É claro que não sou a única, mas certamente sou uma das grandes críticas da engenharia de trânsito no Brasil. A toda hora e em todo lugar encontramos exemplos de obras malfeitas, curvas inclinadas que em vez de nos manter na pista nos jogam para fora dela, sinalização deficiente, enfim, os exemplos são tantos que nem vou detalhar tudo desta vez. Mas tem algumas coisas que, sim, são bem projetadas, funcionam bem e, no entanto, são mal utilizadas.
Na maior parte das vezes, as pessoas não sabem como se comportar nas faixas de aceleração e desaceleração. Fico especialmente indignada, pois nos casos em que as autoridades fazem as coisas corretamente os usuários muitas vezes não. Por que cargas d’água tem gente que insiste em entrar numa via rápida em ângulo de 90 graus quando tem uma faixa de aceleração perfeitamente demarcada à sua frente? Por que não continuam andando até poder entrar na pista pretendida? É o caso do carro preto na foto de abertura.
Sou usuária de muitas estradas no estado de São Paulo e na maioria delas, assim como em parte das marginais do Pinheiros e do Tietê, têm faixas de aceleração e desaceleração bastante adequadas. Digo bastante adequadas pois na rodovia Raposo Tavares na altura de Sorocaba o projeto foi excessivamente otimista e deixaram pouquíssimos metros para passar da pista de aceleração para a estrada. Mas, por exemplo, no caso do acesso da ponte Eusébio Matoso para a marginal do Pinheiros sentido Castello Branco há, sim, uma pista com extensão muito razoável. E, no entanto, toda vez que passo por lá acabo tendo de me esgueirar pela direita de algum veículo que teima em empacar e querer entrar na pista da marginal na mesma hora em que desce da ponte. E aí ele para a via rápida, a de aceleração, a alça para a ponte, tudo.
Tem gente que tira carteira e sai dirigindo por aí sem saber se comportar no trânsito. Então, para que fique bem claro, faixa de aceleração é, vejam só, para acelerar. Sei que parece incrível isso num país onde tudo está de ponta-cabeça como o Brasil, mas isto ainda está valendo. E a mesma coisa para a faixa de desaceleração. Mas aí vai uma ressalva: desacelerar não quer dizer parar completamente no meio da pista de desaceleração. Canso de dar de cara nas alças de acesso com motoristas que param totalmente — e desnecessariamente, diga-se de passagem.
Mas, curiosamente, embora nas três fotos que selecionei as faixas de aceleração sejam corretas do ponto de vista geométrico, as duas dentro do texto mostram um erro inaceitável por parte da autoridade de trânsito sobre a via: sinalização de parada obrigatória (“Pare”) antes da faixa de aceleração. É um reforço à má educação de trânsito dos nossos motoristas. E nessas mesmas fotos o absurdo de colocar barreiras para os motoristas não invadirem a marcação de solo.
A faixa de desaceleração é aquele espaço adicional para frenagem de veículos na saída de vias com grande fluxo, velocidade ou ambos — assim como perto dos retornos. A de aceleração é igual, só que para a finalidade oposta.
Para entender como funcionam devemos lembrar que numa via rápida o movimento é realizado em alta velocidade — ora pá, diriam meus amigos lusitanos, senão estaríamos a falar de vias lentas. Mas pelo que se vê na prática, nem todo mundo entende assim. Quem entra numa via rápida tem de fazê-lo de forma a se integrar, incorporar-se ao fluxo de trânsito. Não pode interrompê-lo. O problema é que no Brasil algumas vias de aceleração ou desaceleração são extremamente curtas. Já comentei aqui, e postei fotos, de como isso é bem feito nas estradas por onde dirigi na África do Sul. Impressionante. Comprimento das vias correto, sinalização impecável e, ainda por cima, algo que já havia visto na Áustria: sinalização de faixa contínua ao lado de uma pontilhada na pista para evitar que quem trafega pela pista mais rápida vá para a mais lenta justamente quando há uma via de aceleração ou desaceleração. Perfeito e de uma incrível simplicidade mas que serve, e muito, para organizar a fluidez do trânsito.
Países como Estados Unidos e Canadá pesquisaram exaustivamente as distâncias necessárias para a convergência e divergência do trânsito. Ambos gostam de sistematizar as coisas (o que pode ser muito bom, especialmente quando falamos de coisas bastante exatas) e criaram uma metodologia de cálculo para se estipular as distâncias. Eles concluíram que o que determina os comprimentos necessários de convergência e divergência não depende do “greide” da via, isto é, da série de cotas que caracterizam o perfil longitudinal de uma via, mas sim da velocidade da via principal. Assim, o fator de convergência tem uma relação direta com a aceleração assim como o fator de divergência com a desaceleração. Parece óbvio, não? Infelizmente não é o que vemos no Brasil, onde as coisas parecem ser menos precisas. Tem lugares em que acho que o único cálculo feito é o espaço disponível a simples vista, sem que sejam feitas realmente as contas necessárias para saber se essa distância permite uma convergência ou divergência segura ou não.
E para quem andava sentido falta das minhas fórmulas, aqui vão duas. Minhas não, que eu não teria chegado a esta conta, mas vamos lá. Como vocês sabem, adoro embasar meus argumentos.
Traduzindo em fórmulas e já fazendo as correções para metros em vez de milhas, a distância de Convergência (Dconv) em metros é calculada assim:
Dconv = 1,9 x V
onde
V = velocidade em km/h
Já a Distância de Divergência (Ddiver) em metros é calculada:
Ddiver = 1,5 x V
onde
V = velocidade em km/h
Mas é claro que o motorista não precisa saber disso. Faço isso apenas pela minha mania montessoriana de querer aproveitar qualquer oportunidade para aprender ou ensinar algo. Ao motorista basta saber como se deve dirigir e como se comportar na faixas de aceleração e desaceleração. Simples, não?
Mudando de assunto: Farei mais um intervalo nas minhas escrevinhações. Volto no dia 31 de maio. Certamente eu sentirei falta de vocês, caros leitores, e espero que vocês também sintam minha ausência. Até lá.
NG