Ser piloto é uma coisa, poder participar da mais importante prova nacional é outra. Pois tive a ventura de realizar este sonho. Já contei várias passagens minhas pelo automobilismo brasileiro, primeiro estreante, depois novato. Isso nos anos 1970, mas nenhuma dessas participações teve a importância como a de participar da Mil Milhas Brasileiras de 1981.
Eu já havia sido promovido, em outubro de 1980, de chefe regional de Assistência Técnica do escritório do Rio de Janeiro para gerente de Assistência Técnica /Produto, com escritório na fábrica em São Bernardo do Campo.
Por razões profissionais, eu fora obrigado a deixar o automobilismo, pois ele ocupava muito do meu tempo e as viagens a serviço dificultavam minha participação. Sem deixar o “vício”, ainda no Rio de Janeiro comecei a participar de ralis porque estes não me tomavam tanto tempo e não exigiam treinos constantes.
Nos tempos livres eu frequentava o autódromo de Interlagos e acompanhava as competições, que sempre foi o meu hobby principal.
Um grande amigo, Ricardo Bock, marido da Vera, a secretária do chefe da Divisão de Assistência Técnica, Ruediger von Reininghaus (e meu chefe), chamou-me um dia para uma conversa muito séria e importante.
Ele tinha um Passat 1975 preparado para participar de provas na Divisão 3. Desta conversa saiu o convite para participarmos da Mil Milhas, cuja data se aproximava, com o Passat.
Entramos na parte técnica de preparação do carro, uma vez que as Mil Milhas tinham um regulamento muito diferente da Divisão 3. Na Mil Milhas a preparação era incomparavelmente mais liberal.
A prova de aproximadamente 12 horas de duração era um grande desafio tanto técnico quanto de preparo físico.
Achamos ser melhor irmos em três, já que para dois era uma atividade bem desgastante, além do que dividir as despesas por três seria mais fácil para todos. Um amigo comum, João Franco foi convidado e aceitou. O trio estava formado. Com seus conhecimentos, o João somaria muito na preparação do carro.
O próximo passo foi sair à procura de patrocinadores, afinal a prova não seria barata. Custos fixos, inscrição, combustível, pneus, equipe de boxe, ferramentas e peças de reposição.
Um empresa que sempre deu suporte a pilotos iniciantes foi a fábrica de volantes e outros acessórios chamada Panther, de Diadema, SP — sua logomarca não poderia deixar de ser uma pantera. Deram-nos apoio financeiro.
Peças de reposição foram conseguidas junto à concessionária Rio Motor, do Rio de Janeiro, dentro de um esquema muito conveniente para nós, só pagaríamos o que fosse usado, e a preço de a custo.
Estrutura pronta, tudo no papel devidamente pensado e providenciado.
Tínhamos um motor que na gíria automobilística diz-se ser um canhão, em torno de 180 cv, casado com um câmbio de cinco marchas de procedência argentina. Os freios eram a disco nas quatro rodas. Como carburação, dois Weber 45 horizontais duplos; um comando de válvulas especial e uma taxa de compressão mais elevada davam a este motor toda esta potência, mas com boa resistência.
Não nos faltavam ofertas de ajuda. Mecânicos da própria VW vinham todos os dias antes da prova nos oferecer esta ajuda como voluntários, sem custo para nós. Fariam parte da equipe de boxe.
Acertamos a sequência de pilotagem, o Ricardo largaria por ser o dono do carro, depois pilotaria o nosso convidado João Franco, a seguir eu (na foto de abertura, sai o João Franco e eu pego)
A prova teria início em instantes, carros alinhados. Ricardo, ao volante, mostrava-se nervoso, mas quem não estaria neste momento?
As primeiras voltas foram de adaptação, ocupávamos a 25ª posição entre os 60 carros que largaram. Prudentemente, Ricardo ia recuperando posições até completar as primeiras duas horas de pilotagem, nossa previsão para parar para reabastecimento e troca de piloto. Estávamos em 15º lugar na classificação geral.
Um fator positivo, tínhamos os três a mesma estatura e por isto não havia necessidade de mexer na regulagem do banco tipo concha e dos cintos de segurança, o que certamente complicaria a parada, tornando-a mais demorada.
João Franco assumiu o volante, com a parada caímos para 20º lugar, mas o carro estava perfeito e lentamente, uma a uma, as posições iam sendo recuperadas.
Ao completarem-se outras suas horas de pilotagem nova parada para reabastecimento e troca de piloto, chegara a minha vez.

Tudo certo com o motor, câmbio, freios, nada que nos preocupasse. Depois de quase duas horas do meu turno estávamos em 12º lugar na classificação geral.
De repente, um forte barulho na frente do carro, eu estava na reta oposta antes da entrada da curva do Sol. Apertei o pedal de embreagem por precaução, mas foi como se o acelerador travasse aberto, o giro do motor ultrapassou todos os limites e os poucos segundo que levei para desligar o motor foram suficientes para a quebra do volante, que chegou a perfurar o assoalho (túnel) do carro. Ainda no embalo consegui chegar à curva do Sargento, onde encontrei um lugar para estacionar o carro com segurança.
O sonho tinha acabado! Tranquilo por saber que não tinha feito nada de errado, fui para os boxes e contei o acontecido.
Os mecânicos, inconformados, foram até o carro e voltaram com o diagnóstico: quebra do coletor de admissão provocada provavelmente pela vibração do motor, e com a quebra do coletor o conjunto cedeu e perdi o controle da aceleração.
Tristes e decepcionados, não nos restava alternativa a não ser “arrumar as malas”. Foi uma realização marcante, já faz 37 anos que passei por esta experiência e tudo que fizemos está na minha memória como se tivesse sido ontem.
O melhor de tudo, esforço de todos, ajuda dos amigos, familiares e também dos patrocinadores que não cobravam resultados, mas sempre nos desejaram boa sorte, e esta nós tivemos. Nenhum acidente, boas recordações e amizades que continuam até hoje.

O capacete que usei nesta prova tenho-o guardado até hoje e com muito carinho. Este sim já é velho — encomendei-o em 1973 ao gerente de serviço de uma concessionária carioca, que estava indo a Portugal.
Inesquecível!
RB