. Aqui para a nossa realidade as opções são de suspensão elevada, muito ou pouco.
Entre os outros equipamentos disponíveis (apenas os de série) no pequeno carro de aluguel, estavam a assistência a saída em ladeiras, rádio com sistema Bluetooth e entrada USB, ar-condicionado, computador de bordo e espelhos retrovisores com regulagem elétrica, além de vidros elétricos e trava central de portas com comando a distância.
Um novo motor de três cilindros de 988 cm³ é superalimentado com um turbo e possui injeção direta (de gasolina). Ajudado por uma árvore de balanceamento o 1,0 Turbo da GM se apresenta com baixos níveis de ruído e vibrações e, conseqüentemente, conforto. Tudo isso em um simples Corsa de aluguel.
Construído em alumínio, este motor compacto está disponível em dois níveis de potência — 90 cv e 115 cv — e apto a cumprir a norma de emissões Euro 6. Está acoplado a uma caixa manual de seis marchas, totalmente nova e extremamente compacta. Tudo bem que o carro que eu usava era o de 90 cv, mas o câmbio de seis marchas seguramente permitia usufrui-lo de modo entusiasta. Ajudado mais do que tudo pelo pico de torque com quase 18 m·kgf logo a 1.800 rpm.
Por aqui recentemente chegou ao nosso mercado o VW up! TSI trazendo novamente para a nossa lista de opções um motor 1-litro turbo. Pode ser o começo de uma revolução, mas ainda temos que encarar um custo não muito baixo para usufruir da tecnologia. Mas é sem dúvida um começo.
Ou recomeço, já que tivemos no passado a chance de desenvolver no Brasil tecnologias para motores de baixa cilindrada, ao ser criado incentivo governamental para isso. Uma canetada mudou a referência de alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), reduzindo a diferença de alíquota entre os carros mil e os acima. Era 10% até 1.000 cm³ e 25% dessa cilindrada para cima, mas foi criada a alíquota de 15% (13% para álcool, que acabou se estendendo para os flex) para motores entre 1.001 e 2.000 cm³.
A Eaton, que na época estava fabricando o compressor para os 1-L da Ford, teve que fechar a sua fábrica dedicada a este componente, empregos e tecnologia se foram. A VW encerrou em 2003 a produção do Gol turbo (a Parati turbo ficou mais um ano), e mais um punhado de técnica e competência foram jogadas fora.
A chance de desenvolver no Brasil uma engenharia apta a encarar desafios em desenvolvimento deste tipo de solução, criando e aperfeiçoando motores pequenos de alta potência, para que pudéssemos usufruí-las e aprimorá-las, ficou perdida no tempo e espaço, a capacidade de absorver e adaptar localmente as tecnologias disponíveis em outros países levou um revés, muito antes que fosse cunhado o termo downsizing para isto.
Entendo a dificuldade dos fabricantes de automóveis no Brasil em temer mudanças de rumos e perder investimento. Vamos fazer voz para que condições mais justas e igualitárias se mantenham presentes em nosso mercado, vamos lutar por uma ajuda inteligente de empresários, executivos de empresas e governo para proporcionar estas condições. Vamos tentar evitar que o downsizing ocorra também em nossas competências locais.
As três palavras de ordem da Revolução Francesa, surgiram como uma inspiração de François Fénelon, eram provocações concretas contra o “status quo” das regras da sociedade impostas pela Igreja e pelo Estado dessa época. O lema “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, ganhou força posteriormente e tornou-se mais difundido durante o Iluminismo.
Durante a Revolução Francesa, “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” foi uma das muitas frações invocadas. Em um discurso sobre a organização da Guarda Nacional, Robespierre defendida em dezembro 1790 que as palavras “o povo francês” e “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” deveriam ser escrito em uniformes e bandeiras. Quando se redigiu a Constituição de 1848, o lema foi definido como um princípio da República Francesa.
Evitado pelo Segundo Império na França, ele passou a dominar sob a Terceira República. Existia, no entanto, ainda alguma resistência, mesmo entre os partidários da República: a solidariedade foi por vezes preferida à igualdade que implica um nivelamento e a conotação cristã de fraternidade. não foi aceita por unanimidade.
A seguir o lema voltou a ser reintegrado na fachada dos edifícios públicos, por ocasião da celebração de 14 de Julho de 1880. Afigura-se ainda nas constituições de 1946 e 1958 e hoje é uma parte integrante do patrimônio nacional francês.
Chegar às armas é exagerado para mudarmos a nossa situação no quesito indústria automobilística, mas a história da Revolução Francesa pode bem ser um exemplo de determinação e vontade de melhorar. Proponho assim que tenhamos sempre uma consciência de defesa de alguns direitos que gostaríamos de ter atendidos como consumidores, compradores de produtos, que tanto deixam de divisas para o país com sua carga tributária faustosa, e que tem um valor agregado altíssimo quando comparado com a média de capacidade de compra e os salários de nosso país.
Até mesmo para compararmos os modelos de automóveis fabricados no Brasil e no resto do mundo encontramos situações esquisitas. Se quisermos comparar modelos básicos, por exemplo, teremos a curiosa dificuldade de encontrar em outras regiões carros oferecidos com dois airbags, por exemplo. O que é novo para nós, a utilização em massa do airbag para passageiro e motorista é já história para aqueles que oferecem este equipamento nas colunas laterais, bancos, joelhos etc.
Para fazermos algumas contas aproximadas, lembro que em Portugal, país que também apresenta forte carga tributária sobre automóveis, o Opel Corsa que usei pode ser comprado com 26 salários mínimos locais. Na França, com 12. Uma dúzia de salários mínimos no Brasil soma menos de dez mil reais.
Ainda não quero abordar os custos com combustível, seguros, despesas de manutenção e outros impostos, que tornam a experiência de possuir um automóvel um tema de planejamento financeiro no Brasil.
Somando-se a esta condição econômica à eventual oferta de um produto não nivelado em tecnologia aos países mais afortunados, temos realmente além da necessidade de um bom planejamento a constituição de um desafio, onde deveríamos ter um simples processo de adquirir e manter um bem útil, interessante, apaixonante e que permite aumentar em muito a experiência de viver, entra uma aventura.
Caramba, eu quero um carro bacana e confiável para poder me carregar, e não para que eu tenha que carregar preocupações ele.
FM