O motor de combustão interna é uma máquina térmica que transforma a energia proveniente de reação química em energia mecânica. Nos motores de quatro tempos, o processo de conversão se dá através de ciclos termodinâmicos envolvendo a admissão da mistura ar-combustível, sua compressão, sua combustão e o escapamento dos resíduos decorrentes do processo.
Esses motores são popularmente chamados de motores a explosão. Esta denominação, apesar de freqüente, não é tecnicamente correta, pois explosão define um fenômeno caótico não controlado. De fato, o que ocorre no interior da câmara de combustão não é uma explosão de gases e sim uma queima controlada de mistura ar-combustível, inclusive com frente de chama ideal.
De fato, o termo combustão é mais apropriado, referindo-se à ignição controlada da mistura ar-combustível que gera a energia através de sua expansão volumétrica e pressão na cabeça do pistão. É neste processo é que entra a vela de ignição, fundamental para o início da combustão através de faísca elétrica de alta tensão gerada entre os seus eletrodos.
Falando um pouco da história da invenção da vela de ignição, em 1860, Étienne Lenoir usou o aparato em seu motor a gás, o primeiro motor de combustão interna movido a pistão. Outras patentes incluíram as de Nikola Tesla em 1897, Richard Frederick Simms em 1898 e Robert Bosch, também em 1898, com a invenção da primeira vela de ignição de alta tensão comercialmente viável. Outros inventores como Gottlob Honold, Albert Champion, os irmãos Lodge e outros, também contribuíram para o seu desenvolvimento.
A vela de ignição é um elemento relativamente simples porém de escolha complicada, com a sua posição bem definida na câmara de combustão, sua isolação térmica e a folga entre os seus eletrodos, incluindo o material de que são feitos.
A vela de ignição é composta basicamente por um condutor central envolto com material isolante e dois eletrodos, sendo um deles ligado à parte metálica onde está a rosca para fixação da vela ao cabeçote do motor e o outro ao condutor central. A diferença de potencial de alta tensão, 25 mil volts ou mais, gerada pelo sistema elétrico do motor, é responsável pela faísca entre os eletrodos e que vai inflamar a mistura ar-combustível dentro da câmara de combustão.
A posição da vela na câmara de combustão no cabeçote determina a frente de chama, fundamental para a queima completa da mistura ar-combustível e que é responsável pela aplicação de pressão corretamente distribuída na cabeça do pistão, gerando o torque na saída do virabrequim que vai movimentar o veículo.
Devido à grande quantidade de variáveis envolvidas no processo de combustão, o projeto engloba análises virtuais do formato da câmara de combustão, cabeça do pistão, tamanho, curso e tempo de abertura das válvulas, posição da vela, temperatura de trabalho etc. Aproximadamente 85% dos trabalhos são virtuais. O restante 15% é feito empiricamente durante o processo de calibração do motor, envolvendo as variações controladas da mistura estequiométrica, um pouco mais pobre ou um pouco mais rica, durante as várias condições reais de aplicação do veículo.
A intensidade da faísca gerada depende de vários fatores, como, por exemplo, a constante dielétrica entre os eletrodos, a sua temperatura e também a pressão interna da câmara de combustão. O seu perfeito desempenho está diretamente ligado ao rendimento do motor, ao consumo de combustível e à maior ou a menor carga de poluentes dos gases expelidos pelo escapamento. No projeto de um motor é fundamental o saber quais as temperaturas e pressões dentro da câmara de combustão para balizar a escolha do tipo de vela de ignição ideal para a aplicação. Saiba o leitor o quanto é complicado a escolha das velas de ignição para os motores flex que não são otimizados nem para gasolina e nem para o álcool. O álcool tem a constante dielétrica maior que a da gasolina dificultando a geração da faísca.
Detalhes construtivos e funcionais
O conceito de constante dielétrica é relacionado aos capacitores elétricos.
Com o aumento da tensão entre os terminais (diferença de potencial) vai chegar um ponto que uma faísca vai se formar entre as placas, rompendo a isolação do material dielétrico. É o que acontece nos terminais da vela onde o dielétrico é a mistura ar-combustível.
Quanto maior a taxa de compressão, tanto maior a dificuldade da geração da faísca entre os eletrodos. Também quanto maior a temperatura, tanto mais difícil a faísca, lembrando o leitor que a resistência elétrica é diretamente proporcional à sua temperatura, ou seja, quanto mais fria a resistência mais fácil a circulação da corrente elétrica. Velas com eletrodo de irídio ou de platina facilitam a faísca.
No trabalho de desenvolvimento se utiliza uma vela especial que mede a temperatura dos eletrodos durante as várias aplicações de carga ao motor, normalmente feita em dinamômetro. Desta maneira é escolhida a gama térmica adequada da vela.
A gama térmica das velas define a temperatura de trabalho de seus eletrodos. Quanto mais fria for a vela, menor a temperatura dos mesmos.
A função do corrugado no isolador da vela é de aumentar distância entre o pino terminal da vela e o castelo metálico, evitando ter de aumentar o comprimento total da vela. Desta maneira é dificultada ocorrência de flash over entre o cabo de ignição e o castelo da vela — a corrente de alta tensão descarregar diretamente na terra —, comprometendo a faísca onde ela deve ocorrer, que é entre os terminais da vela.
Alguns projetos de velas não possuem corrugado e nestes casos o isolador da vela é mais comprido. Observe os isoladores das torres de transmissão de energia elétrica, também têm o corrugado.
É comum observarmos em algumas velas a ocorrência de uma mancha no isolador da vela. É comum achar que esta mancha é devido ao escape de gases do motor. Na realidade, um escape de gases do motor através do isolador provocaria um forte ruído característico de assovio.
A mancha no isolador é decorrente do efeito corona, quando a alta tensão passa pela vela de ignição há a geração de um campo elétrico envolta dos fios de velas e da própria vela. Vapores que estão no cofre do motor são atraídos para o isolador da vela formando este efeito de mancha, não afetando o funcionamento da vela.
A vela deve sempre trabalhar dentro de uma faixa de temperatura que facilite a auto limpeza dos seus eletrodos. O superaquecimento dos terminais podem provocar um ponto crítico para a pré-ignição do combustível. Podemos reconhecer que uma vela que sofreu superaquecimento através de exames da ponta ignífera da vela. Quando a ponta apresentar-se esbranquiçada, vitrificada com grânulos ou pontos pretos na superfície é sinal que ocorreu o superaquecimento. Há casos extremos onde pode ocorrer a fusão do eletrodo central e lateral, podendo chegar até mesmo a desaparecer completamente os eletrodos.
Outro ponto fundamental no projeto é garantir que a vela quando instalada no cabeçote no fique com a rosca nem curta e nem longa demais, podendo formar crostas de carvão e/ou interferir com o pistão em subida.
O leitor pode me perguntar, quando substituir as velas de ignição? Eu recomendo a verificação do estado das velas a cada 10.000 quilômetros ou antes se caso o motor apresentar falhas evidentes em seu funcionamento, como perda de potência, por exemplo. Na realidade os motores flex são sujeitos a grandes variações devido às possíveis misturas de gasolina e álcool em seu uso diário. As velas podem sofrer bastante, dependendo das cargas do motor. A escolha das velas pelos fabricantes de veículo é baseada em uma média de utilização cidade-estrada e que pode não representar cada caso real, individualmente.
Em geral, as velas duram de 30.000 a 40.000 km. O que é muito importante é somente usar velas especificadas pelo fabricante do veículo.
Termino a matéria prestando elogios à Bosch por ter viabilizado comercialmente as velas de ignição.
CM