Atenção, caros leitores, spoiler: não, não pulei de bungee jump na Nova Zelândia. Confesso que até agora estou um pouco arrependida, mas o sentimento tem mais a ver com meu medo do que com o fato de não ter saltado. Gostaria mesmo é de ter tido coragem. Fui até o lugar mais famoso, nos arredores de Queenstown, mas desde o Brasil já sabia que não saltaria. Para meu consolo, meu marido disse que mesmo que eu quisesse ele não deixaria. Tendo em vista que ele nunca me proibiu qualquer coisa, preferi me esconder atrás dessa desculpa do que tentar superar meu medo. Mas, cá entre nós, reconheço que sobrou foi mesmo medo. Tem muitas opções, desde 40 metros de altura até quase 140. Mas não cheguei sequer a reservar um nem outro — e olha que em termos de coragem há poucas coisas que me assustam. Bem, essa é uma.
Dito isto, vamos à linda viagem que fiz. E não desanimem, pois teve muita aventura. Conheço várias pessoas que foram à Nova Zelândia e a maioria esteve em boa parte dos mesmos lugares que eu. Mas diria que cometeram um grave pecado: foram de avião de uma cidade à outra. No caso deste lindo país não são apenas os destinos que valem a pena — a viagem em si é ainda mil vezes melhor. Por exemplo, Christchurch. É uma bonita cidade da ilha Sul, infelizmente devastada por um terrível terremoto em 2011 e que até agora tenta se reerguer. Semanalmente são gastos 100 milhões de dólares neozelandeses (R$ 238 milhões) nas obras. E isso já faz seis anos! É bonita? Sim, apesar da gigantesca quantidade de canteiros de obras. Mas chegar de carro, como nós fizemos, vindo de Mount Cook e partir em direção a Arthur’s Pass é simplesmente indescritível. Quem chega e sai de avião perde paisagens de tirar o fôlego, e muito diferentes umas das outras.
Dirigir naquele país, que é 20.000 quilômetros quadrados maior que o Estado de São Paulo inteiro, não é difícil. Claro que andar na mão inglesa requer um mínimo de treino mas a adaptação é rápida. Para mim a dificuldade é sempre entrar numa rotatória pela esquerda se não tenho carros à frente pois a falta de referência me tira frações de segundos. E por lá há muitas, mas muitas, rotatórias. Fazer baliza também exige alguma habilidade, mas apesar dos quase 4.000 quilômetros percorridos, devolvemos os dois carros sem nenhum risquinho. No máximo, eu descia para ajudar meu marido na sinalização. Mas, claro, também tínhamos alugado carros muito maiores do que os nossos de praxe — nos dois casos, suves, um RAV4 e um Captiva. E, mais uma vez, sistema métrico decimal e todas nossas escalas – ou seja, quilômetros, graus Celsius. O pacote completo. Eba!
Tenho um amigo que mora no norte da ilha Sul — casado com uma neozelandesa há muuito tempo, mudaram-se para lá há dois anos. Ele me ajudou muito no roteiro, assim como um dos irmãos, que mora no Brasil e foi visitá-lo recentemente. Ambos insistiram muito em que deve-se calcular os deslocamentos com muita folga. Assim, 100 quilômetros nunca, nunca, serão percorridos em uma hora, ainda que essa seja a velocidade máxima na maioria das estradas.
Em primeiro lugar, elas são de pista simples, sem acostamento como a da foto – exceto alguns quilômetros na saída de Wellington e nas proximidades de Auckland, a maior cidade do país. Subidas e descidas são uma constante também. E curvas. Muitas curvas, algumas verdadeiros cotovelos — especialmente o caminho Crown Range Road entre Queenstown e Wanaka. De fato, só os estômagos mais fortes conseguem sair invictos desses percursos. Mas, quem liga para isso quando as vistas são fantásticas? E, claro, pode-se encontrar um caminhão ou mesmo um carro mais lento adiante, daí que os tempos são realmente diferentes por lá. Na ilha Sul nem tanto, mas na Norte foi muito frequente que nos dessem passagem rapidamente. Vários trailers e caminhões foram para o acostamento apenas para que nós passássemos.
Todas as estradas têm placas das autoridades rodoviárias informando que “as estradas na Nova Zelândia são diferentes. Permita-se mais tempo”. Nada mais verdadeiro. De Queenstown a Milford Sound, que são 280 quilômetros, levamos cinco horas para ir e outro tanto para voltar. E praticamente não paramos justamente porque fizemos um bate-e-volta de um dia.
Meu amigo Fermín também me avisou para calcular tempo extra para parar nos muitos mirantes que existem para curtir a paisagem. Eles são muito bem sinalizados, ficam nos melhores locais, muitos tem bancos e mesas e mesmo banheiros — ainda que só isso, pois estamos falando de natureza plena e selvagem. Outra grande recomendação foi abastecer o carro sempre que encontrasse um posto de gasolina. Passam-se uma centena de quilômetros ou mesmo mais sem encontrar uma única bomba de combustível. E infelizmente não há avisos como em outros países dizendo que o próximo posto fica a X quilômetros de distância.
A gasolina, como quase tudo por lá, é cara para nossos padrões. Geralmente pouco mais de 2 dólares neozelandeses (R$ 4,75) o litro da 91 octanas. As de 95 e 98 octanas são um pouco mais caras, 4% e 8% mais, respectivamente, mas usamos a de 91, os motores permitiam, estava informado num adesivo na portinhola do tanque. Portanto viajar de carro é uma opção cara e mais lenta. Mas repito, vale cada centavo e cada minuto. Eu sugeriria encurtar o número de destinos, mas não mudar o meio de transporte.
A partir de muitos mirantes saem lindas trilhas para fazer a pé ou de bicicleta — tanto que é comum encontrar carros parados nesses lugares por horas a fio. Nós mesmos fizemos isso em alguns lugares, inclusive para ir conhecer uma caverna em Canterbury — não sem antes encomendar nossas malas a diversos santos, Shiva, Maomé e outros deuses. Deixar coisas no carro não é algo com o que estejamos acostumados, infelizmente.
Embora a velocidade máxima seja geralmente 100 km/h, há placas provisórias em casos de obras — muito comuns, por sinal, dado que manutenção rodoviária é algo levado muito a sério por lá e necessária, pois se uma única pista ficar interditada os inconvenientes são inenarráveis. Mais uma vez, sinalização perfeita. As placas indicam “temporariamente 50 km/h” por exemplo, e assim que a obra termina há uma que indica a volta à normalidade.
Outra coisa de uma simplicidade incrível e utilidade idem é a indicação de velocidade máxima nas curvas. Se uma determinada estrada a velocidade máxima é 100 km/h mas há uma curva fechada, há placas que indicam 75, 85 ou mesmo 30 km/h, como nos cotovelos da Crown Range Road ou o recorde que vimos de 15 km/h perto de Punakaiki. Ou seja, não se reduz a velocidade em toda uma estrada nem num trecho — apenas na curva. E todas as curvas tem essa indicação de velocidade.
Achei pitorescas as placas que avisam que logo adiante há um trecho de alto índice de acidentes e metros à frente a curva tem placa de 85 km/h. Deduzo que eles não consideram que 85 km/h seja uma velocidade perigosa, não? Enquanto isso, no Brasil… deixa pra lá.
Apesar de as estradas serem de pista simples, a maioria das pontes é de faixa única (foto de abertura). Mais uma vez a sinalização é impecável. Com uma distância mais do que prudente, o motorista é avisado, e logo depois lembrado, de que a ponte é pista única e que deve-se parar num determinado lugar. Um lado sempre tem prioridade sobre o outro mas não é fixo – depende da topografia, o que faz todo o sentido. E de cada lado da ponte há duas setas, uma apontando para cima (seu sentido) e outra para baixo (sentido oposto). A vermelha indica que deve-se dar a prioridade. A branca que se tem prioridade. Mas ambos os lados devem parar num ponto determinado pois pode haver alguém já atravessando a ponte. E elas são realmente estreitas. Vi várias vezes caminhões e trailers passarem muito, muito perto das laterais. E tem muitos e não descarto alugar um numa próxima viagem. O lugar é super adequado para isso, embora as pontes não o sejam.
Outra coisa notável é o respeito a quem está dentro da rotatória. A prioridade é dele sempre, e, claro, de quem vem pela direita. É algo mais do que sagrado. Diria até que deve ser o décimo-primeiro mandamento. Em tanto tempo andando pela Nova Zelândia não vi um único caso de desrespeito. Lembrei de Brasília anos atrás…
Quanto aos números, claro que o país é relativamente pequeno. Para 270.000 quilômetros quadrados são somente 4,5 milhões de habitantes. Mas em abril de 2017 (sim, eles têm dados super atualizados!!!), as autoridades de trânsito registravam 4.920.000 veículos. Desse total, podemos excluir 28.300 ônibus e 45.000 tratores, máquinas agrícolas e veículos que não podem rodar nas estradas. Ou seja, sobram ainda 4.846.000 veículos entre carros de passeio, vans, suves, trailers e motos. E para manter a comparação com os outros países que visitei, em 2015 a Nova Zelândia inteira registrou 6,9 mortes por 100.000 habitantes. Não custa repetir que no Brasil são 23,4 mortes e não chegamos nem perto desse índice de um veículo por habitante.
O que vi foi um tremendo respeito pelas normas de trânsito. Rodamos muito, desde Queenstown até Auckland, ou seja, as duas ilhas de ponta a ponta e ainda por cima em ziguezague. Chegamos a fazer um desvio de 500 quilômetros somente para ir até Punakaiki ver as lindas pedras panquecas — uma formação rochosa fantástica e onde vimos um pôr do sol memorável — daqueles que teriam valido a viagem por si só. Ou seja, andamos realmente muito por esse lindo país. Como disse meu amigo Javier, “ir lá mexeu com meus alicerces. E não foi um terremoto, não”. Comigo aconteceu algo assim também.
Outra coisa simples mas muito eficiente é colocar a sinalização dos dois lados da estrada, no mesmo sentido. Ainda que a pista seja simples, ter placa à direita e à esquerda com a mesma indicação ajuda muito (ver a primeira foto). No Brasil canso de perder alguma indicação porque algum caminhão me encobriu a única placa que havia. Lá, como dá para ver nas fotos, tudo é colocado dos dois lados.
Em Auckland pegamos o único congestionamento de verdade — ainda assim, nada para os padrões paulistanos. E eles usam um sistema simples e eficiente para controlar a entrada de veículos na autoestrada: um semáforo na pista marginal que limita a entrada de veículos (foto 7). E “solta” apenas um por vez. Assim evita-se ficar com as duas pistas paradas, a expressa e a marginal.
Vi motoristas dirigindo rápido quando se podia, mas sempre com muita, muita prudência. Carros bem conservados, estradas idem (embora nada de highways ou freeways). Pelo visto, eles deixam a aventura para outros locais. E adoram aventura, vida ao ar livre e, claro, rugby. E por falar em aventuras, falhei no bungee jump mas fiz outras maluquices. Amei andar no Shotover Jet, uma lancha rápida que vai a 90 km/h num rio com pouca água, dentro de um cânion, tirando finas das montanhas aos lados. Quando digo fina sei do que estou falando. Eu estava na primeira fileira (sempre, né?), do lado de fora, e as pedras não estavam muito além de um metro de distância da minha cabeça. E o piloto ainda dá giros de 360 graus. Uns 10 ou 12 num passeio de uns 20 minutos. O barco em si é um primor de engenharia, desenvolvido por neozelandeses nos anos 1930 a partir de um problema concreto: como navegar com pouca água e muita pedra? Hélice, é claro, não serviria. Eles então desenvolveram um motor a propulsão que suga a água por um lado e a expele por outro. Simples assim. E muito eficiente. Mas o piloto merece os louros. É profissão para poucos e muito, muito experientes. Engraçado é que o nosso dirigia a maior parte do tempo com uma mão só. Fazia parecer tão fácil!
Outro passeio legal embora menos arriscado é dirigir os carrinhos do “luge” da montanha de Queenstown — bem simples, uma mistura de kart com carrinho de rolimã com uma barra que se empurra para a frente ou para atrás para acelerar ou frear. Descemos três vezes, mas numa delas simplesmente começou a nevar logo no início da descida. Eu parecia o Kimi Räikkönen, mas sem a habilidade dele para derrapar no gelo. Aliás, derrapei, saí da pista… o combo completo. Assim como os outros que estavam na pista naquele momento. Mas adorei cada minuto.
O resto foi muita, muita trilha. Subimos montanha, fomos ver glaciar (a pé), lagos no alto de montanhas. O duro depois de subir até o alto da pedra mais alta em Castle Hill é que nós dois estávamos lá em cima e não havia ninguém para registrar nossa façanha. Bem, o que importa para mim é que fomos até lá. Quebrei várias vezes as unhas das mãos, mas não lamentei nem por um segundo. Problema da manicure na volta…
Provavelmente o mais desagradável de se dirigir por aquelas paragens é a confusão com as alavancas de seta e de limpador de para-brisa. Assim como na África do Sul, em cada carro ficam de um lado. Nada é padronizado. Meu marido resmungou muito com isso, principalmente quando queria ultrapassar um carro, o espaço era curto e tinha de sinalizar. Bingo! Ligava o limpador de para-brisa. E na volta no Brasil continuou a confusão por uns dois dias. Mas toda viagem tem algo folclórico, não?
E aqui vai um parêntese. Provavelmente, uma foto minha em Rotorua está no Facebook de um chinês. Ou pelo menos espero eu que esteja, no máximo, num Facebook e não num site duvidoso. Estávamos num parque e pedi para meu marido tirar uma foto minha na frente de uma casa típica maori. Quando estava me colocando perto da porta apareceu um sujeito que parecia chinês (há muitos, muitos orientais por lá) que me disse algo que obviamente não entendi. Ele chegou mais perto, me puxou pelo braço e me colocou em outro ponto da casa. Em seguida, bateu com a mão na soleira e disse algo. Como eu continuava sem entender, empurrou meus ombros para baixo para que eu sentasse no degrau. A essas alturas da confusão, meu marido disse para eu fazer o que ele me indicava pois estava me colocando no melhor ângulo para uma foto. OK, então. Obedecê-lo-ei, pensei na hora. Os safanões (apesar de educado o sujeito era um armário de grande e eu sou francamente pequena) e as frases incompreensíveis continuaram por mais um minuto até que ele considerou que eu estava no lugar correto. Aí meu marido se adiantou para tirar minha foto e o chinês passou na frente dele e tirou uma – com a própria câmera! Assim como chegou, foi embora. E nós continuamos sem entender nada.
Mudando de assunto: o circuito de Fórmula 1 do Canadá é dos meus favoritos. Gosto de pistas em parques e o traçado deste me é especialmente agradável. Mas espero estar enganada e que o Kimi Räikkönen tenha realmente errado e que a estratégia de troca de pneus da Ferrari tenha sido algo sem segundas intenções, mas receio que o excelente Vettel esteja se convertendo em mais um Michael Schumacher: habilidoso como poucos, fantástico piloto, mas mimado a ponto de bater o pezinho para que façam as vontades dele. E o Alonso? Briga e é grosseiro com a equipe em rádio ouvido por muitos milhões de pessoas, mas depois se joga no meio do público. Vá entender.
NG