A Willys Overland do Brasil fabricava localmente, sob licença francesa, o Renault Dauphine, posteriormente o Renault Gordini e o Renault 1093 e também o Interlagos, o esportivo derivado do Renault Alpine. Todos estes modelos eram equipados com o motor Ventoux.
O Dauphine foi lançado na França em 1956 e chegou ao Brasil em 1959, com o motor Ventoux 670-1, com 845 cm³ de cilindrada e 26 cv (potência líquida), sendo praticamente idêntico ao original francês.
O motor Ventoux tinha algumas peculiaridades, como, por exemplo, virabrequim apoiados somente em três mancais, comando de válvulas acionado por engrenagens, sendo que a intermediária era feita de fibra fenólica (material não metálico) para evitar ruído de funcionamento.
As camisas dos cilindros eram removíveis (apoiadas em calços) e mantinham toda a superfície lateral em contacto com o líquido de arrefecimento do motor; portanto, eram do tipo úmidas. Tinha originalmente a cilindrada limitada a 845 cm³ (58 x 80 mm) devido à falta de estrutura do bloco/cabeçote que restringia o seu aumento.
O motor nasceu para propulsionar o Renault 4 CV, lançado em 1946, e sua cilindrada era 747 cm³ (54,5 x 80 mm), com potência de 19 cv.
Era comum aumentar a cilindrada com kits franceses de cilindros e pistões de 60 mm (904 cm³) e 63 mm (998 cm³). Estes últimos eram aplicados nos Interlagos Berlineta de competição e em muitos carros particulares.
Realmente o motor Ventoux, devido ao seu baixo desempenho,foi somente aplicado em veículos pequenos e leves como o Renault Gordini, de 32 cv — “40 hp de emoção” dizia a propaganda, mas era potência bruta. E não era somente o desempenho o “Calcanhar de Aquiles” do projeto. Consumia muito óleo principalmente pelo respiro do cárter. A engrenagem de fibra do comando de válvulas se desgastava rapidamente, A bomba de óleo e a bomba d’água eram pouco eficientes e pouco duráveis também.
Devido ao sistema pouco eficiente de arrefecimento do motor, era comum vê-lo fumaceando devido à fervura. Crítica a regulagem das válvulas, que faziam o motor parecer uma máquina de costura, como o motor boxer dos VW.
Com o Ventoux limitado para aplicação em veículos maiores, a Renault desenvolveu novo motor, mais robusto e com capacidade para maiores cilindradas. Em nada era semelhante ao antigo Ventoux exceto seu conceito de camisas úmidas removíveis e comando de válvulas lateral no bloco. A engrenagem intermediaria foi eliminada e o comando de válvulas passou a ser acionado por corrente e seu respectivo esticador. O virabrequim com cinco mancais, tinha o recobrimento das bronzinas com maior área de contacto e com maior apoio longitudinal.
Como o Ventoux, o bloco era em ferro fundido e o cabeçote em alumínio, porém totalmente diferentes, estruturalmente e em suas dimensões, incluindo os coletores de admissão e escapamento. Também os dutos de arrefecimento maiores e a bomba de óleo e a bomba d’água modificadas para melhor desempenho e durabilidade.
Enfim, sem nenhuma dúvida, o novo motor não era uma versão melhorada do Ventoux e sim de uma nova família. O novo motor chegou como Sierra, o seu nome de batismo. Embora com pequeno aumento de cilindrada (956 cm³, 65 x 70 mm) em relação ao Ventoux, o novo motor tinha a vantagem de poder tê-la aumentada.
Em 1966 a Renault estava em pleno desenvolvimento de um carro médio, o R 12, fazendo parte de um ramo maior, o projeto “M”, que incluía uma versão tupiniquim, com desenvolvimento em conjunto com a Willys-Overland do Brasil, que acabou gerando o Corcel. E o novo veículo brasileiro, lançado em 1968, era equipado com o motor Sierra de 1.289 cm³ (73 x 77 mm), taxa de compressão 7,8:1 e 68 cv declarados (potência bruta). Em 1971/1972, o motor Sierra teve a sua cilindrada aumentada para 1.372 cm³ (75,3 x 77 mm) taxa de compressão também aumentada para 8:1 e maior potência declarada de 75 cv (potência bruta) e 56 cv (potência líquida).
A história do motor CHT começou nos idos de 1981 com o programa Zeta, que nada mais era que o Escort europeu para o Brasil. A ideia inicial era manter todas as características originais do veículo, acompanhando a versão europeia, incluindo o moderno motor CVH ( Compound Valve Angle Hemispherical Combustion Chamber), de comando no cabeçote.
Houve forte interferência do grupo gerencial da Ford Brasil, que defendia com unhas e dentes a utilização do motor Renault em detrimento do moderno CVH. Diziam eles que seria muito mais econômico e daria oportunidade para a engenharia brasileira se desenvolver. Outro aspecto, o desenvolvimento do motor a álcool seria mais fácil no CHT do que no CVH.
A Ford Europa em princípio não aceitou esta condição, porém, com a habilidade reconhecida dos executivos brasileiros, o motor local foi aprovado. E assim foi, começou o desenvolvimento do motor CHT (Compound High Turbulence), em quatro versões, que incluíam inclusive aquelas visando exportação para os países nórdicos:
Todos sabiam que não seria somente desenvolver um motor local para o Escort. Várias outras modificações foram necessárias aumentando a complexidade do programa:
• Modificação e reposicionamento dos coxins do motor devido à nova distribuição de massas e eixo de rolagem (torque roll axis)
• Novo sistema de escapamento
• Novo filtro de ar
• Novas relações de transmissão para casamento com o novo motor
• Novos roteiros de tubos de combustível, freios e chicotes elétricos
• Pacote acústico revisado
Enfim, era praticamente um novo projeto que causou um estresse enorme na engenharia Ford do Brasil pelo curto espaço de tempo disponível para todos os trabalhos.
O motor CHT era praticamente um Sierra com cilindrada aumentada para 1.555 cm³, diâmetro dos cilindros de 77 mm e curso dos pistões de 83,5 mm, com novo cabeçote com câmaras de combustão modificadas para gerar turbulência na mistura ar-combustível, melhorando a queima e a eficiência térmica, novo comando de válvulas acionado por corrente e seu esticador.
A estrutura do bloco e cabeçote, que já eram críticos no motor Sierra 1.372 cm³, ficou ainda mais difícil no CHT com 1.555 cm³. E haja trabalho de engenharia para desenvolvimento de novas juntas de cabeçote e estruturar melhor o conjunto. O aperto das fixações do cabeçote sempre foi crítico no motor CHT.
Aqui entre nós, gastar uma fortuna em horas de engenharia para desenvolver um motor brasileiro com comando de válvulas lateral no bloco e “varetas” acionadoras, nunca entrou em minha cabeça. Enquanto o mundo estava desenvolvendo novos conceitos de comando de válvulas no cabeçote com variadores de fase, o Brasil perdia tecnologia com um motor de projeto mais antigo.
Que eu me lembre, poucas fábricas insistiram em novos desenvolvimentos de motores com comando de válvulas no bloco; a Ford com o motor Endura-E até 1999 e particularmente a Renault, até 1995 com o Twingo 1,2 motor Cléon (basicamente um Sierra melhorado). Falando de motores OHV, alguns motores americanos V-8 ainda mantém esta configuração por questões de custo e tradição.
Muitas horas de dinamômetro foram gastas testando a durabilidade dos motores CHT e foram bem resolvidas. O motor CHT era valente e principalmente econômico, esta última sendo sua característica marcante ao longo do tempo.
Há um lenda urbana de que o motor CHT foi totalmente projetado no Brasil. Na realidade teve a Ford Europa na jogada e também alguma consultoria com a Renault. Detalhes da otimização da câmara de combustão, por exemplo, veio da Renault. Vai ser difícil convencer quem trabalhou no projeto admitir esta ajuda, que de fato existiu.
Os trabalhos de desenvolvimento do CHT foram elogiáveis e a justa recompensa, foi a exportação dos Escort brasileiros para os países nórdicos. Acabou sendo instalado até no VW Gol , na época da Autolatina, com sucesso, graças a sua excelente economia de combustível. Vamos reconhecer que o desempenho era sofrível, tanto em aceleração quanto em velocidade máxima, porem “deu para o gasto”, como se diz.
Quem sofreu mesmo foi o Ford Del Rey, bem mais pesado, principalmente a sua versão de cambio automático. É bom nem lembrar… Realmente não era competitivo no mercado na época de Chevrolet Monza, VW Santana, etc.
Enfim, o CHT teve píncaros de gloria e paradoxalmente quase enterrou a Ford do Brasil. O CHT se tornou obsoleto e a Ford ficou sem motor para sustentar sua competição no mercado brasileiro. Se não fosse a Autolatina, a Ford não estaria mais no Brasil fabricando automóveis, quem sabe os estaria importando, mantendo somente a linha de caminhões e picapes que sempre foi a sua vocação, a saudosa série “F”.
CM