Em um recente artigo do Bob Sharp, onde ele comenta a “velocidade natural” , um leitor questionou o que definiria essa chamada “velocidade natural”. Em outras palavras, é a velocidade que, numa determinada via, nos permite uma condução segura e confortável ao mesmo tempo.
Recentemente, em janeiro, o trecho da SP-270 rodovia Raposo Tavares, entre Araçoiaba da Serra e Itapetininga, teve o limite aumentado de 80 para 100 km/h. O assunto repercutiu bastante na imprensa, com reportagens televisivas, ainda reflexo da modificação da velocidades nas marginais de São Paulo. Numa dessas reportagens, a repórter perguntou ao gerente de Segurança e Operação da Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo, autarquia ligada à Secretaria de Estado dos Transportes), Carlos Campos, o porquê da medida: “Achamos que a rodovia tem condições para velocidade regulamentada de 100 km/h, na qual o motorista se sentirá confortável.” O trecho foi duplicado em 2014 mas a velocidade de 80 km/h fora mantida.
Nada mais correto, essa é a palavra, o motorista se sentir confortável em razão justamente da velocidade natural. O Bob Sharp dá um exemplo bem pertinente. Os humanos caminham naturalmente a velocidades de 4 a 6 km/h. Experimente limitar o caminhar a 2 km/h e você verá a chiadeira, as reclamações de que não dá para ficar segurando o passo. Fica estranho e desconfortável.
Os veículos têm que ser considerados nesta análise da velocidade natural. Anos atrás os carros não apresentavam nem de longe as mesmas características de dirigibilidade que vemos hoje. Os freios eram deficientes, erráticos e com frequência sofriam a perda de eficiência por superaquecimento (fading, uma experiência que muita gente nem sabe o que é), isso sem falar nas qualidades dinâmicas de todos os carros atuais, em especial a segurança ativa, a que proporciona ao motorista as melhores condições para evitar um acidente.
Dessa maneira, a velocidade natural é aquela que, um motorista, partindo do pressuposto tratar-se de uma pessoa prudente e moderada em seus julgamentos, desejoso de se manter distante de um perigo ou de um acidente, mas ao mesmo tempo desejoso de chegar no menor tempo possível em seu destino, imprimirá ao seu veículo numa determinada via. E a importância disso é relevante no cálculo da velocidade máxima de uma via.
Regra do percêntil 85
Uma das questões cruciais sobre velocidade natural é: existe uma mesma velocidade natural sempre e igual para todos os motoristas dirigindo todos os modelos de automóveis?
Foi para resolver essa questão que os americanos desenvolveram a regra do “percêntil 85”, que estabelece que a velocidade máxima segura de uma via é a velocidade natural que 85% dos motoristas colocarão em seus veículos em um determinado trecho. Dessa forma a velocidade regulamentada será aquela que 85% dos motoristas dirigirão seus veículos de maneira natural, prudente, evitando acidentes e ao mesmo tempo, sobretudo confortável, buscando reduzir o tempo de tráfego.
Fazem-se testes com motoristas de vários níveis de habilidade e experiência mandando-os dirigir com o velocímetro coberto e assim determinar a velocidade natural e confortável de cada um para o local.
Essa regra é usada em estradas e ruas nos Estados Unidos, todavia o percêntil empregado pode ser menor (usa-se o percêntil 50 quando se trata de áreas escolares e com trabalhadores nas vias). Algumas publicações e textos de especialistas em trânsito americanos falam sempre da necessidade de uma auditoria frequente visando aferir a velocidade estabelecida, se ela está ou não em consonância com a via.
No Brasil não há muitos estudos sobre velocidades máximas de vias. O que existe são padrões internacionais seguidos pelos engenheiros e técnicos, como faz o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte). No projeto de rodovias, contudo, há o que se chama de “Classes de Rodovias” que vai de 0 a IV, cuja velocidade do projeto pode variar de 120km/h, para Rodovias Classe 0 caracterizada como planas (pode ser planas, onduladas e de montanha — mas ai já engloba outros aspectos técnicos) até 30 a 40 km/h em uma rodovia Classe IV (pista simples, tráfego médio diário inferior a 300 carros/dia.
Por sua vez, diferentemente do que se observa no hemisfério norte, há a o pressuposto, por parte dos técnicos, que os motoristas NÃO são capazes de avaliar os riscos a que estão submetidos. Por essa razão, há sempre a revisão para baixo dos limites de velocidade. O avanço tecnológico, na visão distorcida de alguns, pode ser um fator que induza o motorista a um excesso de confiança e a ausência de inspeção veicular (pasmem!) como um fator negativo que assegure o atendimento do veículo aos padrões de segurança.
Dessa maneira, ignorando que a formação de motoristas no Brasil é deficiente (simulador não resolve o problema), que os carros e caminhões hoje são infinitamente mais seguros e estáveis graças a modernos projetos de chassis e suspensões, independentemente de auxílios eletrônicos, os limites de velocidade são sempre revistos no Brasil…para baixo! Há raras exceções, como o caso da rodovia Raposo Tavares acima citado, e de algumas rodovias federais no Rio Grande do Sul.
Soma-se a isso a presença da demagogia e do populismo barato por diversos setores políticos e da imprensa, temos a receita perfeita para sair reduzindo, com “embasamentos técnicos” (de onde? Lembremos que no país não há muitos estudos nessa área) e justificar os caças-níqueis que se tornaram os sem-número de radares instalados em vias, avenidas e rodovias do país, talvez, a forma mais barata de incremento de arrecadação da União, Estados e Municípios sem recorrer a mudanças de lei e atitudes impopulares (muito pelo contrário, há um senso comum diz que é bom multar os infratores).
À guisa de exemplo, até recentemente, na Rodovia SP-300 Marechal Cândido Rondon, no trecho que corta a cidade de Bauru, uma rodovia de pista dupla, sem cruzamentos em nível (todas as ligações cruzando a rodovia são feitos por viadutos) e com um claro distanciamento das áreas urbanas da rodovia, o limite de velocidade foi reduzido, cerca de 10 anos atrás, de 110 km/h para 80 km/h. E como a moda pegou, recentemente o mesmo foi feito em Botucatu, São Manoel (trechos curtos) e Lençóis Paulista, naturalmente que acompanhados de radares de velocidade.
E assim o trânsito brasileiro fica represado, com motoristas dirigindo em velocidades antinaturais, sempre partindo do pressuposto que há somente assassinos em potencial dirigindo carros, uma indústria de multas autuando de maneira intensa e impiedosa, enquanto o dia a dia das ruas continua matando e muito em nosso país.
É importante ressaltar também que os radares de velocidade nas estradas eliminou a fiscalização policial e os postos rodoviários, que outrora serviam de apoio ao motorista. Dessa maneira também acabou aquela fiscalização onde o policial verificava documentos, aspectos externos do veículo e condições mínimas de rodagem (essa sim importante, e não o caça-níquel da “inspeção veicular”) também deixou de existir e acabamos chegando à triste conclusão que, no Brasil, velocidade é usada como justificativa para todos os males do trânsito, o bode expiatório a quem é atribuída toda a responsabilidade da ignorância e da incapacidade técnica de certos profissionais da área, além do mau estado de conservação das rodovias brasileiras.
DA