Semana passada, ao falar (bem, a rigor, escrever) neste espaço sobre cruzamentos, o leitor David Diniz levantou um ponto interessante: a falta de visibilidade nas esquinas. Interessante é que se os problemas são comuns a vários países, as soluções parecem que não.
Lembro quando trabalhava na redação de jornal diário. O terror dos correspondentes estrangeiros era quando acontecia algo no Brasil e logo eles eram bombardeados com a clássica pauta: “e aí, como é que é?”. Faz sentido, é claro. Afinal, se algo acontece aqui é grande a probabilidade de o mesmo ocorrer alhures e se é bom aprender com os próprios erros melhor ainda é aprender com os erros dos outros.
Assim, toda vez que aparece algo dito inovador é bom checar como é lá fora. Mas checar bem, por favor. Canso de ver coisa meia-boca. Como quando São Paulo começou a implementar a redução da velocidade em diversas ruas e avenidas sob a alegação de que isso já ocorria em outras cidades.
Engraçado é que os parâmetros de comparação (assim como as cidades, ora Nova York vale como referência, ora não) variam com o que se quer provar e, ainda assim, cometem-se erros. Vi muita gente dizendo que o mesmo havia sido feito em Londres e, para ilustrar, mostravam placas de velocidade, tipo “antes” e “depois”. De fato, em alguns lugares foi, sim, reduzida a velocidade na capital inglesa, mas não como se disse aqui e, principalmente, que a velocidade lá é em milhas por hora. Má fé ou ignorância de muitos que mostraram placas de 40 (as placas lá não mostram a unidade de velocidade como as daqui) para “ilustrar” como São Paulo estava na onda de uma cidade de primeiro mundo. Sem comentários. Ou, melhor, sem comentários que possam ser publicados.
Enfim, pouparei meus leitores de mais críticas a colegas de imprensa e nem tão colegas assim, como blogueiros e outros. Sou a favor da informação e acho que quanto mais, melhor. Mas informação correta, por favor. A outra só prejudica.
Voltemos, pois, à questão da visibilidade nas esquinas já que como meus leitores contumazes sabem escrevo mais ou menos como falo – muito e com idas e vindas ao assunto. Juro que já fui mais disciplinada nisso. Especialmente na Europa, mas também na Ásia (foto de abertura) e nas cidades mais antigas, é comum o trânsito de veículos mesmo nas ruas mais estreitas, planejadas para carroças ou mesmo nem para isso. A solução mais comum é o uso de espelhos nas esquinas. Corretamente colocados, são excelentes e driblam todos os inconvenientes decorrentes da falta de espaço e dos ângulos escalafobéticos de algumas esquinas.
Questiono-me (lá vai uma ênclise) qual seria o destino de espelhos desse tipo aqui no Brasil, terra onde roubam-se (mais uma ênclise, hoje estou impossível) fios de energia ou telecomunicações para tungar um pouco de cobre — sem levar em consideração os males decorrentes disso para toda a população sem, é claro, entrar na questão moral de roubar.
Imagino que não durariam ou que virariam alvos de práticas nada saudáveis. Talvez seja exagero meu, mas não descarto que em breve surgiria um mercado negro de revenda de espelhos — algo como o que vemos com peças de veículos roubados ou mesmo de aparelhos de celular. Sei que em algumas cidades no Brasil foram colocados espelhos e estou deveras curiosa por saber qual é o resultado disto, do ponto de vista da redução de acidentes mas também da durabilidade dos mesmos. Afinal, não tenho muita certeza de que ladrões tupiniquins acreditem em 7 anos de azar para quem quebra um espelho. Mas hoje estou meio amarga mesmo.
Ainda que não tenhamos tantos problemas com esquinas tão fechadas quanto em cidades medievais, temos nestas paragens problemas sérios de visibilidade. A maioria, diga-se, provocadas nos últimos anos — portanto, nada a ver com cavaleiros, cruzados ou qualquer outra fidalga figura. Nossas esquinas estão cheias de postes, lixeiras, pontos de ônibus e outras maravilhas (modo irônico em modo máximo de ativação) do urbanismo tupiniquim.
Perto de onde moro foi feito, há coisa de um ano e meio, um retorno numa avenida. Bem-vindo, diga-se de passagem, pois era necessário andar bastante para voltar àquele lugar. Até aí, parece uma boa ideia, não? Dito assim, seria. Seria. Mas não é. Fizeram o retorno mas mantiveram o lindo paisagismo com vegetação de cerca de um metro de altura mas, pior ainda, deixaram um totem que tem apenas uma função decorativa, pois diz apenas o nome fantasia do bairro. Detalhe: o tal totem deve ter, fácil, uns 2,5 metros de altura por 1 metro de largura e está no mesmo lugar onde sempre esteve. Só que agora com o retorno em “U” logo adiante, sem sinal e obviamente numa via não preferencial, são frequentes os acidentes, as freadas e, no meu caso, as rezas aos vários santos e deuses de diversas religiões antes de fazer a conversão. Sim, pois o único jeito é olhar com muita atenção, decorar os carros que vem pela avenida (modelo, cor, tudo), torcer para que não apareça nenhum novo saindo de um posto de gasolina que está entre o último ponto de visão e o cruzamento, rezar (garanto que mesmo os mais ateus devem fazer isso) e sair acelerando, o mais colado possível no meio-fio.
Se alguma autoridade de trânsito, daquelas que regulam essas coisas, tivesse estado pessoalmente no local e, melhor ainda, dirigisse o próprio carro, acredito que esse absurdo não teria ocorrido, pois basta fazer uma única vez o tal retorno para perceber que não há a menor visibilidade. Mas papel aceita tudo — e nele nem aparece o tal totem. Pessoalmente, acho o totem muito bonito e está lá há muitíssimo tempo — mas já que alteraram o fluxo de trânsito, custava alterar o local? Um metrinho mais para trás resolveria todo o problema. Se o próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê, no Capítulo XV – Art. 181, remoção e multa dos veículos que estiverem estacionamentos a menos de 5 metros de uma esquina, justamente porque obstruem a visão, por quê permitir que outros mobiliários urbanos sejam instalados nesses mesmos locais?
Cidades como Fortaleza chegaram a lançar programas como o “Esquina Segura” que incluíam a remoção de veículos em locais proibidos justamente para tentar diminuir os acidentes em cruzamentos. Mas, como fazer quando a visão é obstruída pela própria autoridade municipal, que instala pontos de ônibus atrapalhando quem tenta entrar numa rua sem semáforo? Falei sobre esse assunto neste espaço e, por sinal, passei recentemente lá e continua tudo igual. O ponto de ônibus está lá, a esquina não tem sinal — provavelmente não é necessário mesmo, mas sim eliminar os obstáculos à visão.
Em São Paulo causaram revolta os “postinhos” colocados em ciclofaixas para segregar o trânsito uns cinco anos atrás. Muitos foram colocados logo na esquina e os carros que faziam conversão davam de cara com esses objetos, no meio da rua, sem nenhum aviso. Depois de alguns acidentes e muita chiadeira, foram removidos. Mais um exemplo do descasamento entre o que se coloca no papel e como essas coisas são na prática. E mais um exemplo da falta que faz o dia a dia e um banho de realidade em muitos burocratas. Também já comentei aqui um absurdo desses após uma conversão em ângulo de 90 graus em Sorocaba (SP). Num acesso à Rodovia Raposo Tavares, saindo da Av. Comendador Pereira Inácio, dá-se de cara com uma lombada. O trecho em questão marca o início de uma subida, é escuro (só tem mato) e fica num ângulo, como disse, de 90 graus. Nem preciso mencionar as freadas constantes e a quantidade de batidas na traseira que acontecem.
Mudando de assunto: Lamento a saída de Fernando Alonso da Fórmula 1. Um excelente piloto — certamente dos melhores. Mas acredito que muitos mecânicos e mesmo chefes de equipe comemorarão o fim das grosserias internacionais no rádio. Patrocinadores também respirarão mais tranquilos e especialmente os fabricantes de motores. Agora vamos ver como ficam as equipes. Já vi que passarei as primeiras corridas de 2019 confundindo todos os carros e pilotos…
NG
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