O título da obra é relativamente estranho. O homem que supercomprimiu Bond. Como assim, supercomprimir uma pessoa? Chama atenção, e foi assim que me interessei pelo livro e descobri esse personagem importante na história do automóvel.
O livro de Paul Kenny foi publicado em 2009, e conta com muitos detalhes a vida e obra de Charles Amherst Villiers (1900–1991) engenheiro inglês de família abastada, casado com uma mulher de família mais abastada ainda. Era primo de Winston Churchill, primeiro-ministro britânico, a primeira vez de 1940 a 1945, portanto durante a Segunda Guerra Mundial, outra de 1951 a 1955. Talvez o sossego monetário de Villiers tenha influído muito positivamente em sua criatividade.
Seu trabalho com automóveis começou de fato nas provas de subida de montanha, com o amigo e piloto Raymond Mays, um dos fundadores da futura equipe BRM. Algumas raras ocasiões o viram participando como piloto também, mas sem nenhum bom resultado. Ele não era desse lado da história, a de fazer os carros andarem sob seu comando, mas sim, da criação e construção de modelos velozes, quase sempre resultando em potências muito maiores que as originais. Onde colocou o cérebro e as mãos, os cavalos chegaram.
Suas ideias e ações foram expansivas, indo do projeto e fabricação de compressores, trabalho pelo qual ficou mais conhecido, mas chegando até pinturas que estão expostas no London National Portrait Gallery. Era, na total definição da palavra, um artista nato, já que também não tinha habilidades de administração e negociação, assuntos e problemas dos quais ele fugia, e deixava na maior partes das vezes para Mays.
Começou seu aprendizado com automóveis modificando Vauxhalls, com o mais potente deles vindo a ser batizado Villiers Supercharge. Com vários componentes projetados por Villiers, o carro era feito pensando nas competições de subida de montanha na Grã-Bretanha, tipo de competição muito popular com o público e pilotos, e fértil campo para a criatividade de mecânicos, engenheiros e entusiastas dos carro rápidos.
Na foto abaixo, é mostrado um teste com o carro, quando se concluiu que deveria ser instalado um rodado duplo na traseira, dois pneus em vez de um de cada lado, pois a potência obtida não podia ser aproveitada com o arranjo original. Ao volante, Peter Berthon, que seria o sócio de Mays na futura equipe BRM, por eles fundada.
Partindo depois para os velozes Bugattis, Amherst alterou o motor de um Type 13 Brescia, realizando modificações que fizeram a rotação máxima de ir de 4.000 para 6.000 rpm. A principal delas um novo comando de válvulas, desenhado para mais rotação. Esse comando teve seus ressaltos desenhados à mão e fabricados da mesma forma, testando-se na prática até ficar como o engenheiro e seu parceiro queriam. Com mais rotação, os mancais de apoio da árvore de manivelas, na frente do motor e no lado do volante, duravam pouco. Havia falta de lubrificação nesses componentes. Para resolver, Amherst criou pequenas peças triangulares parafusadas que formavam uma armadilha para o óleo, atuando como uma câmara onde a pressão mantinha sempre um pequeno volume circulante, que “vazava” para os mancais, eliminando o problema.
Instalando-se em novo trabalho, Villiers projetou o Napier-Bluebird II, carro com o qual Malcolm Campbell atingiu o recorde de velocidade em terra em 1927. A média de passagens em dois sentidos foi de 281,45 km/h, com velocidade máxima de 314 km/h. Ao final da construção e antes das tentativas de recorde, Villiers foi dispensado por Campbell, nunca recebendo uma libra esterlina pelo trabalho.
O milionário Jack Kruse pagou em 1927 o hoje equivalente a quase um milhão de dólares para Villiers instalar um compressor em um Rolls-Royce Phantom, chassis 31HC. O carro custava um oitavo desse valor (2.000 libras esterlinas ante as 16.000 gastas com a modificação). Não um simples compressor, mas um movido por um motor próprio, de quatro cilindros e 625 cm³. O conceito vinha de aviões, que usavam o sistema independente de compressor com motor próprio, tornando mais simples a ligação com o motor de propulsão, já que apenas mangueiras ligavam um ao outro.
Originalmente o carro alcançava 130 km/h, e num ensaio na pista de Brooklands, pilotado pelo já experiente Tim Birkin, o Rolls-Royce andou várias voltas entre 151 e 174 km/h de média. O carro foi depois de um tempo comprado por Amherst por preço bem baixo, já que Kruse simplesmente se cansou do RR, e usado até 1938, quando depois de vendido, desapareceu.
O livro detalha como o conjunto motor e compressor, removidos do carro, foram encontrados quase sete décadas mais tarde na Inglaterra, e o carro na Austrália, rebocando planadores por 25 anos.
Mas Birkin, maravilhado com o carro, mostrou a criação a Walter Owen Bentley, visando um carro mais potente do que era o 4,5 litros, já nessa altura vencedor em Le Mans. W.O. Bentley era adepto do aumento de cilindrada para mais potência, e não de compressores, e rechaçou a ideia. Birkin resolveu custear o projeto, e sem mais perder tempo com o dono da fábrica, contratou Amherst para o trabalho.
O resultado da parceria culminou no carro com o qual Charles Amherst Villiers ficou verdadeiramente famoso no meio automobilístico. O objetivo era fazer do 4,5 litros um carro vencedor de corridas. Em 1929 ficou pronto o primeiro Blower Bentley, com a potência do quatro-cilindros subindo de 177 para 245 cv. Birkin bateu o recorde da pista de Brooklands, e apenas mais 54 carros desses foram construídos. Como numa profecia de Walter Bentley, o 4,5 litros comprimido nunca venceu uma corrida importante, mas a velocidade, o som do motor e o valor que os carros atingiram no mercado são lendários.
Num mundo bem mais simples e mesmo com divulgação de notícias muito mais lenta do que hoje, o desempenho dos carros ficou famoso rapidamente, e Ian Fleming, o criador de James Bond, colocou seu agente dirigindo um Blower Bentley nas três primeiras histórias publicadas, bem antes do cinema tornar a obra mundialmente famosa. Nos livros, o Bentley era o único hobby de Bond. Daí vem o título do livro. Fleming foi amigo próximo de Amherst por toda vida.
Projetou um motor aeronáutico, batizado de Amherst Villiers Maya I, nome de sua primeira esposa. Não entrou em produção normal, sendo testado primeiro num B.A. Eagle e depois em um avião de seu projeto, o Miles Whitney Straight, um monomotor leve.
Foi piloto de entrega de aeronaves (ferry pilot) durante a Segunda Guerra Mundial, e essa atividade o colocou mais em contato com a aviação, levando-o depois a ir para os EUA, onde trabalhou na indústria aeroespacial por duas décadas, e lá mesmo, com mais tempo livre do que quando era mais jovem e tinha Raymond Mays por perto o instigando a fazer motores e carros cada vez mais potentes, comprou um Bentley com seu compressor e o restaurou à condição original.
Quando mal se sabia o que viria a ser o Concurso de Elegância de Pebble Beach para a importância dos clássicos, Villiers levou seu carro para lá e venceu o primeiro prêmio, em 1966, provando mais uma vez que suas habilidades eram manuais, além de mentais.
Pintou retratos de Graham Hill, Ian Fleming e João Paulo II, que estão expostos no National Portrait Gallery, em Londres, além de vários outros cartazes e pôsteres para provas de subida de montanha.
O livro não tem detalhes técnicos a ponto de deleitar o mecânico entusiasta ou os engenheiros, mas uma boa dose de explicações bem escritas. Os aspectos da vida de Amherst, mostrando como ele transitou tão bem por setores diferentes da técnica humana são bem profundos, e seus problemas como pessoa também foram abordados, sem aprofundamentos exagerados.
Uma belíssima obra sobre mais um grande nome da evolução dos automóveis.
JJ
Fotos: themanwhosuperchargedbond.com, exceto onde indicado.
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