São três os sistemas básicos que compõem o automóvel:
– sistema que o movimenta
– Sistema que o freia
– Sistema que o direciona
Nesta matéria vamos focar o sistema que o direciona, lembrando sempre o princípio básico da engenharia automobilística que é tornar os veículos mais seguros, fáceis de operar, confortáveis e com relação custo-benefício reduzida. Dinâmica em seu sentido mais amplo significa o estudo do movimento e dos esforços que o originam, posições, velocidades, acelerações, forças e momentos.
Podemos definir a dinâmica veicular em três básicas: a vertical que atua em função das irregularidades da pista, a longitudinal em resposta ao torque aplicado às rodas e a lateral como resultado da atuação no volante de direção.
A dinâmica vertical envolve a isolação das vibrações do chassis/carroceria e principalmente a manutenção do contacto dos pneus com o solo; a longitudinal traduz as variações de atitude do veículo durante as acelerações e desacelerações; e a lateral atua nas características de estabilidade direcional.
O princípio de um bom projeto de dinâmica veicular é aquele feito sem levar em consideração nenhum auxilio autônomo. Em outras palavras, o veículo deve ser seguro e fácil de dirigir em seu estado puro, sem contar com ABS, controle de estabilidade, controle de tração, etc. Todo este pacote vem somente complementá-lo, ou seja, são as cerejas de um bolo bem feito.
É fácil entender se o veículo foi bem projetado dinamicamente. Por exemplo, se o auxilio ABS de antitravamento das rodas acionar a todo o momento, prematuramente, é claro sinal que o sistema de freio não foi bem balanceado em seu estado puro. Da mesma forma, o sistema de controle de estabilidade agindo a todo instante mostra falha de projeto. Lembro-me do Mercedes classe A que em qualquer curvinha tinha seu controle de estabilidade direcional acionado, tirando o prazer de dirigir e mostrando ser um projeto marginal.
Tenho enorme admiração pelos engenheiros de desenvolvimento que com sensibilidade absoluta conseguem deixar o veículo confortável, seguro e fácil de dirigir nas várias situações de rodagem, entendendo que o consumidor não é um piloto e muito menos um especialista na área.
Um bom projeto se inicia na definição/escolha das dimensões e da distribuição de massa do veículo. Distância entre eixos, bitola dianteira, bitola traseira, altura do centro de gravidade e carga nas rodas, são de extrema importância para o comportamento dinâmico resultante.
Existe uma relação simples entre a bitola média e a altura do centro de gravidade, que indica o quão seguro é o veículo em termos de sensibilidade a capotagem. A bitola media deve ser maior que 2,4 vezes a altura do centro de gravidade vertical; quanto maior o numero, maior a segurança.
Quanto maior a distância entre eixos e quanto menor a altura do centro de gravidade, tanto menor é a transferência de carga para o eixo dianteiro em desacelerações e de maneira geral em outras manobras também.
Quanto menor for a variação da força vertical nos pneus durante as provas dinâmicas, tanto melhor é o projeto. Este é um dos princípios básicos da dinâmica veicular.
A força lateral depende basicamente do ângulo de escorregamento, ou deriva, “slip angle”e da força vertical atuante nos pneus, com a mancha de contacto com o solo definindo sua aderência.
A geometria Ackermann faz com que as rodas interna e externa estercem diferentemente de forma a terem o mesmo centro de giro e não “briguem” entre si. Podemos afirmar que não existe geometria Ackermann perfeita onde o giro do veículo está no prolongamento da linha de centro do eixo traseiro. Esse prolongamento é obtido por meio de ângulo do braço de direção em relação à manga de eixo.
O comportamento dinâmico do veículo depende de seu balanceamento em termos de esforços solicitantes e limites de escorregamento. Por exemplo, desvio de obstáculos em curvas, com ou sem aplicação dos freios, pode mostrar a tendência do veículo rodar na pista com escorregamento do eixo traseiro ou sair de frente, requerendo maior ângulo de esterço do volante da direção.
O comportamento de sair de traseira “oversteer”, ou sobre-esterço, é muito difícil de correção e deve ser arduamente estudado durante o desenvolvimento do veículo. Já o comportamento de sair de frente “understeer”, ou subesterço, é de muito mais fácil correção, bastando tirar o pé do acelerador e aumentar o ângulo de esterço do volante de direção. Normalmente os veículos são projetados levemente understeer para segurança e facilidade de dirigir.
Resumindo, em manobras de raio constante, a tendência é neutra quando não é necessário alterar o ângulo de esterçamento do volante de direção em função da velocidade do veículo. A tendência é subesterçante quando o ângulo de esterço aumenta proporcionalmente a medida que a velocidade aumenta, e a tendência é sobre-esterçante quando o ângulo de esterço diminui a medida que a velocidade aumenta.
As situações mais críticas para o motorista são de maneira geral nos desvios de obstáculos em simples e dupla mudança de faixa, onde o veículo deve manter as quatro rodas apoiadas no pavimento durante as manobras e sem apresentar reações bruscas, inesperadas, que possam comprometer a segurança. Desde que iniciei a minha carreira na engenharia veicular, atenção especial sempre foi dada às manobras criticas de mudança de faixa, desviando de obstáculo, por exemplo. Sempre houve testes específicos e um dos mais representativos é a dupla mudança de faixa, onde o motorista desvia de um obstáculo em uma das faixas e também de outro obstáculo na outra faixa, retornando à primeira.
Particularmente a norma ISO 3888-2 — ISO de International Organization for Standardization — normaliza este teste, que tem sido alvo de muitas polêmicas, pois a manobra depende muito da habilidade do condutor do veiculo. Tentativas de usar robôs no lugar do piloto tem sido objeto de discussão e estudos paralelos. A manobra de mudança de faixa dupla é tipicamente realizada em circuito fechado marcado com cones e é utilizada para ajustar a dinâmica de um veículo com base nas avaliações subjetivas de condutores profissionais. Consequentemente, a simulação desta manobra exige um modelo que possa ajustar dinamicamente o volante de acordo com a trajetória do veículo e a resposta de velocidade de guinada em cada espaço de tempo da manobra.
Na entrada da pista o acelerador é aliviado totalmente de modo que toda a manobra é feita com a marcha mais longa engatada e regime do motor de, no mínimo, 2.000 rpm. São medidas as velocidades de entrada e de saída do circuito. A velocidade de entrada tem como valor de referência 60 km/h. Se nenhum cone for derrubado durante a manobra o veículo passou na prova. Na realidade a prova é feita com velocidades crescentes do veículo até que seja subjetivamente aceito ou reprovado.
Outra versão da mudança de faixa dupla é o chamado “Teste do Alce”, similar à norma ISO 3888-2 e que ganhou este nome nos países nórdicos onde comumente estes animais atravessam as pistas, com sérios riscos de atropelamento (aqui os alces dão lugar a cães, gado bovino e gado equino). Este teste, realizado por entidades não governamentais, têm efeito comparativo entre os veículos avaliados por “especialistas” e acabou se tornando um teste passa-não passa, vinculado à mídia, deixando as indústrias automobilísticas de “cabelo em pé” pela imagem negativa que pode acontecer em função de inúmeros fatores, sempre discutíveis por sua parcela subjetiva.
Para a validação dos veículos em termos de capacidade dinâmica, em manobras evasivas, são necessários muitos testes em diferentes condições críticas de utilização, porém, de maneira geral, são muito parecidos entre os fabricantes de veículos, como é o caso dos desvios de obstáculos.
Hoje em dia as simulações em computador indicam com muita confiança o comportamento dinâmico do veiculo em manobras evasivas e também em outras situações criticas, como frenagem em curvas, por exemplo. Importante ressaltar que os esforços dominantes são sempre aqueles originados no contacto do pneu com o pavimento. Os testes envolvendo os limites da dinâmica veicular são feitos praticamente em campos de provas com toda a segurança, por exemplo, com auxilio de apoios limitadores (outriggs ) para evitar capotagem durante as manobras críticas.
Para a validação do veículo em termos dinâmicos, eles devem cumprir testes específicos, com normas específicas, que podem variar entre os fabricantes, porém sempre muito parecidas entre elas, como é o caso dos desvios de obstáculos. Como curiosidade, a Ford mantém uma escola de pilotagem nos Estados Unidos que se utiliza de um equipamento externo ativo que ajuda a identificar se as manobras estão sendo bem feitas, com medições objetivas e controles de segurança para as manobras evasivas.
Enfim, segurança nunca é demais e todos os esforços devem ser despendidos para que o veículo seja um amigo do motorista, facilitando a sua vida em todas as situações de rodagem. Fiz o possível para deixar a matéria de fácil leitura e compreensão para o leitor e espero ter cumprido meu objetivo.
Hoje a homenagem vai para meu amigo Álvaro Costa Neto, engenheiro mecânico e professor da Universidade de São Paulo (USP), especialista em dinâmica veicular e titular do departamento de engenharia de materiais na Escola de Engenharia de São Carlos. Ele tem se destacado em profundos estudos de dinâmica veicular, agregando valor também como consultor na indústria automobilística brasileira.
CM