As traquinagens motorizadas de Jacques Durand iniciaram-se imediatamente após o fim do segundo conflito bélico mundial. Este parisiense nascido no princípio da época chamada de “Anos Loucos” na França, período que experimentou quase uma década de efervescência turbulenta e libertação, que contracenava forçadamente através de sua juventude assustada e encantada com o fim da primeira guerra e o contrastante momento de luto europeu.
Os nascidos nos 1920 em Paris queriam se divertir, viver e, especialmente, esquecer o horror da guerra. Os Anos Loucos (da década de 1920), portanto, levavam os franceses a uma espécie de frenesi, a cidade se transformava com o capricho de edifícios Art Déco, automóveis enchiam as ruas, aparelhos eletrodomésticos insurgiram na vida cotidiana.
Mas ainda era reservada para a Europa outra consternação, o segundo conflito armado em seu território.
Tendo vivenciado o esplendor e a reconstrução de Paris, Jacques Durant surge como diplomado em mecânica de precisão e parte diretamente para o seu primeiro projeto, a construção de minúsculos motores a gasolina para modelos em escala reduzida. O início foi em 1949 mas posteriormente Durand passou a frente o negócio que seguiu sob novo comando com a fabricação de seu projeto de pequenos motores, que fizeram um renomado mercado na Europa, agora com utilizando a designação Vega.
Gabando-se do luxo de desenvolver seus motores em um ateliê às margens do Sena na região de Paris, Jacques Durand inicia a sua próxima aventura, construtor de veículos fora-de-série, em sua mesma propriedade em Antony, Alto do Sena. Em seu porão ele desenvolveu uma carroceria feito em plástico (poliéster) a partir de um molde de gesso Nascia assim pequeno e levíssimo carro esportivo, motorizado com mecânica do Renault 4 CV. Durand projetou e construiu 12 exemplares deste modelo com portas asa-de-gaivota e denominado Atla, em parceria com Jean Schwab (um concessionário Renault na cidade de Chartres na França).
O Atla contava ainda com o apoio técnico de Charles Cusson, que preparou um chassi multitubular rígido, que recebia a carroceria de Durand, o motor e as suspensões de Jean Schwab. Diz a lenda que Jacques Durand foi obrigado a demolir as escadas para o porão de sua casa para permitir a saída do seu primeiro casco. Estávamos no final dos anos 1950.
Outro protótipo surgiu, porém sem vida longa, e a construção de mais um modelo, mecanizado com base em um Dyna Panhard, este com carroceria aberta estilo Targa e batizado como Sera, antecederam a chegada do Jidé, que foi então o maior sucesso de seu criador. Jacques Durand transferiria a produção dos últimos Sera para novas instalações em Bordeaux, 20 unidades foram realizadas deste modelo. Até 1968 Durand estaria participando de alguns projetos em conjunto com outros construtores pela Europa, quando resolveu iniciar seu novo projeto.
Ambicioso, almejando combater os Alpine-Renault e inspirando-se na carroceria do Ford GT 40, Durand repartia em novas instalações na cidade de Parthenay, mais de 200 quilômetros ao norte de Bordeaux. Denominado simplesmente como Jidé (pronuncia francesa para as iniciais J D, com o ‘e’ fechado pelo acento agudo), o novo e instigante esportivo seria a obra maior deste autoentusiasta francês. Era 1969 e aplicando o mesmo plástico (poliéster) reforçado com fibra de vidro na carroceria, Durand montava o Jidé em uma estrutura tubular e mecânica Gordini.
Com baixíssimo orçamento, quando comparado aos grandes construtores, Jacques Durand arriscou todo o potencial de seu modelo também em competições automobilísticas. Resta, na história, portanto, um curioso, competente e cativante rival, seja pela ambição, pela sua fantástica relação peso-potência ou por sua capacidade de manobra, o que só aumenta o interesse atual pelo modelo, muito raro, o Jidé é cada vez mais buscado para coleções em território europeu, onde o pedigree em competições aumenta muito o apreço no garimpo por exemplares de automóveis.
As características técnicas do Jidé Gordini eram:
Bitola dianteira: 1.340 mm
Bitola traseira: 1.290 mm
Distância entre eixos: 2.240 mm
Comprimento: 3.590 mm
Largura: 1.560 mm
Altura: 1.000 mm
Distância ao solo: 14mm
Peso vazio: 640 kg (sendo 280 kg no eixo dianteiro e 360 kg no traseiro)
Para o motor, montado centralmente no chassis, havia várias opções de versões do Renault preparado pela Gordini, sendo um dos mais comumente oferecidos uma unidade de 1,6 litro — R 12 Gordini — de 112 cv. Entretanto, existia a possibilidade de adquirir o carro em kit, para posterior montagem e motorização pelo feliz e ousado proprietário.
Em 1972, um Jidé 1600 S que havia participado de provas oficiais foi testado pela revista Échappement. Com 165 cv de potência, que eram gerenciados por um sistema de injeção eletrônica da inglesa Lucas em seu motor de R12 Gordini e um peso de apenas 640 kg, foram medidos tempos de aceleração impressionantes, 13 segundos para alcançar 400 m e 25 segundos para chegar na marca do primeiro quilômetro. Para aqueles que queriam montar o seu Jidé apenas como hobby e não almejavam desempenho de competição, era possível também colocar o motor 1,3-litro Gordini de 60 cv. Motores Alpine de 1,2 a 1,6 litro também poderiam ser adaptados ao modelo.
O chassis do Jidé é simples porém eficiente. Duas longarinas partem paralelamente na parte dianteira e apoiam uma travessa para o suporte do trem dianteiro, enquanto duas longarinas traseiras são posicionadas receber um berço de motor removível. Um quadrado funciona como chassi central e une as duas extremidades. Uma estrutura retangular na região abaixo do painel de instrumentos, associada a um cabo de aço que atravessa a estrutura na linha de cintura do parabrisa, reforçam o chassi e servem de proteção aos ocupantes.
Curiosamente, o sistema de montagem dos motores sobre uma estrutura adicional desmontável permitia o uso de disposições diferentes do conjunto de força. Para a opção de motores R8, R10 e R8 Gordini era previsto sistema de suspensão convencional Renault, o motor em posição central e o transeixo atrás do motor. Caso fosse usada a gama de motores R12 1600 TS ou 1600 Gordini, a suspensão combinava um sistema de triângulos superpostos, caixa de câmbio à frente do motor e transmissão por cardã.
Muitos componentes da montagem do Jidé eram herdados de outros veículos, como o parabrisa do Renault Floride, sistema de direção do Renault R8 Gordini, radiador de água do Renault R16, freios dianteiros do R16TS e traseiros com pinças do R8 Gordini e discos do Renault R12.
Jacques Durand conseguia fabricar um veículo por semana. Sem grandes alterações de estilo durante a vida útil do Jidé, o carro mudou apenas na dianteira em 1973, quando um spoiler foi incorporado na tampa frontal. O estilo do esportivo é homogêneo, apesar de utilizar diversos conjuntos de elementos de outros veículos e escolas diferentes de design, uma boa sacada do excelente traço de Durand. As linhas da carroceria são ao mesmo tempo tensas, fluidas e fortes.
Bem motorizada, com incrível capacidade de direção e comportamento esportivo, o Jidé era um convite à transgressão. Quantos felizes proprietários não tentaram transformar a ida à padaria mais próxima em um traçado de rali? O comportamento dinâmico era de um kart, mais rígida e estável que muitos concorrentes de maior produção e orçamento, o Jidé poderia ter sido um grande sucesso entrando nos anos 1980 caso seu criador tivesse conseguido manter o seu desenvolvimento.
Porém a história desenhou outro fim para o projeto. O final do ano de 1973 chegou muito rápido e trouxe consigo a crise e o embargo do petróleo, redução do limite máximo de velocidade nas vias e estradas e cancelamento de competições locais. O governo francês preparava a população para conviver com anos mais difíceis. Neste contexto Jacques Durand, que estava a um passo de se tornar um grande construtor e deixar a condição de produtor artesanal para sempre, foi também golpeado pela falta de moral imposta aos apaixonados por automóveis que a crise do petróleo, estourada pela guerra do Yom Kippur, impunha. Para desespero dos autoentusiastas da época, o petróleo ganhava força como uma arma econômica e os países produtores impuseram aumento de preço e redução da produção. Também alguma dificuldade financeira aumentou a pressão sobre o seu negócio e Durand decidiu assim encerrar a produção e vender a marca Jidé, ainda em 1973.
O modelo teve 130 exemplares vendidos montados e completos de motor, além de 50 em forma de kits.
A vida dos que ainda estão preservados pela Europa é mantida por fanáticos da marca e das maluquices de Jacques Durand. Originalmente mais caros do que os veículos de maior produção como os Alpine, os Jidé foram trabalhados extensivamente por campanhas promocionais, presença em salões e revendedores parceiros de Durand. Apoiados ainda pela participação em corridas conseguiu algum reconhecimento pela Europa e são itens raros de coleção atualmente. A dedicação precisa e atenção à qualidade de construção de Jacques Durand, falecido em 2009, pode ter ajudado na manutenção dos veículos sobreviventes e estimula a atenção dos colecionadores.
O Jidé mais famoso que saiu da fábrica de Durand foi o exemplar que viria a vencer em 1972 o Rallye de Poitou, na França, com Henri Rimaudière ao volante, e chegando à frente de Alpines 1600S e Porsches! Após uma restauração completa este carro segue aparecendo e brilhando em eventos e encontros de antigos.
Leve, bem estruturado e potente, é um pequeno foguete sobre rodas capaz de fornecer o puro prazer entusiasta. Durand criou um grã-turismo francês muito raro e ultradesportivo, merecedor do seu registro na história do automóvel.
FM