O que um autoentusiasta faria se encontrasse um Fiat 147 a álcool do primeiro lote de produção do dia 5 de julho de 1979 em perfeito estado de conservação? Foi exatamente essa pergunta que a equipe da FCA teve que responder. E a resposta está aqui.
A FCA encontrou um modelo 147 ano 1979 com cerca de 80 mil quilômetros rodados na garagem do Ministério da Fazenda em Brasília e tratou de revisá-lo para ficar em perfeitas condições de rodagem.
Isso para que a fabricante pudesse oferecê-lo para ser dirigido pelos jornalistas convidados para a comemoração do 40º aniversário do início de produção do primeiro carro a álcool fabricado no Brasil, um 147.
Breve história do álcool no Brasil
A história do álcool como combustível no Brasil começou como aditivo à gasolina na década de 1930, quando passou a ser obrigatória a adição de álcool à gasolina na proporção de 5% a 8%. Tratou-se de uma imposição do governo, através do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), visando aproveitar o plantio de cana-de-açúcar, uma vez que o preço do açúcar estava em baixa nos mercados mundiais. Atualmente temos 27,5% de álcool nas gasolinas comum e comum aditivada, e 25% nas gasolinas premium.
Porém, em meados dos anos 1970, em meio à primeira crise do petróleo seu preço sextuplicou em três meses, e como o país só produzia 20% de suas necessidades, o gasto com importação de petróleo tornou-se estratosférico, daí surgindo o interesse de substituir o derivado gasolina pelo álcool.
Com o decreto do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), assinado pelo presidente Ernesto Geisel em 14 de novembro de 1975, todos os fabricantes intensificaram as pesquisas, desenvolvimento e validação da nova alternativa de combustível. Menos de quatro depois deixava a linha de produção o primeiro carro a álcool, o Fiat 147.
Recém-instalada no Brasil em 1976, a Fiat saltou na frente dos demais fabricantes e foi a primeira a homologar uma versão a álcool, escolhendo o 147 que havia inaugurado a linha de produção da fabrica de Betim — o que na época foi uma quebra de paradigma, pois toda a indústria automobilística concentrava-se na região conhecida como ABC, em São Paulo.
Como muito bem lembrado por João Irineu Medeiros, diretor de Assuntos Regulatórios e Compliance da FCA, em sua apresentação, o desenvolvimento dos carros a álcool, e mais recentemente o flex, trouxe um ciclo positivo de geração de empregos e de conhecimento técnico aos nossos engenheiros. Hoje em dia todos os fabricantes exportam engenheiros com esse conhecimento adquirido ao longo de anos aqui no Brasil.
Avaliando um clássico
A pista de testes da FCA em Betim foi o palco escolhido para esta avaliação do 147 a álcool. No primeiro contato com o carro, antes de sentar ao volante e acelerar o “cachacinha”, apelido que o 147 teve na época, dado o cheiro característico de alambique que saía pelo escapamento, observei os detalhes de originalidade do veículo.
Externamente está muito bem conservado, tanto na pintura quanto nos seus equipamentos originais. Como este carro foi sempre utilizado em Brasília nas imediações da Esplanada dos Ministérios, onde a umidade relativa do ar é baixa e as vias têm boa conservação, a carroceria e demais componentes não sofreram muito os desgastes de uso que fatalmente ocorreriam em condições mais severas (motivo de os carros “residentes” em Brasília serem a melhor compra de usados).
O interior do veículo está totalmente preservado, começando pelo tapete moldado do piso, os bancos com revestimento original, cintos de segurança subabdominal que eram os exigidos por lei na época, volante de direção, comandos elétricos e a original, simples e inovadora caixa de distribuição de ar (vide foto abaixo).
O motor dianteiro e transversal (primeiro no Brasil), quatro cilindros em linha, árvore de comando de válvulas no cabeçote acionada por correia dentada, cilindrada 1.297 cm³; taxa de compressão: 11,2:1, que gera uma potência de 62 cv (potência SAE bruta) a 5.600 rpm e torque de 11,5 m·kgf (torque SAE bruto) a 3.000 rpm nessa versão a álcool, segue firme e forte. Para aqueles que conhecem esse motor nota-se aquela rajada tradicional, que muitos pensavam ser folga nos casquilhos de biela, mas que na verdade está relacionada à batida de saia do pistão. No motor nota-se também a tampa de válvulas na cor vermelha, identificação dos motores a álcool da Fiat nessa época.
A alavanca do câmbio de quatro marchas tem manopla esférica, típica dos carros italianos, ótima. A primeira e a segunda têm engate um tanto duros, explicado pelo engenheiro Robson Cotta, gerente de Engenharia Experimental, como devido ao tipo de sincronizador, o Porsche (no modelo 1981 passou a BorgWarner e o problema foi eliminado). A seleção de marchas é fácil e o arranjo do comando do câmbio, de varão único, faz troca de segunda para terceira consistir num movimento “reto à frente”. Disso eu me lembrava bem, pois tive um 147 branco ano 1980.
O volante de direção é bem inclinado, que muitos não gostavam, chegando a abaixá-lo por meio de calços entre o painel e o mancal da árvore de direção. Na verdade, basta ajustar o banco de modo a braço e antebraço ficarem normalmente flexionados que a inclinação do volante mostra ser correta.
O freio — disco na frente e tambor atrás — não conta com assistência, mas como o carro pesa apenas 810 kg, não chega a fazer falta, não requer muita força no pedal. Nas curvas da pista de teste eu podia tomá-las com algum ímpeto sem nenhuma dificuldade, mostrando bom equilíbrio. A suspensão, como se sabe, é independente nas quatro rodas.
Ao receber este carro na FCA, o engenheiro Robson, responsável pela revisão realizada no veículo, contou que apenas serviços de manutenção foram efetuados, e o carro estava pronto para voltar a circular. Outro item que demonstra que o carro só trafegou pelos lados de piso bom de Brasília, os amortecedores nem precisaram ser substituídos nesta revisão, e ao dirigir o carro notei que ele tem o comportamento dinâmico muito parecido com o do meu 147.
Os pneus instalados no veículo estão na dimensão original 145/80R13T, porém como esta medida deixou de ser produzida no Brasil (ato irresponsável das fabricantes de pneus), os engenheiros da FCA, ao substituí-los (por idade) tiveram que utilizar importados, o que no caso não é nenhum demérito ao trabalho de revisão realizado.
Preservação da História
A preservação da história automobilística no Brasil é algo que está longe da nossa cultura. Enquanto nos EUA e Europa você encontra museus de automóveis em todas as partes, vide um exemplo nesta matéria do Juvenal Jorge, por aqui ficamos limitados a iniciativas individuais e quando algo de bom acontece, como foi o museu da Ulbra em Canos, RS, o desgoverno e falta de incentivos obrigou ao fechamento das portas e venda do acervo para pagamento de dívidas.
O ex-colunista do AE Roberto Nasser foi outro incansável lutador pela preservação dessa história e esperamos que mesmo após sua morte o museu que ele tinha em Brasília seja finalmente reaberto e tenhamos assim um local para que todas essas iniciativas sejam armazenadas.
Esperamos que assim como a FCA teve esta brilhante iniciativa de resgatar este modelo da nossa história, outros fabricantes façam o mesmo a ajudem a contar toda a evolução da engenharia automobilística brasileira no futuro. Pois tenho certeza que é algo que todo autoentusiasta faria caso tivesse tempo e dinheiro disponível para tal.
GB
Assista esse vídeo produzido pela FCA: