O Opala foi um dos automóveis que por mais tempo permaneceu em linha de produção nacional. O seu legado é admirado por pessoas de várias gerações e qualidades como desempenho, conforto, confiabilidade e resistência contribuíram para sua reputação conquistada ao longo de 24 anos e preservada por mais de duas décadas. Muitos jovens que sonham com esse carro nos dias atuais, ainda nem eram nascidos quando a General Motors do Brasil encerrou as definitivamente a produção em 1992.
Acredito que devido à longevidade da linha, ao número elevado de unidades produzidas (quase um milhão) e principalmente pelos atributos do Opala, é praticamente impossível encontrar um autoentusiasta que não tenha vivido uma boa história com esse ícone da GMB. Sem dúvida, o Opala foi protagonista de uma infinidade de histórias inesquecíveis. Sendo assim, “Opala em três atos” é minha singela homenagem a esse incrível automóvel, o qual nesse ano completa 50 anos de sua apresentação no VI Salão do Automóvel de São Paulo, realizado entre os dias 19 de novembro a 8 de dezembro de 1968. Acredito que os leitores e admiradores do Opala vão se identificar com os três relatos apresentados nesse texto.
PRIMEIRO ATO: DESPERTAR DE UMA PAIXÃO
Em 1974, eu tinha apenas cinco anos de idade. Eu não me lembro de quase nada dessa época, contudo a recordação do primeiro passeio no Opala 1974 Gran Luxo Cupê bege Esporte com teto vinil preto, que meu pai (Carlos Conte) havia comprado 0-km na concessionária Chevrolet Automec de Sorocaba (SP) foi algo marcante e inesquecível. Considero aquele longínquo domingo ensolarado como um dos dias mais legais que passei com minha família, e aquele foi sem dúvida o meu primeiro momento AE consciente. Como diria Jan Balder, naquele dia a “gasolina foi injetada nas veias”, pois acredito que na vida de todos nós houve o momento exato onde fomos contaminados pelo vírus da velocidade, dos motores, da emoção e da liberdade que os carros e motocicletas nos proporcionam. É justamente quando acontece o despertar de uma paixão!
O que mais me fascina naquela recordação é a lembrança dos vidros laterais dianteiros e traseiros abaixados, constituindo uma única e enorme janela que proporcionava uma sensação de liberdade incrível, êxtase maximizado pelo vento no rosto e pelo som grave do motor de 4 cilindros sussurrando pelo escapamento, enquanto o Opala Cupê se deslocava velozmente pelas ruas e avenidas da cidade. Nada extraordinário, apenas um passeio.
Infelizmente não tenho nenhum registro fotográfico daquele dia ou do Opala 1974 Gran Luxo Cupê bege Esporte do meu pai, mas por uma das coincidências da vida, encontrei na página 126 do livro Opala: o carro que conquistou o Brasil (SANDLER & SIMONE, 2008, Alaúde Editorial) uma imagem (foto acima), a qual pode perfeitamente ilustrar o momento inesquecível.
Mas tenho convicção que os dias mais incríveis e marcantes são aqueles que não precisam exatamente de muito planejamento ou investimento. E foi justamente assim naquela ocasião, uma manhã ensolarada de domingo, uma família reunida em um Opala, com o destino de passar um dia no clube de campo da cidade e nada mais.
Ainda hoje, ao fechar os olhos e pensar naqueles momentos me sinto novamente no interior do Opala Cupê 1974, consigo visualizar as imagens como em um filme Super 8. O meu ângulo visual sentado no banco traseiro do “Chevrolet Gran Luxo” (denominação oficial do modelo) permitia ver o meu pai à minha frente, seus ombros largos, os cabelos curtos e negros, bem como aquela costeleta típica dos anos setenta já um pouco grisalha, a gola da sua camisa clara e os pulsos firmes segurando o volante.
Ver meu pai ali no banco do motorista, nos conduzindo e protegendo, me transmitia segurança e ao mesmo tempo me influenciava significativamente: era exatamente daquele jeito que eu queria ser quando crescer! Ainda nesse cenário virtual, à direita no banco do passageiro, me recordo da minha mãe com sua pele clara, cabelos castanhos claros cacheados e seu delicado perfil, simbolizando todo o amor e carinho que eu poderia receber em minha vida.
No banco traseiro, além de mim o meu primo com quem eu disputava o controle da manivela de acionamento do vidro traseiro, e ainda meu irmão Omar (sete anos mais velho) nos fazia companhia.
Feliz coincidência, uma postagem do Paulo Keller numa rede social de uma fotografia da família dele dentro de um Opala Especial 1974, com os vidros baixados, me fez refletir sobre a quantidade de meninos que foram sensibilizados pelo principal carro da GMB nos anos 70.
Em 1975 meu pai trocou o Opala Cupê 1974 por uma Caravan amarelo Trigo, motor de 4 cilindros, banco dianteiro três lugares e câmbio 3 marchas na coluna de direção, e assim se apaixonou pelo modelo e se tornou, além de cliente fiel da GMB, um admirador da Caravan.
Assim, fui crescendo dentro desse modelo de carro, pois na sequência vieram: uma Caravan 1977 marrom Monterrey (mesmo motor, câmbio e banco dianteiro), depois uma Caravan Comodoro marrom Araucária 1979 (4 cilindros e com câmbio 4 marchas no assoalho), e finalmente a Caravan Comodoro 1980 dourado Palha (motor e câmbio iguais com interior monocromático). É a da foto de abertura, na qual estão, à esquerda me irmão Olavo com 20 anos, eu com 13 e minha irmã Cristina, com 29.
Esta Caravan Comodoro é a personagem principal do Segundo Ato.
SEGUNDO ATO: THE GRADUATE
Quando meu pai comprou a Caravan Comodoro 1980 dourado Palha eu tinha 11 anos, a paixão por automóveis já estava bem consolidada e já havia algum tempo que uma das minhas diversões preferidas era passar as tardes de sábado dentro da Caravan ouvindo a Rádio Jovem Pan FM pelo rádio/toca-fitasTKR e simulando corridas, passeios e aventuras.
Em um dado momento, somente simular dirigir já não era tão divertido e então eu comecei a ousar e fazer o motor funcionar. Era interessante e excitante sent-lo ligado, aproveitava para fazer essa pequena peripécia enquanto a minha mãe e irmã iam fazer compras e meu pai tirava um cochilo após o almoço.
Todo ser humano gosta de desafios por natureza, e nesse sentido a partir do momento em que eu já conseguia ligar o motor e acelerar a Caravan estacionada, aquela façanha passou também a perder a graça. Por isso comecei arriscar a “dirigir na garagem”, que basicamente consistia em engatar ré e deslocar a Caravan Comodoro por aproximadamente um metro e depois engatar primeira marcha e voltar à posição inicial. Na quarta ou quinta vez que realizei essa manobra minha mãe chegou das compras e me pegou em flagrante! Resultado: uma sonora bronca dos meus pais e um bom castigo.
Nessa época eu estudava pela manhã, e frequentemente o meu irmão Omar me buscava ao meio-dia na escola. O trajeto de 3,5 quilômetros entre a escola e a nossa casa era sempre aguardado, pois uma das características do meu irmão, outro autoentusiasta, era a habilidade ao volante associada a uma condução muito segura. Sem dúvida ele foi um bom exemplo, assim como meu pai. Eles sempre me explicavam como era forma correta dirigir e desde muito novo eu me mantinha sempre atento aos ensinamentos deles, que eu entendia serem preciosos.
Certamente o Omar teve uma influência muito significativa na minha paixão por dirigir e, sobretudo, foi quem me proporcionou a primeira experiência real ao volante. Um belo dia, no caminho para casa após a escola, ele me perguntou se eu queria dirigir. Me recordo desse momento com clareza singular, e que imediatamente senti um misto de euforia e medo.
— Quero!
Já estávamos no bairro onde morávamos, Santa Rosália, onde o movimento de carros e pedestres era bem menor do que na região central onde eu estudava. Ele parou logo no começo da avenida Pereira da Silva e disse:
— Pois assuma o volante! Pode dirigir até à Praça Pio XII.
Foi uma sensação indescritível… O coração pulsando na “garganta”, as pupilas dilatadas, as pernas tremendo e as mãos suadas, mas eu estava determinado a realizar a proeza, não esperava que aquele momento chegaria tão cedo e não queria perder aquela oportunidade, do alto dos meus 11 anos de idade.
Assumi o o lugar do motorista, ajustei o banco, acionei o pedal da esquerda e engatei a primeira marcha, soltando levemente a embreagem enquanto acelerava progressivamente, tudo certo e suave, sem trancos. Meu irmão estava impressionado, mas o fato é que os treinos na garagem haviam sido fundamentais para o sucesso em colocar o carro em movimento sem deixar o motor morrer, porém fazer isso na rua, “de verdade”, foi extasiante.
Uma vez colocada a imponente Caravan Comodoro em movimento, e já por volta dos 30 km/h, era preciso fazer algo que eu ainda nunca havia feito antes: engatar a 2ª marcha. E aí, novamente, outra sensação única! Como foi bom sentir o engate preciso do câmbio, sem “arranhar” marcha! A alavanca do câmbio me transmitia a sensação de precisão e suavidade.
Por outro lado, a percepção do torque (19,8 kgfm a 2.400 rpm) do motor 151-S, já disponível em baixas rotações e que empurrava a perua convincentemente, proporcionava um deleite para um menino. Uma vez em segunda marcha, eu recebia importantes feedbacks do meu “copiloto” e irmão, que embora não muito mais velho do que eu, já era habilitado e tinha experiência ao volante, já dirigia há alguns anos e se mostrava um bom professor, ou seja, monitorava atentamente a minha posição em relação aos demais carros e o meio-fio, bem como me dizia qual velocidade eu deveria manter, no caso muito baixa para os limites da avenida, mas suficientemente elevada para minha idade e primeira experiência como “motorista”.
Aquele passeio de aproximadamente dois quilômetros ficou registrado para sempre na minha memória! Foi algo mágico e viciante. Era quase impossível conter a excitação após aqueles poucos minutos memoráveis, e de fato, foi muito difícil, naquele dia, sentar para almoçar com meus pais e outros irmãos e disfarçar que estava tudo normal, após dirigir um carro pela primeira vez na vida!
A vontade era de contar a novidade a todos. Porém, sem meu irmão precisar me falar nada, eu tinha consciência de que se eu fizesse isso ele seria duramente repreendido pelos meus pais, sendo assim era melhor conter a euforia e guardar o segredo entre nós.
Aquela Caravan Comodoro 1980 dourado Palha foi marcante para mim por vários motivos, uns bons outros nem tantos. Quando meu pai a comprou eu fiquei muito impressionado pela reestilização do modelo em relação à linha 1979 e, afinal, acabou por ser o primeiro carro que dirigi na vida.
Mas também foi o último carro 0-km que meu pai adquiriu. A década de 1980, caracterizada por uma economia convulsiva, foi péssima para os negócios do meu pai, que em 1983 se viu obrigado a vender quase todas as suas propriedades e bens para honrar suas dívidas e compromissos financeiros, e infelizmente em julho de 1983 a Caravan Comodoro foi vendida também. Ele nunca mais se recuperou financeira e emocionalmente, e dez anos mais tarde (1993) faleceu aos 61 anos. Sinto uma enorme saudade até hoje.
TERCEIRO ATO: DE VOLTA PARA O FUTURO
Em 2007, as décadas de 1970 e 1980 permaneciam apenas na memória, e o Opala Gran Luxo Cupê 1974 e a Caravan Comodoro 1980 faziam parte do passado. Nessa época eu já havia há dois anos concluído o projeto do Fiat 147 GLS 1979 o qual foi muito significativo para mim. Porém, estava nos meus planos um novo projeto com objetivo de resgatar as emoções da linha Opala/Caravan.
Assim, mais uma vez eu comecei a procurar por um carro especial que fosse compatível com o meu orçamento. Sem dúvida que a linha Opala/Caravan me trazia muitas boas recordações, pois estava intrinsecamente relacionada à minha infância e adolescência. Meu pai admirava essa linha, eu cresci e aprendi a dirigir em uma Caravan, e ainda nos anos 1980 o incrível desempenho e roncos poderosos dos Opalas 250-S exerciam fascínio em qualquer adolescente.
Considerando todo esse contexto, eu passei vários meses pesquisando Opalas e Caravans à venda, modelos de todas as configurações e anos, e finalmente em junho de 2007 adquiri um Opala Diplomata 1987/1988 cinza Nimbus, motor 6-cilindros a gasolina e câmbio manual de quatro marchas. O que mais me chamou atenção inicialmente foi o som do escapamento, que estava modificado de acordo com os padrões dos anos 80 e tinha um ronco fabuloso.
O estado geral do carro era bom e estava totalmente original. Um detalhe interessante é que no Manual do Proprietário estava registrado que o carro havia sido adquirido 0-km pelo Consulado Geral do Japão em São Paulo no dia 30 de dezembro de 1987.
Logo, na primeira semana que estava com Opala realizei uma revisão geral, a substituição dos pneus remold fora da medida original e a restauração das rodas. Com pouco esforço o Opala Diplomata ficou perfeito. De fato, era muito legal curtir aquele carro, o DNA dos Opalas/Caravans estavam ao meu alcance novamente. Era impossível em cada passeio não retornar ao passado e resgatar as boas vibrações e memórias dos anos 70 e 80.
No entanto, eu fiquei tão empolgado com o Opala Diplomata que passei a utilizá-lo diariamente, inclusive para as viagens a trabalho durante a semana até Jundiaí. Um fato curioso é que na ocasião frequentemente os meus alunos da Escola Superior de Educação Física de Jundiaí vinham me contar que era fácil identificar que eu estava próximo à faculdade, pois o som do Opala se tornou inconfundível para eles.
Nessa época, o que eu mais gostava era da segunda-feira, pois as aulas acabavam as 22h30 e nesse dia e horário a rodovia Dom Gabriel ficava deserta, o retorno para Sorocaba era uma viagem no tempo: a estrada vazia, ausência dos carros modernos e a as músicas da época escutadas pelo toca-fitas me faziam sentir imerso num túnel do tempo. Eu realmente sentia que em algum momento ouviria “The Power of Love” do Huey Lewis and the News e retornaria a 1988.
Sempre gostei das estradas, por mais de 20 anos eu precisei me deslocar muitas vezes por semana pelas principais rodovias de São Paulo. Fosse para estudo, trabalho ou lazer, percorri as rodovias Castello Branco, Rodovia do Açúcar, Dom Gabriel, Bandeirantes e Anhanguera em diversos modelos e versões de carros, de diferentes anos de fabricação e de tempo de uso. Com certeza o Opala Diplomata foi um dos melhores companheiros de estrada.
Eu não submetia frequentemente o Opala Diplomata às altas velocidades pelas estradas, eu apreciava mais aproveitar a excelente potência do motor seis-cilindros nos giros mais baixos, era uma sensação agradável apreciar a baixa rotação do motor a 100 km/h em quarta marcha. Procurava poupar o conjunto, pois naquela altura ele tinha se tornado o meu carro de uso diário, inclusive para me deslocar para o meu trabalho tanto em Jundiaí quanto em Sorocaba, bem como para outras tarefas rotineiras e até mesmo passear aos finais de semana.
Mesmo com 20 anos de uso, as médias de consumo que eu conseguia com o Diplomata eram bem próximas das dos testes das revistas da época. A minha melhor marca foi 7,7 km/l na estrada.
Naquela ocasião eu tinha outro carro, um New Beetle 2007 prata Sargas que eu havia comprado 0-km, mas que passou a permanecer mais tempo na garagem, enquanto o Opala me levava cada vez mais vezes para todos os lugares. Muitos amigos e familiares consideravam a essa escolha insensata. Afinal um carro novo apresenta melhor confiabilidade, consumo e segurança em relação ao Opala fabricado há duas décadas.
Mas na verdade eu percebia que muitas pessoas não entendiam o motivo de alguém circular com um “carro velho” se tem um novo na garagem. Como pano de fundo desses questionamentos está o status. Em 2007 a febre do Antigomobilismo ainda estava iniciando e o Opala Diplomata com seus 20 anos de uso, embora bem original, não se enquadrava exatamente na categoria de carro coleção. Na verdade, era considerado pela maioria das pessoas apenas como um automóvel ultrapassado e inseguro.
Mas não era exatamente assim que eu pensava. Eu apenas queria curtir um pouco mais a vida, ir o trabalho de forma ainda mais divertida, não me preocupava (e nunca me preocupei) com aparências. Inclusive, entre várias situações curiosas em relação ao “preconceito” com o Opala, uma interessante foi numa Universidade de Santo André onde eu ministrava aulas no curso de Pós Graduação e a primeira vez que apareci com o Opala Diplomata por lá, um porteiro que não me conhecia ainda, duvidou que eu fosse professor daquela Instituição e não queria abrir o portão em hipótese alguma para eu entrar. Foi necessário pedir para o Coordenador do Curso intervir e depois de ficou tudo bem.
De fato, a vocação do Opala sempre foi associar desempenho, conforto e robustez, assim sendo, mesmo após 20 anos de uso o Opala Diplomata ainda fazia jus aos seus atributos originais. Ele nunca me deixou na estrada e sempre percorria os quilômetros confortavelmente. Conduzir aquele carro, mesmo no segundo milênio, me fazia a pensar de como era bom ser motorista particular ou um executivo nos anos 80.
Mas as circunstâncias começaram a conspirar contra o Opala Diplomata, como a dificuldade com vagas na garagem e o fato que na época eu estava construindo um imóvel e precisando injetar recursos na obra. Foi uma decisão difícil escolher qual dos carros eu deveria “sacrificar” das quatro opções que tinha para vender. Não tenho dúvidas, que no momento, a escolha por se desfazer do Opala Diplomata foi a mais racional. No entanto, foi um golpe duro de assimilar quando entreguei as chaves e ouvi pela última vez aquele forte ronco do motor de seis cilindros em linha. Permaneci com o Opala Diplomata cinza Nimbus 1987/1988 por exatos dois anos e quase 60.000 km, porém, por tudo que esse carro me proporcionou, o último sentimento que me restou não foi de tristeza e sim de saudade.
Afinal, na vida existem despedidas muito mais dolorosas e irreparáveis.
Marcelo Conte
Jundiaí – SP