Tem gente que diz que é culpa da nova geração que tem preguiça de escrever. Outros alegam que o Twitter, com sua limitação de pouco mais de uma centena de caracteres, é que provocou isto. Fato é que estamos cada vez mais rodeados de abreviações, acrônimos e siglas. Confesso que às vezes tenho dificuldades em ler alguns comentários postados no Facebook ou mensagens recebidas pelo WhatsApp. “Vj q qq msg pd ser lida. SQN”. Beleza! Nota 10 em interpretação de texto para mim.
O que muita gente se esquece ao escrever é que nosso cérebro trabalha com mapas mentais, nos quais uma coisa leva à outra. Assim, há coisas que podem ser omitidas pois o caminho no mapa já está traçado quase automaticamente (“Ler mais” com hiperlink em vez de “Clique aqui se quiser ler mais”) e outras que não — ou que demandam mais tempo do leitor para adivinhar o que quem enviou a mensagem quis dizer, como no exemplo acima. Claro, fica mais fácil e rápido para quem envia, que transfere o abacaxi para quem recebe, que passa a demorar mais porque tem que criar os caminhos desses mapas mentais.
Há um tempo para que o receptor leia e entenda a mensagem e isso depende de essa abreviação (ou símbolo) estar bem instalada em seu cérebro. É fácil para um químico associar H2O2 a peróxido de hidrogênio, a popular água oxigenada. Mas tente explicar isso a um leigo. É mais lógico escrever por extenso á-g-u-a o-x-i-g-e-n-a-d-a. Então, porque tem gente que teima em exagerar nas siglas? Para mim, em muitos casos é apenas para parecer que faz parte de um grupo fechado, como se fosse uma seita, na qual apenas eles têm o conhecimento.
Pensem numa discussão sobre carros. OK que estamos falando de um hipotético grupo fechado, mas ainda assim. E um parêntese: o tão conhecido OK, cuja origem é totalmente incerta, poderia ser uma sigla da corruptela orl korrekt do inglês falado nos Estados Unidos nos anos 1840. Ainda assim, vejam a sopa de letrinhas: ABS, ESP, 4WD, EAS, DOHC, MPI, Mi, EPS, SUV, CFC, EFI… e paro por aqui para não ter uma indigestão.
Entendo que o fabricante coloque nos botões a abreviação pois não haveria superfície capaz de caber “antilock braking system”. Imaginem o tamanho do painel… E quando não dá para colocar um ícone, paciência, vamos de sigla mesmo. Mas por que essa linguagem nas concessionárias e nas oficinas? Sem mimimi que quem me conhece sabe que não gosto, mas precisam usar essas siglas com quem é leigo? Nem todo mundo domina fluentemente todas as siglas. Nem precisa. Basta saber usar — quando ligar ou desligar o ESP, por exemplo e como ele funciona. Mas ninguém precisa decorar a sigla, até porque para isso precisaria saber um mínimo de inglês. Outro exemplo: basta saber que o ABS é um sistema que impede que os freios bloqueiem as rodas em caso de frenagem brusca. Pronto. Precisa saber que é “antilock braking system”? Na minha opinião, não. Da mesma forma que sei que AMG é uma divisão de carros da Daimler AG (Mercedes-Benz), mas por mais que me esforce sempre tenho que consultar o dr. Google para saber que significa Aufrecht Melcher Grossaspach. E olha que estudei seis anos de alemão!
É claro que ajuda se se tem conhecimento de outros idiomas e é mais fácil decorar, mas no meu caso nem isso, pois tenho uma incrível facilidade para confundir siglas. Acaba sendo mais fácil decorar a função do que o significado em alguns casos menos usados. Mas, claro, depende dos mapas mentais de cada um e da capacidade de memorização. Assim como ainda me lembro o telefone da primeira casa de uma das minhas avós (algo absolutamente inútil, óbvio) com muita facilidade esqueço o número do meu próprio telefone. E sim, já sei que Alzheimer se caracteriza pela perda da memória recente e por manter a antiga, mas como é apenas isso e não me encaixo nos demais parâmetros acho que não preciso me preocupar. Preocupar com o quê, mesmo? hehehe. É que minha memória é meio RAM, mesmo. Xii, olha aí outra sigla!
Também há um excesso de siglas. Não acho que seja necessário falar AC para ar-condicionado. É tão difícil assim dizer “ar-condicionado”? Não, né? É como repórter de televisão dizer que houve um acidente no “caeme trinta”. Não dá para dizer “quilômetro trinta”. Alguém fala siglas? Se ler siglas já é meio ridículo, falar então… Quando falam em delegacia então! Mencionam a “65 depê”. Desconfio, para não dizer que tenho certeza, que não sabem que existe um tal de numeral ordinal que eu aprendi ainda na mais tenra idade e que me faz dizer “sexagésima-quinto delegacia policial” porque também ninguém é obrigado a adivinhar o que é “DP”.
E quando os jornalistas televisivos pronunciam o impronunciável? Caso muito comum é o DNIT, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, sigla essa que não pode ser pronunciada. Não? Eles dão um jeito e pronunciam na cara-dura denit. Será que confundem com o acrônimo Fenit, a Feira Nacional da Indústria Têxtil?
Também acho exagero falar em ACC do carro. É o Adaptive Cruise Control, para mim erradamente chamado de “piloto automático” aqui no Brasil. Não poderia ter esse nome pois nem de longe tem as funções de um piloto. Ele apenas mantém constante a velocidade do carro exceto se o motorista pisa no freio ou no acelerador, ou se o carro à frente diminui a velocidade — daí o “adaptive” — e assim a altera.
Sinceramente, acho que temos tanta coisa para lembrar que deveríamos lembrar aquilo que é necessário ou que queremos. É tanta senha, dado, informação que às vezes gostaria de escanear meu cérebro e limpar coisas que não preciso lembrar — como o telefone da minha avó. Tenho tentado não usar meus bits e bites para aquilo que não é necessário, embora continue gostando de exercitar minhas lembranças e tenho orgulho da minha memória quase prodigiosa. Ainda lembro de todas as preposições em espanhol (e em ordem alfabética), da letra da Marcha de San Lorenzo inteira, dos primeiros parágrafos do Martín Fierro e sei lá quantas outras coisas que por incrível que pareça em algum momento me foram úteis. Ou apenas porque gosto. Acho linda a cadência da Marcha, assim como a poesia do Martín Fierro.
Por sorte, e bom senso dos fabricantes, os manuais dos carros ainda são bem explicados. Em sua maioria. Tem a sigla, para rápida identificação do painel, o significado e a explicação. Aleluia! O problema é que pouca gente lê o manual do carro. Mas aí já não é culpa do fabricante, da concessionária nem sequer do mecânico.
Mudando de assunto: Recentemente, o editor do AE Daniel Araújo e o editor-chefe Bob Sharp escreveram sobre a mais recente ideia da Prefeitura de São Paulo para o trânsito: usar as multas como lastro para emitir debêntures. Sem querer ser repetitiva, não posso me furtar de comentar esse assunto — até porque já disse que não tenho prefeito de estimação nem administração que não vá criticar quando acho que devo fazê-lo. Independentemente das demais questões abordadas no texto, gostaria de lembrar que toda vez que se atrela despesa a receita flutuante e incerta o resultado é desastroso, para dizer pouco. Pois presumo que a arrecadação com multas não seja realmente fixa. Pode-se estimar uma média, mas na verdade deveria ser objetivo de qualquer administração sua redução — não pela menor emissão pura e simples, mas pela redução do número de infrações cometidas e, por óbvio, de acidentes. Se projetamos uma arrecadação de multas igual estaremos implicitando que não haverá melhorias no comportamento dos motoristas nem no sistema viário que façam com que os condutores não cometam infrações — seja porque não podem, seja porque não há necessidade. Exemplificando: sinalização adequada faz com que nem passe pela cabeça do motorista fazer retorno proibido, pois ele simplesmente nem terá necessidade de fazer isso pois estará claro onde ele tem de fazer o retorno. Ou sinalização de velocidade clara e adequada da via evitará que o motorista ande acima da velocidade, pois cada via tem uma velocidade natural que qualquer motorista medianamente treinado percebe e consegue acompanhar. O Rio de Janeiro sabe muito bem o que é atrelar despesa fixa a receita futura flutuante e incerta. Fez isso ao vincular 75% dos royalties do petróleo do pré-sal à educação. Fixou uma porcentagem com o barril de petróleo a US$ 110 mas dois anos depois ele estava cotado a US$ 28. E, ainda assim, nem sequer a porcentagem prometida foi para educação.
NG