Foi em 1997 que visitei, pela primeira vez, uma base aérea da Força Aérea dos Estados Unidos, a USAF. Meses antes havia visto o calendário de eventos aéreos americanos em uma revista, já que não existia a internet para pessoas normais que conhecemos hoje. Na verdade, a internet começou a pegar mesmo em 98/99 para a maioria.
Foi aproveitando uma época de câmbio que não volta mais, o dólar custar ao redor de 1 real ou pouco mais (nosso real já valeu mais que o dólar, por algumas semanas em 1994, acredite). O que ficou de problema foi a câmera, que não era digital — outros tempos! — e, portanto, as fotos que fiz e aqui apresento são digitalizadas do papel.
Parti então para uma viagem de quase um mês, colocando no roteiro o final de semana do Open House, no Brasil chamado de portões abertos, em nada menos que o campo de provas mais importante da USAF, a Base Aérea de Edwards, na Califórnia, a cerca de 100 quilômetros de Los Angeles.
O lugar é arrepiante, ficando em uma área desértica depois de cadeia de montanhas que sobem desde bem próximo do litoral e bloqueiam muito da umidade do Pacífico. É tão seco que se passa o dia todo tomando água e pouca urina pede para ser expelida, já que a maior parte da água sai pela transpiração, que nem molha a roupa, pois evapora assim que sai dos poros da pele. É bem diferente do que estamos acostumados
E lá pude ver coisas “de cinema”, como muitos falam. Aviões que não se imagina serem reais quando se é fanático, parecendo serem obras de ficção, mas que estavam lá para serem visto de perto, muitos deles voando. Só para exemplificar, havia não apenas um SR-71, mas dois, um deles estático e outro que voou no sábado e no domingo, os dois dias do Open House.
Outra coisa também na classificação “nave espacial” era o F-117 Nighthawk, o primeiro avião stealth (furtivo) a entrar em operação, revelado ao mundo no já longínquo ano de 1988. Para ser mais chocante, chegaram voando, sem terem decolado dali, fizeram passagens de arrepiar, e pousaram, taxiando para a área de exposição, parando juntos e sob guarda armada. Fantástico.
O show dos Thunderbirds, a esquadrilha de demonstração acrobática da USAF, era o prato principal do dia, realizando-se sempre ao final do programa aéreo. Essas fotos não ficaram de boa qualidade, pois a lente que usei não era objetiva. Portanto, apenas algumas imagens para constar.
Como gosto de aviões de todo tipo, mas tenho uma fraqueza enorme para aviões idem, um Lockheed C-5B Galaxy estava em exposição, com as portas dianteiras e traseira abertas, para podermos passear por dentro dele. Um colosso que já havia sido suplantado em tamanho pelo soviético An-225 Myria, mas mesmo assim fantástico, ainda mais se sabendo que a USAF teve uma frota de cerca de 80 aeronaves, e o An-225 é único. O Galaxy ainda voa, mas a frota hoje é menor, pouco mais de 50 aviões.
O Galaxy tem peso máximo carregado de decolagem de 382 toneladas, sendo 130 só de carga, e alcance máximo de 9.165 km com essa carga, sendo ainda hoje, 50 anos depois de ter entrado em operação, o perna-longa da USAF.
Um pouco menor porém muito mais moderno e projetado para pousar em pistas sem pavimentação é o McDonnell Douglas C-17 Globemaster III. Por uma notável coincidência, eu descobri agora ao compilar essa matéria, que o avião na exposição em Edwards é o mesmo que hoje está no Museu da USAF em Dayton, s/n 570025, embora com outra camuflagem. O serial number, abreviado s/n, é equivalente ao número de chassis de um carro. Único e que não repete nunca.
O bombardeiro mais espetacular da USAF em operação continua sendo o Rockwell B-1B Lancer, e foi o melhor de todos os aviões para shows aéreos que vi nesse dia, devido ao seu som dos motores com pós-combustão, muito barulhentos. Com asas de geometria variável, pode voar até a duas vezes a velocidade do som. As fotos a seguir são do avião que estava parado todo tempo, para ser apreciado à vontade. O B-1 gerou um avião russo de configuração similar, porém maior e com mais capacidade de armas, o Tupolev 160 Blackjack.
O F-15 Eagle era na época o caça de superioridade aérea mais avançado da USAF, embora já tivesse quase três décadas de vida. O voo do F-15 é sempre incrível, de uma suavidade impressionante, mesmo sendo bem ruidoso quando acende os pós-combustores, mas é um dos aparelhos com melhor aerodinâmica de todos. Veja um pouco sobre ele nesta matéria.
Edwards foi e ainda é palco para tudo que há de novo na aviação militar da USAF, e muito da Nasa também. Foi lá que voou o Bell X-1 com Chuck Yeager que rompeu a barreira do som em 14 de outubro de 1947. Havia uma réplica do X-1 dentro de um dos hangares que estavam abertos, um lugar sempre bom de entrar para ficar um tempo na sombra.
Dentro de outro hangar, o mais sigiloso de todos os aviões expostos, o Northrop B-2 Spirit, o primeiro bombardeiro com capacidade furtiva, de difícil detecção pelos radares. Impressionante, apesar de não ter desenho que pode ser classificado de belo.
Na Rússia já havia o Sukhoi 35 operacional com sua saída de motor móvel, gerando o chamado empuxo vetorado para aumentar a manobrabilidade, mas nos EUA ainda se pesquisava essa tecnologia. A foto abaixo mostra um motor usado no F-15 para esse desenvolvimento. Note o bocal voltado para baixo.
Esse trabalho de empuxo vetorado era feito também com a Força Aérea Alemã, e para isso foi construído o X-31, projeto conjunto da Rockwell e da Messerschimitt. Um banco de testes exclusivo para o trabalho, sem nenhuma outra utilização. Esse avião é totalmente experimental, nunca tendo sido evoluído para operação normal. O exposto era o que sobrou dos dois fabricados, o primeiro havia se acidentado dois anos antes, em 1995, lá mesmo em Edwards.
Não poderia faltar o Boeing B-52, que ainda hoje é operacional, e tido por muitos especialistas como o primeiro avião que poderá atingir um século em voo. Voou pela primeira vez em 1952, e com as atualizações que são feitas na frota essa marca tem grandes chances de ser alcançada, apesar que a próxima reforma está ameaçada pelo orçamento que o Congresso americano faz de tudo para restringir cada vez mais. Lá em Edwards vimos um B-52 que passou engatado em um KC-135 de reabastecimento, depois voou sozinho com trens e flaps em configuração de pouso, som maravilhoso de seus oito motores, além de um outro que trabalhou durante décadas como lançador de aviões experimentais. Foram fabricados 744 aeronaves, com cerca de 75 ainda em operação.
O avião que gerou um capítulo sombrio da Guerra Fria foi o Lockheed U-2. Voa alto, 24.400 m e a pouco mais de 760 km/h, fotografando o que conseguir, e os russos estavam cansados de tentar abater um, até que conseguiram em primeiro de maio de 1960. A Lockheed já sabia que isso poderia acontecer, e trabalhava com afinco em algo diverso, que poderia escapar voando ainda mais alto e muito mais veloz, o SR-71.
Ainda hoje o U-2 é utilizado, para muitas missões que não são totalmente explicadas, mas que seguramente incluem vigilância de regiões problemáticas, como Afeganistão, Iraque, Síria e onde mais o governo americano tiver preocupações.
Esse final de semana ficou marcado em minha memória, é algo que não se esquece de maneira alguma. Espero um dia repetir a experiência.
Veja mais algumas aeronaves expostas na galeria a seguir.
JJ