A publicação do texto do Milton Belli sobre a história do Ford GT40 coincidiu com a fase que eu estava lendo no livro “Ford: The Dust And The Glory – A Racing History, Vol. I” (Ford: a Poeira e a Glória – Uma História de Corridas, Vol. I), abrangendo a fase de 1901 até 1967.
O trabalho de Leo Levine, publicado pela SAE International, é o mais detalhado que já foi feito sobre a marca americana nas corridas, e há também o volume II, que cobre de 1968 até o ano 2000.
Nesse primeiro volume, o desenvolvimento do GT40 é muito bem explicado, com praticamente tudo de importante estando descrito, incluindo as agruras e problemas humanos de um desafio como nunca antes visto.
Anotei algumas curiosidades que complementam o texto do Belli, que deve obrigatoriamente ser lido por quem ainda não o fez, para entender a história toda, os fatos e personagens.
Vamos então a alguns fatos e números que extraí do livro:
> A ideia inicial da Ferrari passar o controle da empresa a outro que não Enzo Ferrari partiu do próprio, que já tinha 65 anos em 1963 e não tinha herdeiros. Depois de várias reuniões com a Ford, desistiu do negócio.
> A empresa iria se chamar Ford-Ferrari, bem como os carros de rua. Os de corrida se chamariam Ferrari-Ford.
> As comunicações entre os executivos da Ford na Itália e os de Dearborn, nos EUA, eram escritos sem citar nomes para evitar espionagem, e os cabogramas e telegramas eram endereçados a Maria McNally, uma funcionária do departamento jurídico.
> Enzo tentou por mais duas vezes retomar as negociações, mas Henry Ford II, notório teimoso, já tinha decidido: iriam construir um carro para vencer a Ferrari em Le Mans.
> Em 1964, na primeira participação na corrida francesa, a maior velocidade estimada de um GT40 foi de 338 km/h, com o motor a 7.200 rpm.
> O recorde de tempo de volta foi batido por Phil Hill, com velocidade média de 211,427 km/h, já no primeiro ano.
> Dos nove GT40 que largaram nas quatro corridas em que participaram nesse ano – Le Mans, Reims, Nürburgring e Nassau — nenhum chegou. Quatro quebraram transmissão, três suspensão, um se incendiou e outro teve problemas de motor.
> depois dos vários problemas enfrentados, a equipe de Carroll Shelby pegou um dos carros, levou até o túnel de vento da empresa Aeroneutronics, na Califórnia, e descobriram que muitas entradas de ar que eram necessárias não estavam funcionando, pois não haviam saídas com área suficiente. Além de não arrefecer o que era necessário, o efeito de freio de ar era notório, com 77 cv sendo perdidos dessa forma, valor descoberto no túnel. Parte do trabalho foi finalmente feito também no túnel da própria Ford, em Dearborn, mas isso tudo só depois de algumas corridas com problemas sérios.
> Isso fez alguns perceberem o quanto a aerodinâmica dos Ferraris eram ruim, já que mesmo com esses problemas os GT40 eram mais velozes nas longas retas em todas as provas em que enfrentavam os carros italianos.
> Na 12 Horas de Sebring no mesmo ano, rodas de magnésio de novo desenho e menor peso foram feitas às pressas, e quando se colocou no carro para a corrida, descobriu-se que elas interferiam com as pinças de freio.
> Em 1965, numa das verificações e atualizações de componentes gastos feitas nos carros antes de enviá-los para correr em Le Mans, uma engrenagem de câmbio usada e com problemas foi montada por engano em um dos carros, que obviamente quebrou o câmbio com pouco tempo de corrida.
> Resumo de 1965 em seis corridas foi de 15 carros largando e 5 terminando, com a primeira vitória na primeira corrida, a Dois Mil Quilômetros de Daytona, com Ken Miles e Lloyd Ruby.
> A direção da Ford decidiu investir tudo que fosse necessário em 1966, e Charles Patterson (vice-presidente da Ford) disse a Beebe: “Tudo que você precisar me diga. Se for necessário, vamos banhar as caixas de câmbio com ouro.”
> Em Sebring, 1966, Dan Gurney correu para o carro na largada, entrou e não sabia onde era o botão de ligar o motor. Depois de quase um minuto de agonia, achou-o e partiu alucinadamente na recuperação, passando 26 carros na primeira volta, 10 na segunda e antes da primeira hora e meia estava em primeiro lugar. Deixou de ganhar a corrida quando o motor quebrou, com um parafuso de capa de biela danificado, faltando menos de 100 metros para a chegada.
> A sala de teste com dinamômetro identificada como 17D em Dearborn rodou os motores de desenvolvimento para obter a configuração que deveria ir a Le Mans, chegando às especificações ideais com 48 horas de durabilidade, o dobro da duração da corrida. Doze motores foram montados com todos componentes e regulagens selecionados nos testes, e a potência ideal era de 491 cv a 6.400 rpm. Todos rodaram por quatro horas, sempre simulando o circuito francês, e enviados para as equipes de fábrica. A variação de potência entre o melhor e o pior foi de 35,4 cv, com metade deles acima dos 491 cv. O mais fraco tinha 474,8 cv, unidade que depois da corrida foi retestada, e mostrou potência de 486 cv.
> Os freios sempre foram problema no GT40. Para diminuir a velocidade no final da reta Mulsanne, era necessário dissipar 6,5 vezes mais energia que numa freada de um carro de rua a 110 km/h. E isso deveria ser feito a cada 3 minutos e 35 segundos, durante 24 horas.
> Todo sistema de pinça e disco foi redesenhado para ser trocado entre dois e três minutos, já que discos que durassem a corrida toda ainda não tinham sido criados. Os Ferrari de fábrica necessitavam de aproximadamente oito minutos para o mesmo trabalho.
> Depois de um mês da vitória de 1966, decidiu-se repetir o feito em 1967, e freios de 304,8 mm de diâmetro e 32 mm de espessura foram feitos, que mesmo com trincas na metade da corrida, 12 horas, poderiam terminar as 24 horas sem precisar ser trocados.
> O acidente e morte de Ken Miles em teste fez a direção da empresa ordenar a instalação de gaiola de segurança, mesmo com os mais de 30 kg que isso adicionava ao peso do carro. O projeto foi baseado em tudo que se aprendeu na Nascar. Num GT40 assim equipado, Peter Revson sofreu um acidente também em teste, a quase 290 km/h, e não se feriu.
> O GT40 Mark II tinha problemas de aerodinâmica, e um trabalho monumental foi feito para resolvê-los antes de Le Mans, com testes sendo feitos em pista, e as alterações trabalhadas na empresa Kar Kraft, que fazia as carrocerias quase que imediatamente após os desenhos de superfícies. O carro mudou tanto que foi batizado de Mark IV, já que o Mark III era o GT40 de rua.
> O motor para 1967 foi também desenvolvido como no ano anterior, mas deveria ter 506,5 cv a 6.600 rpm. Dez foram montados, todos dentro de 10 cv de diferença.
> Vários para-brisas trincaram com os carros sendo testados na semana de corrida, e novos foram feitos nos Estados Unidos e enviados de avião em três dias.
> A lista de verificações para os carros tinha 10 páginas e 124 itens, e foram utilizadas dezenas de vezes durante a semana da classificação antes da prova.
> Com duas horas e meia de corrida, inspetores solicitaram a medição da altura livre do solo em todos os Fords. Leo Beebe, usando um intérprete, disse para mostrarem a ele no livro de regras onde isso era permitido, e disse também que se os GT40 parassem para as medições, ele iria exigir que todos os outros carros na corrida passassem pela mesma inspeção. Os oficiais desapareceram para nunca mais pedirem nada.
> No meio da madrugada, Gurney e Foyt lideravam com mais de 80 km de vantagem sobre o segundo colocado, o Ferrari de Scarfiotti e Parkes. Pilotando num ritmo tranquilo, Gurney viu um carro vermelho se aproximar mais rápido e colar na sua traseira, sem ultrapassar. Diminuindo ainda mais, o Ferrari não o ultrapassava, e Gurney decidiu parar o carro completamente, forçando o Ferrari a ir embora. Em seguida, acelerou de novo para seu ritmo, e depois de algum tempo ultrapassou seu desagradável perseguidor, que havia tentado pressioná-lo a um erro. Era Mike Parkes.
> A vitória do carro veio com A.J. Foyt pilotando. Gurney estava na sua oitava participação em Le Mans, e Foyt havia pisado na pista pela primeira vez na terça-feira anterior a corrida.
> A média de velocidade de 1967 aumentou de 201,8 km/h para 218 km/h, com distância percorrida de 5.229,7 km.
> O consumo foi muito baixo para carro e condições, com 43,437 litros a cada 100 km, ou seja, 2,3 km por litro.
> O tempo médio de volta foi 2 segundos e 3 décimos mais rápido que o segundo colocado, o Ferrari.
JJ