Caros leitores, estou de volta. Passou rápido o tempo, mas senti falta do contato com vocês. Em todo caso, foi por uma boa causa — pelo menos para mim. Estive de férias pela primeira vez na África do Sul e Noratur arrasou: deu tudo absolutamente certo. Tenho que dizer que foi uma surpresa agradabilíssima e por incrível que pareça minha maior preocupação não eram os safáris fotográficos que faríamos no meio de uma reserva perto do Parque Kruger, onde passamos uns dias, nem o mergulho numa gaiola no meio dos tubarões brancos. Confesso que o que me tirava o sono antes de viajar era dirigir pela mão inglesa. Sério.
Na verdade, na véspera do mergulho com tubarões dormi mal. Sempre que invento essas coisas — e toda viagem minha tem algo assim — me pergunto por que raios me meto nessas enrascadas sozinha, pois sempre a ideia parte de mim. Por sorte, meu marido sempre topa. Mas ele dormiu como uma pedra, tranquilo da vida. Mas juro que dirigir na mão contrária me preocupou desde que decidi ir para esse destino maravilhoso.
O Bob Sharp me garantiu que eu não teria dificuldades, o Josias e o Daniel deram dicas, mas sabem como é. Sendo a única mulher do AE todos os editores e colunistas me protegem, cavalheiros que são. Meu marido é bem versátil para esse tipo de coisas, mas às vezes sou meio pavloviana e acho que reflexos condicionados em mim são difíceis de alterar. Bobagem. De fato, foi bem fácil me acostumar com a mão “errada”.
Mas o diabo mora nos detalhes e entrar numa rotatória pela esquerda levou o Tico e o Teco a alguns segundos de hesitação nas duas primeiras vezes. E a cada parada num posto de combustível ou para tomar um café nas estradas invariavelmente voltava ao carro pelo lado errado — quando meu marido estava dirigindo, eu ia para a direita do carro.
Até as escadas rolantes são ao contrário e nas pontes para pedestres pedem para você manter a esquerda. E se dirigir do lado direito do carro não foi tão estranho, andar no banco do carona sem ter um volante à frente foi uma sensação estranhíssima o tempo todo.
Ao fazer a reserva do carro antes de sair do Brasil dei uma de preguiçosa e aluguei um carro automático. Achei que passar marcha com o braço esquerdo seria esquisito e quis tirar essa preocupação da minha cabeça. Foi ótimo, mas a verdade é que não tive dificuldades em engatar ré com a mão esquerda. Mas não sei como teria sido isso o tempo todo…
Por sorte, no nosso carro tinha as alavancas de luzes e limpador de para-brisa do mesmo lado que no Brasil, pois lá eu descobri que não há uma regra e que as ditas-cujas migram de lado dependendo do fabricante. Mas, convenhamos, se encontrasse um elefante no meio do caminho a menor das minhas preocupações teria sido dar seta, não?
Fazer conversão em rua de mão dupla exigiu uma mudança cerebral bastante simples, mas sempre que possível eu virava em vias de mão única. Já atravessar a rua como pedestre me custou mais. Por isso, parecia um pardal desenfreado virando a cabeça para todos lados, tipo Linda Blair em “O Exorcista”.
Algo que eu realmente não esperava eram estradas tão bem construídas. Claro que não falo pelo país inteiro, pois dirigimos menos de 2.000 km e andamos bastante em outros meios de transporte. Todas, e realmente todas as estradas que pegamos têm curvas “peraltadas”, superelevadas, para manter os veículos dentro da pista e evitar capotagens. E, diga-se de passagem, peraltadas para o lado certo não como no Brasil, em que muitas vezes são feitas com o “peralte” para o lado errado e deixam a força centrífuga agir cruelmente, jogando o carro para fora. Isso incluiu as vicinais de pista única sem acostamento pelas quais dirigimos.
Por falar em acostamento, aqui vai a maior dificuldade em se dirigir na mão inglesa: calcular a distância da lateral da pista. Passei vários quilômetros reclamando com minha cara-metade que ele não colocava o carro no centro da pista. Apesar de terem uma largura perfeita, eu via que ele deixava o carro escapar para a esquerda. Quem viaja sabe que o principal motivo de discussão é ao dirigir, especialmente quando os dois gostam de fazê-lo. Conosco não é diferente.
Enquanto trafegávamos pela N4, com três faixas de cada lado, enorme canteiro central e excelentes acostamentos, a questão era menos problemática. Mas ele continuou assim numa vicinal para a qual o Waze nos jogou. Uma roubada clássica, diga-se de passagem. Pista simples, sem acostamento, e com vários buracos — porém menos do que tem nas ruas do meu bairro. E meu marido dirigia no limite da pista: 120 km/h. Voltei à carga e dei um ultimato: se você continuar assim vai morder o acostamento, vamos rasgar um pneu ou amassar a roda e eu não vou ajudar a trocar pneu nenhum, tá? O que aconteceu alguns quilômetros mais adiante? Adivinhem… o carro mordeu o acostamento, amassamos a roda e furamos o pneu dianteiro esquerdo.
É claro que ele disse que eu havia “secado” o pneu, agourado a estrada, etc, etc, etc., mas o fato é que estávamos numa estradinha vicinal às 4 horas da tarde, onde havíamos visto alguns bandos de macacos babuínos muito conhecidos pela agressividade e por mexer em tudo e ele estava com mais raiva de eu ter razão do que com a situação em si. Tiramos as malas do porta-malas e ele trocou o pneu. E, sim, ajudei mas apenas passando as ferramentas e ficando com as malas. Ficamos a anos-luz dos tempos de troca de uma Red Bull ou Ferrari, mas não fizemos feio. Por sorte, estávamos a menos de 2 km de uma cidadezinha.
E aí entram as peculiaridades das viagens. Entramos num posto de gasolina e eu perguntei onde poderíamos consertar o pneu. O sujeito me explicou que na mesma avenida havia um robô e que no segundo robô eu veria do meu lado direito um Supa Quick. Ok, se eu tivesse entendido o que era um “robô”… Seguimos em frente e encontramos um cruzamento que lembrava muito vagamente uma rotatória. Prontamente eu deduzi que o tal “robô” era um “roundabout”.
Mas continuamos dirigindo e nada do tal Supa Quick. Como toda mulher, insisti em que parássemos e fui perguntar novamente. Outra vez o tal “robô” era a referência, mas aí só faltava um. Decidimos seguir em frente e finalmente encontramos a loja onde fomos superbem atendidos. Acabei esquecendo o tal “robô” e uma semana depois em Cape Town soube que essa é a forma como os sul-africanos chamam o semáforo. OK, mais uma para meu vocabulário.
Mas voltemos à questão das estradas. Em praticamente todas as estradas por onde passamos a velocidade máxima permitida era 120 km/h (foto de abertura). Mesmo onde furamos o pneu. De longe foi a pior que encontramos, mas ainda assim podíamos ir bem rápido. De resto, nas autoestradas a maioria de suas extensões é 120 km/h. E o pessoal não alivia o pé. Vai no limite mesmo.
Mas o que me chamou a atenção foi a impecável sinalização ainda que nas menores estradas. E o respeito dos motoristas. Sempre que havia um “Pare” eles paravam, mesmo nas cidades grandes como Johannesburgo, Pretória ou Cape Town e ainda que fosse de madrugada e não houvesse outros carros. O mesmo acontecia com as placas de “Dê a preferência”. O único carro que me ultrapassou pela esquerda (direita, no Brasil), numa estrada de três faixas para cada lado, foi parado mais adiante pela polícia. É claro que não sei se foi esse o motivo, mas parece muita coincidência.
Vimos vários radares fixos e portáteis, e muito policiamento. Mas o trânsito é bem rápido e super-respeitoso. Novamente, não posso generalizar para todo o país, mas foi uma agradabilíssima surpresa. Caminhões e ônibus circulam pela pista mais lenta e sempre dão passagem, inclusive andando parcialmente pelo acostamento. Não sei se entendi direito, mas fiz o que vi vários motoristas fazendo: dar uma rápida ligada no pisca-alerta para agradecer. Achei que faz sentido, pois de que outra forma o carro atrás do seu vai saber que você está agradecendo? Não vi ninguém acenar com o mão para agradecer. E 80% dos carros fazem a ultrapassagem e voltam para a esquerda.
Outra coisa super interessante foi algo que havia notado na Áustria: a sinalização de proibido mudar de pista no caso de entradas nas rodovias. Sensacional, simples e eficiente. Também me chamou a atenção que 99% dos carros não têm nenhum tipo de película nos vidros. Os outros 1% uma bem clarinha — e lá faz um calor, digamos, africano. A questão da segurança também não deve ser motivo, pois Johannesburgo e Pretória tem má fama nesse sentido.
Estacionar também é bem fácil. As marcações na rua são nítidas e cabe com folga um carro — nada de delimitar tudo ao espaço de um Cinquecento como por estas paragens. Algo tão simples!
É óbvio que um par de semanas em algumas cidades da África do Sul não me qualificam para tecer extensos comentários sobre o trânsito naquele país, mas é alentador saber que há soluções simples para uma maior fluidez. Basicamente, tudo se resume a estradas bem construídas, sinalização correta e motoristas bem treinados. Simples assim. E detalhe: pouquíssimos lugares com fiação área, o que permite que se tenham cidades arborizadas, especialmente Pretória (3 milhões de habitantes) e Cape Town (4 milhões). A limpeza das ruas é surpreendente e não encontrei nenhuma pichação. Tem problemas por lá? Claro que sim. Não poderia ser diferente num país que tem 55 milhões de habitantes mas que há somente 22 anos podem frequentar qualquer lugar e que tem um passado tão triste de segregação. A expectativa de vida é baixa, há 11 idiomas oficiais, ainda tem corrupção mas, pelo menos, estão no caminho certo. Tem uma enorme luz no final do túnel desse lindo país.
Mudando de assunto: Pouco tempo atrás escrevi aqui sobre os pontos de ônibus — especificamente sobre o quão mal instalados eles estão. Mas não sabia que podiam ser letais. Pesquisa do Instituto Passarinhar obteve 1.011 registros de impacto em 561 municípios de 21 estados brasileiros de janeiro a julho deste ano. Segundo o instituto, janelas de grandes prédios, pontos de ônibus e painéis de vidro são os maiores predadores de aves urbanas. De acordo com levantamento, 77% dessas colisões terminam em morte imediata do animal. A maior parte das vítimas foram aves que costumam viver em ambientes urbanos — sabiás (21%), beija-flores (15%) e rolinhas (13%). Mas foram registradas ocorrências de espécies de espécies ameaçadas como papagaio-galego, jandaia-de-testa-vermelha, corocoxó e beija-flor-rajado. Ao contrário do que parece, os grandes edifícios não são os maiores vilões dos passarinhos pois 85% dos impactos ocorrem em alturas de até três metros do solo — sendo 32% em estruturas de vidro ao nível do solo, como pontos de ônibus e painéis; e 53% em residências de até três andares. Os outros 15% dos acidentes foram registrados em edifícios de 4 a 11 andares.
NG