Os chefes de estado normalmente pensam em coisas muito diferentes de criar automóveis, mas alguns gostam do assunto. Quando se falava de Muamar Kadafi (1942-2011) qualquer coisa era possível.
O ex-ditador da Líbia recentemente foi lembrado ao voltar às notícias aqui no Brasil, quando um dos presos na Operação Lava Jato revelou que cerca de 1 milhão de dólares de dinheiro daquele governo do norte da África patrocinou parcialmente a campanha de um presidente brasileiro, de lamentável história e legado; a verdade ainda não foi apurada, aguardemos.
Esse líder autoritário que governou a Líbia de 1969 a 2011, quando foi morto depois de longos conflitos com revolucionários cansados do ditador, pensou por volta de 1999 que o seu povo, ou ao menos os que pudessem pagar, deveria estar seguro ao andar em um carro genuinamente líbio.
Dessa forma, com o conhecimento que tinha e um pouco de ajuda, concebeu a ideia de um carro em forma mais ou menos aproximada de um torpedo, com um para-choque dianteiro afilado ao centro e em ângulo para as extremidades para fazer o carro resvalar e desviar dos obstáculos no qual viesse a se chocar. Um conceito totalmente diferente do usual, onde o trabalho de absorção de energia pelo conjunto completo do carro é o que se entende como o mais eficiente, pelo menos até agora.
Domenico Morali, que administrava a empresa italiana Tesco TS SpA, sediada em Turim, disse que o ditador líbio participou bastante das discussões a respeito do desenho do carro, pedindo que fossem usados materiais encontrados na Líbia, como mármore, couro e tecidos específicos.
O carro foi mostrado em outubro de 1999, ao final do encontro African Union, sediado na capital Trípoli e na mesma data em que se comemoravam os 30 anos da revolução líbia e o período de governo de Muamar Kadafi.
Pelo nome do carro, Saroukh (foguete em árabe), muitos acreditaram tratar-se de mais uma provocação, não muito lógico, posto que o principal chamariz e atributo seria a segurança.
A forma proposta de carro líbio baseou-se no grande número de colisões frontais na Líbia, e foi pedido direto do ditador que a empresa Ladico, especializada em projetos automobilísticos e fornecendo serviços basicamente para as nações amigas da Líbia, desenvolvesse o que ele pensara. Demonstrou o que queria fazendo croquis a lápis e, assim, estava decretado que e como o primeiro carro da Líbia deveria ser construído.
A tônica do carro é a segurança, e para isso há um dispositivo que era uma extensão lateral tipo um braço mecânico que era acionado se houvesse risco de capotagem. Existe também um sistema de para-choque trabalhando em conjunto com uma bolsa inflável externa, acionado com o impacto, e do qual sua eficiência é desconhecida. Claro que poderia ser simplesmente estourado por superfícies contundentes, e aí o para-choque “divisor” seria o elemento que mais trabalharia — sempre torcendo para que a batida não fosse exatamente na linha de centro do Saroukh.
Para construir o carro deveria ser erigida uma fábrica próxima a Trípoli, de onde sairiam 100 mil Saroukhs por ano.
Nos sonhos supostamente populistas, o preço seria ao alcance da maioria, mas com quase 5 metros de comprimento, motor V-6 de 230 cv, quatro válvulas por cilindro, câmbio automático de cinco marchas, tração dianteira e freios ABS, bolsas infláveis frontais, navegação por satélite, equipamento de áudio e ar-condicionado, é difícil imaginar onde estava o “popular” da proposta. Era 1999, lembremos.
Um dos carros era na cor mais tradicional do islamismo, o verde, com interior bastante opulento e interessante em cores verde, azul, e bege claro, com manopla de câmbio, freio de estacionamento e puxadores de porta em plástico na cor bronze. Junto dele estava um outro branco, este mais fotografado, e mais fácil de se entender as linhas nas imagens.
O carro branco foi visto na área de Tajoura, distrito de Trípoli, sete anos antes de desaparecer completamente. As três fotos abaixo têm pouco mais de dois meses, sinal de que alguém cuidou muito bem da raridade desaparecida, atitude louvável em um país que passa por complicações econômicas, sociais e políticas há tantas décadas.
JJ