Se de um lado a Segunda Guerra Mundial entrou para a História mostrando o que há de mais abjeto e cruel no ser humano, por outro revelou o que ele tem de melhor. Os corajosos pilotos da RAF, a Força Aérea Real da Grã-Bretanha, ao não medirem sacrifícios na luta contra o expansionismo alemão, foram uns dos exemplos do que temos de melhor. Sacrificaram-se com classe, mantendo o moral e o bom humor, sem queixumes. Eram, portanto, dignos de admiração.
Ao estourar a guerra em 3 de setembro de 1939, muitos aeródromos foram apressadamente construídos por toda a Inglaterra, e quando os Estados Unidos entraram na luta em dezembro de 1941, a eles chegaram os pilotos americanos da 8ª Força Aérea do Exército. E foi quando estes conheceram uma das diversões dos pilotos da RAF. Muitos, nos intervalos de seus vôos, relaxavam a tensão pilotando leves e ágeis esportivos em ferrenhos rachas pelas pistas de pouso.
Não é preciso dizer que os pilotos americanos viciaram na coisa. Em sua terra natal, salvo raras exceções, o automóvel refletira a fartura econômica do país adquirindo mais e mais tamanho e peso, o que, se por um lado proporcionava conforto, por outro distanciava o homem da máquina e dos prazeres esportivos que ela é capaz de dar.
Se o leitor tem alguma dúvida sobre se o peso do veículo influencia nas emoções que proporciona, é porque ainda não pilotou um kart de competiçao. Pilote um e em seguida faça-o num Ferrari 458, por exemplo. Você achará o Ferrari lento. A proximidade com o solo e a exposição ao vento também influenciam. E era isso que simples e basicamente os MG TC ofereciam. Leveza, baixo centro de gravidade, proximidade do motorista com o solo, exposição ao vento. Esses atributos cabem como uma luva no gosto do autoentusiasta. Uma vez provados, é difícil se ver sem eles. Finda a guerra, ao voltarem para casa os americanos levaram consigo muitas dessas pequenas máquinas de prazer.
A conjuntura do pós-guerra juntou a fome com a vontade comer. A Inglaterra sofrera com a guerra e precisava de divisas, de dólares, o que fez com que o governo incentivasse a indústria de exportação. Dentre outros incentivos, quem exportasse tinha prioridade em obter as racionadas matérias-primas. O mercado interno e europeu estava fraquíssimo, enquanto que o americano estava mais aquecido que nunca. Diante do quadro geral, a MG, para atender aquele mercado, rapidamente tratou de lançar o sucessor do TC — um já projeto defasado, da década de 1930, ainda com eixo rígido na dianteira e um chassi que tinha muita torção; uma combinação que até que funciona quando em conjunto, mas troque um deles e o resultado é péssimo. E aí, em 1949, foi lançado o TD, o modelo da matéria, sendo que este exemplar foi fabricado em 1952. Visando sua exportação, o TD foi o primeiro MG a ter a opção do volante de direção do lado esquerdo.
O tempo provou que a MG deu o tiro certo, pois de 1949 a 1953, período em que o TD foi fabricado, dos 30.000 produzidos, 23.000 foram para os EUA. E lá, como não poderia deixar de ser, as corridas amadoras, organizadas por inúmeros clubes, virou febre. Sua popularização se deveu por ter um custo relativamente baixo, porque eram feitas com carros de baixa cilindrada e pouca preparação. Os MG, com poucas modificações, estavam prontos para a corrida. Muitos pilotos de sucesso, pela primeira vez entraram nas disputas justamente por isso, pela facilidade de participar. O texano Carroll Shelby, o pai do Ford Cobra e do Cobra Daytona, e vencedor da 24 Horas de Le Mans em 1959, com um Aston Martin, por exemplo, começou a correr meio por acaso, quando em 1952 um amigo, dono de um MG TC de corrida, o incitou a pilotar seu carro numa dessas corridas de iniciantes. Shelby, sem nunca ter pilotado em um autódromo antes, entrou e ganhou fácil. Ele tinha o dom, o talento; e o TC foi a ferramenta que permitiu que esse talento fosse revelado.
À primeira vista, o TD é parecido com o TC, mas todo ele é diferente, menos o trem de força, ou seja, o motor e toda a transmissão. O seu grande avanço foi no chassi e suspensão. O chassi foi totalmente redesenhado e reforçado, o que lhe deu muito mais rigidez, e a suspensão dianteira passou a ser independente. Com isso o modelo teve um grande salto no seu comportamento dinâmico, ficou melhor de curva, mais rápido, além de ganhar maciez. Ganhou também espaço interno, que, apesar de ainda ser exíguo, era mais espaçoso que o antecessor.
O motor, como disse, continuou o mesmo, o XPAG, de 4 cilindros, com comando no bloco e válvulas no cabeçote, sendo duas por cilindro. Seus 1.250 cm³ entregam 55 cv a 5.200 rpm. É um motor subquadrado (diâmetro dos cilindros menor que curso dos pistões, 66,5 x 90 mm). Vale lembrar que, curiosamente, na época, na Inglaterra, a taxação incidia sobre o diâmetro dos cilindros do motor e não sobre a sua cilindrada total. Em vista disso, para serem menos taxados, os fabricantes tratavam de fazer motores subquadrados, o que, por conseguinte, os tornava elásticos diante da potência produzida, porém não eram de girar alto. Esse foi o motivo que caracterizou o comportamento geral dos motores da “ilha”, que tendiam a ser elásticos.
É alimentado por dois carburadores horizontais SU e sua taxa de compressão é de 7,25:1. Esse motor é resistente e aceita bastante preparação. Era comum atingirem 100 cv quando preparados para corridas (80 cv/litro). Havia também kits de compressores já próprios para esse motor. De qualquer modo, no geral o TD não tinha nada de moderno. Na verdade, toda a sua tecnologia de bordo já existia desde os anos 1930. Sua notabilidade provinha de como foi formado o conjunto.
O câmbio, de quatro marchas, não tem sincronização na primeira. A 110 km/h em 4ª marcha o giro está em 4.640 rpm. A 120 km/h, sua velocidade máxima, o giro está a 5.060 rpm, perto do pico da potência.
Ele é leve, pesa 914 kg, mas sua aerodinâmica é ruim, o Cx estimado é 0,65. Tão ruim que seria preciso dobrar sua potência para que ganhasse só uns 30 km/h de máxima. Não é um esportivo que traga diversão por atingir alta velocidade, mas por ser ágil e agarrado ao solo. Após dirigi-lo na estrada, estimo que sua velocidade cruzeiro deveria ser de algo em torno de 110 km/h, velocidade que nele, por estarmos próximos ao solo e sujeitos ao vento, já passa uma agradável sensação. Sua grande diferença, para a maioria dos carros da época, é que os MG TD, quando chegavam a trechos sinuosos, se embrenhavam com graciosa naturalidade nas curvas e logo sumiam de vista.
Em 1954 veio o TF para substituí-lo. Pouca coisa mudou. Foi feito o que hoje se costuma chamar de facelift. O motor teve a taxa de compressão aumentada para 8:1 e sua potência subiu para 58 cv. O problema é que no ano anterior haviam sido lançados o Triumph TR2 e o Austin-Healey 100, esportivos com design e mecânica atualizados e muito mais velozes. Por exemplo, o “100” do Austin-Healey de seis cilindros era a “garantia de fábrica” de que ele atingia a velocidade de 100 milhas por hora (161 km/h). Foi a época em que começaram a colocar em prática os conceitos da aerodinâmica no desenho dos automóveis esportivos. A grande evolução que a aviação obteve durante a guerra foi o que acordou os construtores de esportivos para a importância da aerodinâmica no desempenho dos automóveis. Diante disso, vê-se que o TF já nasceu atrasado.
A resposta da MG, mesmo que tardia, veio certeira. Em 1955 lançou o MGA, um esportivo que do antecessor não tinha nada, nem trem de força igual. O MGA teve seu design baseado em um protótipo da marca que correu a 24 Horas de Le Mans em 1951, onde a aerodinâmica foi levada em conta. O carro era diferente, mas os seus princípios do prazer eram os mesmos: leveza, baixo centro de gravidade, agilidade, bom comportamento, exposição ao vento. Dirija/pilote um carro assim, que mesmo que a potência não seja lá grande coisa a diversão estará garantida e o sorriso de satisfação lhe há de brotar.
Este belíssimo MG TD nos foi cedido por um generoso cliente do Box 54, que lá o guarda e mantém. Foi um privilégio dirigi-lo.
Veja o vídeo:
AK
FICHA TÉCNICA MG TD 1952 | |
MOTOR | |
Designação | XPAG |
Descrição | 4-cil. em linha, comando de válvulas no bloco, válvulas no cabeçote, duas válvulas por cilindro, três mancais |
Material do bloco/cabeçote | Ferro fundido |
Cilindrada | 1.250 cm³ |
Diâmetro e curso | 66,5 x 90 mm |
Taxa de compressão | 7,25:1 |
Potência máxima | 55 cv a 5.200 rpm |
Torque máximo | 8,8 m·kgf a 2.600 rpm |
Formação de mistura | Dois carburadores SU H2 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | 4 marchas e ré, 1ª não sincronizada |
Relações de marcha | 1ª 3,50:1, 2ª 2,07:1, 3ª 1,38:1, 4ª direta; ré 3.,500:1 |
Relação de diferencial | 5,125:1 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, triângulos superpostos, mola helicoidal e amortecedor de joelho |
Traseira | Eixo rígido, feixe de molas semi-elípticas e amortecedor de joelho |
DIREÇÃO | Pinhão e cremalheira |
Diâmetro mínimo de curva | 9,6 metros |
FREIOS | |
Dianteiros/traseiros | A tambor |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Aço,4,5Jx15 |
Pneus | 5.50-15 |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Separada, roadster conversível, dois lugares |
CAPACIDADES E PESOS | |
Peso em ordem de marcha | 914 kg |
Tanque de combustível | 57 litros |
DIMENSÕES | |
Comprimento | 3.683 mm |
Largura sem espelhos | 1.489 mm |
Altura | 1.346 mm |
Distância entre eixos | 2.389 mm |
Bitola dianteira/traseira | 1.203 mm/1.270 mm |
Distância mínima do solo | 152 mm |
DESEMPENHO | |
Velocidade máxima | 120 km/h |
Aceleração 0-100 km/h | 22,8 s |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1.000 em 4a | 23,7 km/h |
Rotação a 110 km/h | 4.640 rpm |
Rotação à velocidade máxima | 5.060 |