O Melling Hellcat é assustador, o Wildcat mais manso, e para quem está habituado a carros britânicos esportivos, este último parece algo já conhecido. A marca vem do engenheiro Alwyn Melling, um dos personagens de grande influência em projetos do mundo dos automóveis. Mas não muito conhecido do grande público, apesar de muito ativo nas últimas décadas até alguns anos atrás. Atuou tanto em carros como em motores, incluindo a categoria de topo, a Fórmula 1, passando também pelas motocicletas.
Melling é um engenheiro automobilístico britânico nascido em 1944 que trabalhou desde 1964 e se tornou um dos mais prolíficos criadores de motores, atuando desde a Norton Motorcycles até a Formula Um. Foi figura fundamental na TVR durante os anos 80 e 90, quando a empresa chegou ao auge da criatividade, mas gastou muito dinheiro e acabou fechando. No começo dos anos 2000 iniciou a Al Melling Sports Cars baseada Rochdale, próximo a Manchester.
Melling disse em 2009 que o Wildcat foi projetado como um carro bastante simples. Ele julgava que um carro deveria ter um chassis rodante, independente de carroceria montada ou não. No Wildcat os painéis externos são apenas para definir o estilo e aerodinâmica, sem nenhuma função estrutural. Em cerca de uma hora todos podem ser removidos.
Os motores podiam ser um Chrysler Hemi de 431 cv até 689 cv, V-10 do Viper, um BMW V-8, um Mercedes V12 ou o motor de projeto do próprio Melling, um V-8 de 5 litros. Havia também a opção de um Ford V-6 para quem quisesse preço mais baixo.
Uma das áreas onde foi gasto um bom tempo de projeto foi o espaço no cofre do motor. Bastante escolado pela situação de aperto e acesso ruim dos TVRs, provocado pela forma e fixações dos para-lamas, Melling fez o Wildcat com espaço para amassamento em caso de acidente (amarfanhamento), e também com isso obteve mais facilidade para manutenção. Tudo isso veio de melhorias no Griffith, modelo da TVR bem vendido, por isso o Wildcat foi bastante baseado nele.
E se o acesso para manutenção é complicado, na fabricação normalmente acontece a mesma coisa. Isso tornava os TVRs difíceis de fabricar, com mais tempo de trabalho humano gerando custos altos, que contribuiu para a insolvência da empresa.
Melling tem ideias que valem a pena serem entendidas. Suas conclusões sobre o que deve ser um carro esportivo são bastante básicas e fáceis de compreender.
Deve ter boa dirigibilidade, teto que pode ser usado aberto ou fechado, e estilo que agrade. Os carros com desenhos cheios de asas e defletores, além de excesso de entradas e saídas de ar são por ele considerados carros de corrida amansados para as ruas e não esportivos puros.
Os motores têm que ser robustos, “à prova de balas”, com números de potência e torque (quando expresso em lb·ft) quase iguais. Deve ter um som que faça lembrar de pistas de corrida. Os instrumentos devem estar lá para saber o que está acontecendo, não para tocar música, ou para manter os ocupantes aquecidos como se estivessem em casa. Com um pouco de exagero, Melling diz que o motor deve ser o aquecedor para os ocupantes.
Como projetista de motores, ele tem seus favoritos, o maior deles o que ele trabalhou e foi usado no Jaguar XJR-9 Silk Cut, carros montados pela equipe TWR de Tom Walkinshaw que venceram Le Mans duas vezes. O motociclístico Norton Nemesis, V-8 de 1,5 litro e 237 cv a 12.000 rpm entra na lista. O motor V-10 que fez para o Hellcat é o que mais gosta como beleza estética, além da moto Mondial de corrida monocilindro dos anos 60. O Suzuki de 4 em linha da Bandit é um de seus preferidos, pela versatilidade de ter ganho corridas de pista, provas de arrancada e poder ser usado na rua.
Sua empresa MCD – Melling Consultancy Design – vendida em 2004, fez em 40 anos de atividade motores em 60% dos trabalhos, 30% consultoria de projetos e 10% de perícias de vários tipos. Nos cinco anos de maior fervor criativo, obtiveram feitos como um V-10 de mais de 600 cv com quatro válvulas por cilindro, um V-8 de cinco litros e outro V-16 para fabricantes de modelos exóticos de pequena capacidade, além de um motor de moto com comando desmodrômico e câmbio de 6 marchas. Sendo uma empresa contratada para projetos, em vários casos os clientes solicitam sigilo na divulgação dos trabalhos, mesmo depois de concluídos. Por isso não se sabe exatamente quais são esses motores.
Resumo dos dois carros
O Hellcat é de 2007, mostrado para competir com os carros mais rápidos do mundo. O motor é um V-10 de 6 litros com quatro turbocompressores, produzindo 1.190 cv e funcionando com um câmbio manual de 6 marchas. Era previsto um acordo com a Roush Engineering, de Michigan, visando fabricar até 100 carros por mês nos EUA, para tentar fazer o preço ficar em uma pequena fração do Bugatti Veyron, claramente o alvo em termos de desempenho. Melling divulgou à época que a velocidade máxima estimada era de 475 km/h, com aceleração de 0 a 100 km/h em pouco menos de 3 segundos.
O Wildcat é do ano seguinte, 2008, para atender aos clientes órfãos da TVR e da Marcos. Dentro das filosofias de Melling sobre o que deve ser um esportivo, é bem mais equilibrado em seus números. Foi planejado para 150 carros e kits por ano, e a produção deveria começar em 2009, mas apenas sete carros foram fabricados entre 2008 e 2014.
O chassis é um monobloco de aço formado por vários elementos estruturais em forma de caixas aproximadamente quadradas, com carroceria em compósito de fibra de vidro. Esta não faz parte da estrutura. O motor é o AJP8 projetado por Al Melling, V-8 de 4,5 litros, acoplado a um câmbio Tremec manual de 5 ou 6 marchas, que também seria fabricado nas instalações da Tremec em Michigan.
O protótipo foi feito em apenas nove meses, aparecendo na revista Autocar em agosto de 2008. O carro é muito similar ao TVR Griffith, tanto que um dos motores a serem utilizados, o AJP8 era o mesmo usado no TVR Cerbera, com 454 cv a 7.200 rpm e 56,2 m·kgf a 5.200 rpm. Outros opcionais seriam o V-10 do Viper, os V-8 dos BMW e os LS da GM, também V-8, estes mais para o mercado americano.
A tração traseira é feita por eixo rígido, mas se permitia ao comprador escolher uma suspensão independente, que combinaria melhor com os até 1.000 cv que se previa que o carro poderia suportar. As suspensões são ajustáveis em carga de amortecedor e de prato de mola, e na frente é de braços triangulares superpostos. Freios a disco nas quatro rodas, pinças de quatro pistões na frente. Direção de pinhão e cremalheira, com 2,9 voltas de batente a batente, com assistência hidráulica ou sem, de acordo com o pedido do cliente.
Com redução final de diferencial 2,65:1 chegava a 290 km/h, e 240 km/h com 3:1. As acelerações de 0 a 100 km/h eram de 3,6 segundos e 3,2 segundos respectivamente, números muito ajudados pelo peso em ordem de marcha, que não passava de 998 kg.
Em 2010, havia a informação de que o carro passaria a ser fabricado em Portugal, no Algarve Motorpark, área industrial voltada às competições a motor localizada junto ao autódromo de mesmo nome, com 60 pessoas no trabalho. Melling havia vendido a empresa para Dillys Wilkinson após o falecimento de sua esposa, mas permanecia na ativa, já que era o criador de tudo.
O preço era, dependendo do que se escolhia para o carro, entre 40 e 45 mil euros. Se fosse comprado como kit para ser feito em casa, de 18 a 21 mil euros. O mínimo de eletrônica foi colocada no carro, para ser o mais fácil possível do dono mantê-lo.
Foram feitos apenas sete unidades do Wildcat, com o Hellcat se resumindo a apenas em um protótipo que deixou muitos interessados frustrados. Basta ouvir o som do motor nesse vídeo a seguir para entender por quê.
JJ
Fotos: Revistas Car e Autocar, Wikipedia