A ideia para a utilização da energia atômica em carros aconteceu em meados da década de 1950, quando os Estados Unidos lançaram ao mar o submarino Nautilus, movido a energia nuclear. O calor gerado pelo Urânio 235 vaporizava a água que movia turbinas que por sua vez giravam as hélices propulsoras da embarcação.
E foi assim que os engenheiros da indústria automobilística, imitando a arte, se engajaram em projetar automóveis movidos à energia atômica, utilizando pequenos reatores nucleares para movimentar motores elétricos, propulsores. A mini usina nuclear seria composta de um pacote de urânio vaporizando a água que acionaria uma turbina, um gerador e um motor elétrico. Em teoria o sistema parecia simples, porem, esbarrava em um problema maior que era isolar o material radioativo do meio ambiente.
Mesmo assim, entusiasmada com a ideia, a Ford projetou o carro atômico Nucleon, para duas pessoas, que era praticamente um reator nuclear sobre rodas. A Ford sonhava com a criação de novos materiais leves para revestir o reator, ou até um campo energético formando uma barreira similar aquela da nave do filme Jornada nas Estrelas que tanto marcou nossa juventude. E tudo ficou somente no projeto…
Também a Simca francesa apresentou o protótipo do seu carro atômico, o Simca Fulgur, no Salão do Automóvel de Paris de 1960. O Simca Fulgur com cabine toda transparente, controle de voz, rodaria sobre duas rodas, estabilizado por um incrível sistema de giroscópios.
Ainda mais futurista era o Studebaker-Packard Astral, que também parecia ter saído de uma história em quadrinhos. Preocupado com a segurança e riscos ambientais, o governo francês proibiu qualquer teste com carros de propulsão nuclear nas rodovias francesas e os fabricantes pouco a pouco acabaram desistindo dos projetos.
Todo reator nuclear precisa de um escudo protetor, para não haver vazamento de radiação para o ambiente. Nas usinas e nos submarinos nucleares essa proteção é feita com camadas de chumbo e cimento que pesam dezenas de toneladas, o que não é problema no caso de um reator fixo ao solo, ou instalado a bordo de um navio. Porém, em um carro, a coisa muda de figura, pois o peso do veiculo é fundamental para a sua funcionalidade.
Em 1959, a empresa Goodyear anunciou o desenvolvimento de um material semelhante a borracha, leve e capaz de absorver a radiação. Entusiasmada com a notícia, a Ford apresentou outro modelo de carro nuclear na Feira Mundial de Seatlle, em 1964. Era um gigante de seis rodas, com estrutura modular e piloto automático. Infelizmente a proteção de borracha prometida pela Goodyear nunca saiu do laboratório e o Ford Seattle nunca passou do protótipo. Mas serviu de inspiração para o seriado de TV “‘Thunderbirds”.
Em 1966 a ideia do carro atômico já havia sido abandonada teoricamente, mas resistia na série de TV do Batman. O Batmóvel do seriado era um Lincoln Futura modificado, que tinha uma turbina a jato na cauda e um mini reator nuclear embutido. Quando a dupla dinâmica entrava no carro, Robin anunciava: “Turbinas em ação, reator ativado”. E o carro partia em alta velocidade.
A ideia que mais faz sentido hoje em dia é o desenvolvimento de baterias operacionais com energia nuclear que viabilizariam com vantagens os veículos elétricos. As baterias comuns, como as pilhas e as baterias de íons de lítio dos celulares, também conhecidas como de células galvânicas, usam a energia das reações químicas geradas. Nessas reações, os elétrons são transferidos de um eletrodo para outro através de um eletrólito, dando origem a uma diferença de potencial entre os eletrodos, positivo e negativo. Se os dois terminais da bateria forem conectados por um condutor, os elétrons começam a fluir para equilibrar a diferença de potencial, gerando uma corrente elétrica. Essas baterias químicas são caracterizadas por uma alta densidade de energia, porém, necessitam ser recarregadas constantemente.
As baterias nucleares denominadas Beta Voltaicas, trabalham com materiais semicondutores para converter a energia do decaimento Beta em eletricidade. Às partículas beta de baixa energia, elétrons, pósitrons e neutrinos, emitidas pelo elemento radioativo, ionizam os átomos do semicondutor, criando o mesmo desequilíbrio de cargas, semelhantes ás baterias químicas, gerando corrente elétrica.
A principal vantagem das células Beta Voltaicas sobre as Células Galvânicas é a sua longevidade. Os isótopos radioativos usados nas baterias nucleares têm vida que varia de dezenas a centenas de anos, de modo que sua potência permanece quase constante ao longo do tempo. Sem exageros, são baterias eternas. Embora essa tecnologia fosse estudada há décadas, as baterias nucleares em laboratório já alcançam uma densidade de energia que as torna competitivas com as baterias químicas para determinadas aplicações, celulares, marca passos cardíacos, etc.
Enquanto os geradores nucleares que utilizam o Plutônio 238 impõem riscos à saúde, inclusive podendo vazar para o meio ambiente e gerando graves problemas por contaminação radioativa, as baterias Beta Voltaicas não oferecem riscos, pois utilizam o Níquel 63 como fonte de radiação e diodos feitos de diamante para a conversão de energia.
O que está impedindo o desenvolvimento para aplicações como o carro elétrico, por exemplo, é o alto custo dos materiais utilizados e a alta demanda de energia requerida para a sua funcionalidade. Por certo as baterias nucleares darão o próximo passo para o progresso dos veículos elétricos.
CM
Foto de abertura: Wikipedia
Bibliografia:
High power density nuclear battery prototype based on diamond Schottky diodes
- S. Bormashov, S. Yu. Troschiev, S. A. Tarelkin, A. P. Volkov, D. V. Teteruk, A. V. Golovanov, M. S. Kuznetsov, N. V. Kornilov, S. A. Terentiev, Vladimir D. Blank