1920
No começo, foi o Ford modelo T
Uma cabine, que eu diria, foi retirada de uma carroça pequena, anexada por uma peça intermediária a uma caixa que cobria o motor, sendo o perfil de frente formado pelo próprio radiador.
As rodas eram enormes, aro 22 ou mais, e pneus estreitos, bem mais “para fora” que a largura da cabine.
Sobre as rodas, os para-lamas, simples como asas flutuantes e unidas por um estribo, já que a cabine era bem alta e por trás, um arremedo de porta- malas que às vezes podia esconder um par de “bancos para sogra”.
A posição de dirigir era bem alta do solo e o motorista e passageiro de sentavam com a coluna bem vertical, quase como se estivessem em uma mesa de jantar.
O modelo T da Ford foi o primeiro carro de produção em série, e acessível para a classe trabalhadora.
O design era sóbrio, sem firula, porém, muito bem equilibrado visualmente.
Eu tenho comigo que este carro está marcado profundamente no nosso pensamento subjetivo e de alguma maneira subconsciente, seja a semente que contém todo DNA do carro ideal.
1937
Mercedes-Benz 320
Cabine e o compartimento do motor se tornaram uma só “peça”.
Para-lamas e estribos, ainda elementos separados, já se amoldam à superfície principal do corpo do carro.
Os únicos elementos na superfície do carro são as saídas de ar nas laterais do compartimento do motor
Os faróis ainda são elementos individuais flutuantes entre o capô e os para-lamas.
Agora notem a proporção e arquitetura:
A distância entre eixos é imensa, e praticamente não existe balanço dianteiro ou traseiro.
As rodas estão nos extremos do carro. Depois delas, somente uma fina lâmina de aço chamada para-choque.
Reparem que a superfície frontal do radiador está “mais para traz” do que a própria superfície do pneu dianteiro (balanço negativo)!
E o mais dramático, para nós que vivemos na era dos motores dianteiros, é a distância da roda dianteira da linha de abertura da porta dianteira, normalmente alinhada com a base da coluna A.
Especialmente esta proporção, entre fim do pneu e abertura da porta dianteira que proporciona imponência e um capô longo, que cobre um longo e potente motor!
O radiador dita a forma do corpo do carro! ( e o perfil dianteiro do radiador que “corre para trás” formando o “shape” básico do corpo do carro.
Com o motor dianteiro (mais barato), esta proporção desapareceu, assim como toda cabine veio para “frente” e tornou o carro mais “funcional, equilibrado, prático”, porém menos emocional.
1950
Oldsmobile Fastback Rocket 88
Enfim, os para-lamas foram definitivamente incorporados ao corpo do carro!
O corpo imaginário do carro, que sai do perfil da grade ainda está lá, mas os para-lamas agora formam um corpo só.
A proporção entre o corpo e a área envidraçada é dramática.
O corpo é enorme e musculoso, e a área envidraçada é bem pequena.
O que não falta é aço depois de uma guerra.
A espessura de chapa de um carro como este era de +/- 3 mm, quando o de hoje é 0,7 mm.
As rodas já não tem mais o destaque de antigamente quando saltavam fora do espaço da cabine, mas ainda recebem um tratamento de honra pois, afinal, são elas que no fim tem o contacto com o solo, são nelas que estamos apoiados.
São elas que nos impulsionam e nos direcionam.
O para-lama dianteiro agora se “arrasta” para trás até encontrar com a “caixa de roda traseira” devidamente bombado para mostrar que dali é que sai a força (tração traseira).
O motor ainda está atrás do eixo dianteiro e a roda dianteira ainda continua decentemente longe da abertura da porta dianteira.
O estribou, sumiu, foi integrado ao corpo e passou a se chamar “rocker panel”, ou seja, painel (para batidas) de pedras.
A superfície é esculpida,e os Highlights, ou linhas de luzes, são bem controladas mas quase não existe “linhas” na carroceria.
A decoração do corpo do carro era feita através de frisos metálicos, normalmente cromados que incorporavam não só logotipos e letreiros mas também lanternas, trincos e espelhos.
As rodas diminuíram muito e os pneus aumentaram em largura e altura do flanco (perfil) para maior conforto e estabilidade.
Para compensar os estragos visuais e de proporção dos pneus pequenos e corpo enorme os carros americanos usaram muito as faixas brancas,que tinham a única função de melhorar esteticamente a proporção das rodas x corpo.
A posição de sentar ainda era alta, banco confortáveis (poltronas) e interior com tratamento de Color & Trim muito sofisticado.
Estava nascendo o sonho americano.
1954
BMW coupé
Na Europa do pós-guerra o aço e o desperdício não eram aceitos.
Os carros eram mais leves, econômicos, porém este foi o caminho correto, já que todos sabemos que o que importa é a relação peso-potência.
Se você é leve, não precisa de tanta potência para ter o mesmo desempenho.
Ao invés de ir para a força bruta e o tamanho, a Europa partiu para a leveza e tecnologia.
O design era mais acanhado, mas a formula era a mesma.
O corpo envolvido pelos para-lamas, poucas linhas na carroceria e alguns tímidos frisos decorativos.
Nesta fase o carro era orgânico, com “formas arredondadas”, e mais uma vez, ótimas distâncias entre eixos e proporção vidros pequenos-corpo grande.
Os para-lamas continuam marcantes, quase que um elemento obrigatório e único que tem infinitas formas.
1955
Buick Roadmaster
Aqui a proporção começa a mudar. O motorista senta um pouco mais baixo, a distância entre eixos é medonha, o balanço dianteiro [e pequeno e a traseira começa a crescer em tamanho e importância.
Os temas relacionados a espaçonaves e foguetes inspiram os designers que tëm carta branca para criar as mais belas traseiras de todos os tempos. (EUA)
A carroceria continua com poucas linhas, a cabine ainda está bem recuada, e a coluna C aponta para o centro da roda traseira.
Muitos modelos partem para duas cores de exterior, maiores áreas cromadas.
As combinações de cores são perfeitas e de extremo bom gosto, com muitas variantes.
Os carros ainda são montados mais ou menos um a um.
Como v[arias formas da carroceria não permitiria a extração da ferramenta devido às contrassaídas na peça, o jeito era compor a carrocerias com um “retalho de peças de aço” que eram soldadas à mão, e depois praticamente esculpidas, com limas, na linha de montagem, onde os funileiros davam a forma final do carro!!!
Tudo era de aço. O plástico como nos conhecemos ainda não existia.
As colunas eram o mais estreitas possível, dando uma leveza e amplitude para o visual externo.
Faróis e lanternas passaram a ser um “spot” no desenho do carro, um elemento de distração e surpresa.
Embora as funções fossem básicas, os desenhos decorativos que os sustentavam eram criativos e de extremo bom gosto.
A escola americana fez história nesta época no quesito de grafias e decorações com uma “linguagem automobilística” que vive até hoje como um alicerce para o design automobilístico moderno.
Nunca nos esquecendo das faixas brancas nos pneus para melhorar as proporções visuais.
1965
Ford Thunderbird
Aqui já se sente a mudança de atitude e proporção, diría, até em exagero.
O motorista se senta bem baixo, e traz o teto com ele.O carro e longo e baixo! Que delícia!
Podemos notar como a superfície da carroceria finalmente é tratada com linhas que definem planos de luz, criando um tema impresso na superfície.
Os frisos cromados são aos pouco abandonados, já que sempre foram causadores de problemas de qualidade e corrosão.
O cromo é usado com menos ênfase. Alguns escondem as rodas traseiras e começa a existir um sintoma de que o corpo do carro está muito grande para as rodinhas que os sustentam.
Porém com estas novas técnicas para ferramentas de prensagem abre-se um mundo novo para os designers, mais simples e limpo.
A coluna C ainda apontada para a roda traseira tenta manter esta tradição, porém ela acaba não sendo muito confortável para os passageiros traseiros.
Nesta época os carros ainda usavam chassi, assim como os caminhões.
A era dos automóveis-foguete estava chegando ao fim.
1967
Mercedes-Benz 250 C
Já os alemães tem uma visão mais design e menos styling.
As formas são mais contidas e os elementos básicos e decorações desnecessárias são reduzidos a quase nada.
Os para-lamas praticamente não existem mais, embora lá no fundo e com uma boa observação ainda possamos ver os elementos vitais do desenho automobilístico, que é o corpo envolvido pelos para-lamas.
Os para-lamas envolveram-se tanto com o corpo que para atender as normas de cobertura da superfície do pneu nasceu um “lábio da caixa de roda”, quase que uma moldura que envolve a caixa de rodas e muitas vezes [e usado como transição entre o corpo e a superfície necessária para a cobertura correta dos pneus.
As normas de cobertura dos pneus acabam afetando bastante o desenho do carro, porque elas escondem as rodas, e disso nos não gostamos.
Os alemães mais racionais, os franceses mais criativos no quesito forma, os italianos os mestres do design na Europa, porém mais focados em carros esporte para a elite, porém deste nicho está para acontecer uma grande revolução.
1974
Golf mk1
O carro do povo (“Volkswagen”) renasceu com uma nova maneira de se produzir um carro para as massas.
Com ele veio um desenho feito principalmente voltado para a produção em série, portanto mudando inclusive a maneira com que os painéis que compõem a carroceria são soldados entre si, com novas amarrações que permitem uma boa rigidez estrutural, rapidez e qualidade de produção.
Além disso, com ele vem um novo feeling, de um carro ágil, bem acabado e com novidades tecnológicas.
O desenho, minimalista, foi gerado nos estúdios do Giugiaro e vendida a Volkswagen, diz a lenda, por o equivalente a 1 euro por carro produzido com o nome Golf. Só no ano passado foram vendidos 731.000 Golfs!
Nesta época a forma do corpo do modelo de design era gerada com “chapelonas”, perfis que literalmente corriam pelos trilhos laterais e geram a forma básica do corpo.
Portanto o carro era basicamente gerado por uma seção (um corte na altura do centro da porta) que corria toda superfície externa, puxada manualmente pelos modeladores.
Depois, com o auxílio do designer, e fitas pretas de várias espessuras (tapes) o modelador “acertava os cantos”, transições entre superfícies manualmente.
Toda forma era feita em um lado do modelo, depois de aprovada pelo chefe, era simetrizada através de pontos batidos com pontes de medições manuais no outro lado do modelo.
De qualquer maneira o Golf trouxe este paradigma de simplicidade de formas, um ótimo produto e acessível a uma grande parte da população da Europa, e durante todas suas gerações foi considerado o “Melhor classe A” já construído.
1980
Dodge Mirada
Em 1980 os carros americanos estavam em baixa. Todo experimentalismo e ousadia, assim como as toneladas de aço, estavam desaparecendo. Os carros arredondados se foram e deixaram uma geração de carros que, hoje, foram esquecidos. Não são considerados clássicos, parece que perderam o pedigree. O design mais simples, sem grandes áreas cromadas chegou, mas não pegou muito bem. Embora ainda enormes e imponentes, faltava criatividade e um caminho a ser seguido.
A área envidraçada cresceu, os pneus faixas brancas ainda dissimulavam as rodas pequenas, agora injetadas em alumínio, e os para-choque já eram de plástico.
Porém, graças à tração traseira as proporções ainda eram boas, com longas frentes e cabine ainda posicionada mais para trás do carro.
1992
BMW M3 Coupé
Este foi um carro que realmente me chocou, quando eu o vi pela primeira vez ao vivo numa Autobahn na Alemanha.
Como todos estávamos muito amarrados com uma série de novas limitações, o M3 veio para se tornar o carro mais empolgante da Europa.
Ele era ágil, leve, com proporções fantásticas embora ainda muito simples em sua linguagem corporal.
O defletor traseiro incorporado à carroceria e os movimentos dinâmicos criados na região do “rocker panel” (soleira), abriam novos horizontes.
O carro tinha um friso que o “rodeava” todo, lanternas com aletas tridimensionais, lindas rodas de alumínio e uma frente com um design bastante geométrico, porém com um balanço e força surpreendentes.
Por sorte dos amantes da BMW, o modelo tinha motor dianteiro central e tração traseira o que ajudava em muito a proporção é francamente morríamos de inveja dos designers da marca.
Abertura da porta dianteira bem longe da caixa de roda, colunas A bem inclinadas e a famosa linha invertida da coluna C, a quebrada Holmeister (Hofmeister kink) que se tornou marca registrada da BMW por muitos anos.
2000
Ford Taurus
Eu me lembro que houve um momento nos anos 2000 em que algumas companhias apostaram novamente em uma linguagem fluida, sem linhas marcantes ou superfícies planificadas.
Era a tentativa de uma linguagem mais “orgânica” e cantos arredondados.
Com superfícies deste tipo e necessário uma escultura muito precisa, já que sem as linhas de construção, que tem a função de dominar o andamento da superfície fica muito difícil de se obter um “Highlight” perfeito.
Grandes para-choques plásticos e pintados na mesma cor do carro, na frente e traseira já viraram praxe.
Este foi o futuro que não durou nem uma geração, e após vendas discretas a nova linguagem de design teve que ser repensada.
Para fazer estes comentários eu fui procurando aleatoriamente modelos apresentados pelo ano de lançamento dos carros.É claro que é uma análise genérica e não da para classificar precisamente as mudanças já que são centenas de novos carros todos os anos. Por enquanto chegamos até os anos 2000.
Na próxima coluna (9/11) vamos ver como o automóvel evoluiu no seu design nas duas mais alucinantes décadas (2000 a 2019) da história da indústria automobilística.
LV