A história da única equipe originalmente brasileira na Fórmula 1 começou na temporada de 1975 com a coragem de Wilson Fittipaldi Jr. em criar sua própria equipe, junto com Ricardo Divila, projetando um carro arrojado como nenhum outro visto até então. O tempo mostrou que talvez a equipe tivesse sido arrojada demais, tendo que retrabalhar o projeto para deixa-lo mais convencional.
A contratação do inglês David Baldwin para a criação do F5 era um raio de esperança na vida da Copersucar, que vinha sofrendo com carros pouco competitivos ao longo de sua curta história. Apostando na experiência do projetista que já havia criado um F-1 para a equipe Ensign, Wilson apostou no talento de Dave.
A temporada de 1977 mostrou que a aposta não foi certeira, com um carro inconstante e ainda repleto de problemas de confiabilidade. Novamente uma mudança na equipe deveria ser feita para tentar uma recuperação rápida. A solução para 1978 seria tentar salvar o que foi feito no F5, modificando o carro mas mantendo sua base, já pronta e consolidada.
Para tal tarefa, após a saída de Baldwin da equipe, Divila assumiu a liderança do time de projetos. Trouxeram também Ralph Bellamy, um dos engenheiros da Lotus que trabalhou no projeto do modelo 78, o novo carro-asa da equipe inglesa, e com prévia experiência na McLaren.
Contrataram também a empresa italiana de consultoria de projetos chamada FLY Studio, localizada em Modena, perto da casa da Ferrari. A FLY Studio era bem gabaritada, criada por dois ex-funcionários da Ferrari, Giacomo Caliri e Luigi Marmiroli.
Caliri foi o substituto do grande Mauro Forghieri na Ferrari e assumiu os trabalhos na parte de aerodinâmica no fim dos anos 60 quando Mauro migrou para a divisão de F-1 da empresa. Trabalhou como chefe de projetos tanto da F-1 como de carros esporte até 1976 quando saiu para criar a FLY Studio. Marmiroli trabalhou no desenvolvimento de carros para a Ferrari desde sua graduação como engenheiro, trazendo para a equipe os primeiros cálculos computadorizados. A empresa tinha ligação com a Autodelta e posteriormente trabalhou para a ATS, Brabham e também a Ensign.
O trabalho de Divila e da FLY Studio era tentar salvar o que fosse possível do F5. O monobloco era bem projetado e foi mantido, com pequenos ajustes. O conceito da vez era o efeito solo, explorado com sucesso pela Lotus, e o novo Copersucar deveria tentar algo neste caminho. Para tal, as laterais do carro foram modificadas para livrar espaço para as superfícies do assoalho serem melhor aproveitadas para criar a downforce por conta da diferença de pressão, teoria que contamos aqui no AE.
Ricardo Divila conta: “Tínhamos necessidade urgente de mudar a carroceria do F5 e não havia disponibilidade de subcontratantes de fibra na Inglaterra, o mesmo para trabalho de fundição. Para fazer o trabalho no Brasil, só a logística e o tempo de reação atrapalharia muito, pois tínhamos urgência, visto os problemas do F5. O Giacomo, que tinha uma consultoria automobilística baseado em Modena e no qual trabalhavam, à noite, muitos desenhistas da Ferrari que faziam “bico” para arredondar o orçamento de fim de mês. Além disso, tinha acesso a um grande número de fornecedores na região de Modena.”
O radiador de óleo do motor passou para o bico do carro, assim como era no Lotus 78, para ganhar espaço nas laterais. Como o carro já existia e o efeito asa era um conceito que pedia um projeto especial, o time de desenvolvimento fez o que pode para chegar o mais perto possível da construção desejada, mas ainda não era um carro feito para ter o efeito solo e sim adaptado para isso. As saias laterais que foram introduzidas por Divila no FD04 ganharam real função com a vedação do assoalho.
A geometria de suspensão foi atualizada para melhor se adaptar aos pneus, problema que Emerson apontava como um dos culpados pelo desempenho duvidoso F5. Por ser um carro agora com efeitos aerodinâmicos mais intensos, a suspensão seria mais firme para evitar o contato do assoalho com o solo. Quanto maior a downforce gerada, maior eram as cargas verticais na suspensão.
Novamente, a participação da FLY mesclava-se com o know-how de Divila. “A suspensão foi minha, com assessoria do Marmiroli, a aerodinâmica do perfil asa também. A FLY Studio não tinha nenhuma experiência (com efeito solo), pois haviam trabalhado com a Ferrari, que tampouco tinha experiência com efeito solo por terem um motor boxer como o VW, o que dificulta muito as asas. O Giaccomo se ocupou da forma externa (para-brisa , bico, capô do motor) e a coordenação com os fornecedores locais. O F5A não teve muita conexão com o Lotus, aparte a evidente ideia do carro asa.”
O Cosworth V-8 ainda era o coração do carro, mas os Fittipaldi já sondavam os novos motores turbo que viriam para as pistas com a Renault em 1977. Há algum tempo, tanto Emerson como Wilsinho, desconfiavam que os motores que recebiam não eram exatamente iguais aos que as grandes equipes recebiam. Havia uma forte suspeita de que a Cosworth enviava para a Copersucar (e outras equipes menores), os motores de segunda linha. Os melhores eram repassados para equipes como McLaren, Tyrrell e Lotus.
Na estrutura da equipe, Wilsinho fez algumas mudanças, trazendo novo sangue para o time. Contratou Peter McIntosh para ser chefe de equipe no lugar de Jo Ramirez, que de acordo com alguns relatos, estava muito insatisfeito com a forma com que a verba da equipe era administrada, e foi para a Shadow.
Peter tinha muito contato e larga experiência com a politicagem da Fórmula 1, sendo um dos homens da associação de construtores da categoria. Nas mudanças internas, David Luff passou a atuar como o chefe dos mecânicos e de trabalhos de box nas corridas, além das atividades que já vinha realizando na parte de desenvolvimento desde 1976.
Após a conclusão dos trabalhos, o F5A foi para a pista ser avaliado por Emerson, que ficou impressionado com o desempenho do carro. Disse ele que o carro era tão fácil de pilotar que parecia um Fórmula 2. O carro andou na Inglaterra e na França, em ambas as ocasiões mostraram bons resultados. Expectativas altas, mais uma vez.
A primeira corrida seria em Buenos Aires, onde em todos os treinos o carro andou constante sem nenhum problema. Surpreendeu a todos na equipe, já acostumados aos recorrentes defeitos a cada evento na pista. O F5A foi bem, mas como todo novo carro, ainda precisava de tempo de pista para tanto Emerson se acostumar com o efeito asa, quanto a equipe a entender como acertá-lo.
Na qualificação, ficou apenas em 17°. Na corrida, conseguiu se adaptar ao carro e aos poucos foi crescendo. Terminou a primeira corrida do novo F5A em nono lugar, mas tinha chance de ter passado o Ferrari de Gilles Villeneuve se a corrida não tivesse sido encerrada antecipadamente. Bom resultado para a estreia do carro, com praticamente nenhum problema técnico. Esta, talvez, a melhor notícia para o time.
Neste meio tempo, Ralph Bellamy deixou de trabalhar em melhorias no F5A e partiu para o que seria o carro de 1979, totalmente novo, que veremos mais para frente.
O GP DO BRASIL E A “VITÓRIA” DA COPERSUCAR
A segunda etapa do campeonato de 1978 seria em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Mais uma vez a Copersucar teria a chance de mostrar ao vivo para os brasileiros que não estavam de brincadeira, contrariando o que a mídia da época dizia e os ridicularizavam.
Nos treinos, Emerson foi rápido e constante, conseguindo o sétimo lugar no grid, bom resultado para o novo carro em uma pista que a Copersucar não tinha experiência. Mesmo com uma quebra em uma das sessões de treino que levaram a uma famosa briga aos tapas com um dos fiscais de pista, os Fittipaldi estavam confiantes para um bom resultado em casa, especialmente para dar um cala a boca na mídia e mostrar aos patrocinadores que os investimentos feitos até o momento estavam surtindo efeito.
No dia da corrida, as emoções não poderiam ter sido maiores. A menos de meia hora para largar, quando deram partida no F5A para o aquecimento, a árvore-piloto da transmissão quebrou. Não daria tempo de consertar para a largada, era uma tarefa de horas, então o time se mobilizou todo para preparar o carro reserva, também um F5A.
Todo o ajuste de suspensão do carro titular era repassado para segundo chassi, já para situações como esta, e os acertos finais foram completados praticamente com o carro dentro da pista indo para sua posição no grid. O comportamento do carro-reserva seria uma incógnita, pois não havia rodado nada naquele fim de semana. Era um carro zero-quilômetro.
Sabendo que suas opções se resumiam basicamente a correr com o carro-reserva do jeito que estava, Emerson foi para o grid rezando para o carro não “andar para trás”, como se fala na gíria das corridas. Conseguiu largar para a volta de apresentação sem problemas, para alívio de Wilsinho que assistia a tudo e passando ordens à equipe toda para contornar as dificuldades.
“Logo que entrei no miolo do circuito, senti que o carro estava bom. Apenas tive receio porque aquela volta de apresentação era a única que eu tinha rodado com o segundo carro” — contou Emerson sobre sua primeira volta com o carro-reserva. Já no grid de largada, Emerson estava muito animado, dizia que o carro estava ainda melhor que o carro titular.
Logo na largada ele já conseguiu pular para quinto, confiante com o carro que já se mostrava melhor que o carro principal. Em poucas voltas já estava em quarto, seguindo firme para disputar o terceiro lugar. O F5A era estável, consistente, nada parecido com os carros anteriores da equipe.
Terceiro lugar conquistado, Emerson já ia na busca de Mario Andretti e seu Lotus 78, o carro que serviu de inspiração para o F5A com sua avançada aerodinâmica e que parecia ser imbatível. Mas no Rio de Janeiro o Lotus não aguentou e foi perdendo rendimento aos poucos, cada vez mais lento, até que o Copersucar amarelo o ultrapassou sem grandes dificuldades.
O que parecia um sonho distante depois de tantos maus resultados estava cada vez mais perto de se tornar realidade. Apenas o argentino Carlos Reutemann e seu Ferrari 312T2 à frente. Uma vitória no Brasil era difícil, mas não impossível. O problema é que o 312 era muito rápido e Emerson estava sofrendo com o calor do Rio depois que sua garrafinha de água perdeu a conexão com o capacete e ele não conseguia beber água. Já estava passando mal mas não desistiu, foi até o final.
O Ferrari cruzou a linha em primeiro, mas a torcida parecia que nem tinha visto o argentino receber a bandeirada. Invadiram a pista para comemorar o segundo lugar do Copersucar. Foi uma alegria geral, finalmente a promessa de um F-1 brasileiro vencedor estava se tornando realidade.
Abaixo a gravação completa da corrida para assistir como foi este dia memorável para os Fittipaldi.
MAIS UM SEGUNDO LUGAR PARA O F5A
Não apenas no GP do Brasil que Emerson e o F5A conquistaram um segundo lugar para o crescente currículo da Copersucar. Em março de 1978, entre o Grande Prêmio da África do Sul e dos Estados Unidos, aconteceu uma corrida que não valia pontos para o campeonato realizada em Silverstone, na Inglaterra.
Era a prova realizada pelo British Racing Drivers’ Club (BRDC), uma associação de pilotos da Inglaterra, similar à Corrida dos Campeões (Race of Champions) e que admitia pilotos e carros de Fórmula 1. Dentre os participantes de peso estavam Mario Andretti, Patrick Depailler, Ronnie Peterson, Niki Lauda, James Hunt, Clay Regazzoni, Keke Rosberg e René Arnoux.
Emerson qualificou-se em oitavo com o F5A, com o tempo seco. Na corrida, um temporal caiu sobre Silverstone e poucos conseguiram se manter na pista. Fittipaldi era um deles, com o carro muito bem acertado para a chuva, conseguiu fazer a melhor volta da corrida (longe do tempo dos treinos, mas melhor que todos os outros na chuva).
A corrida foi vencida por Keke Rosberg, sua segunda corrida com um F-1, a borde de um Theodore TR1, equipe de Hong Kong de mesmo nome. Emerson ficaria em segundo lugar a menos de dois segundos de Rosberg. Quem sabe com um pouquinho a mais de tempo o F5A não teria sua primeira vitória…
Abaixo a gravação das últimas voltas da corrida mostrando a pequena diferença entre Emerson e Rosberg. O F5A era mesmo um bom carro, o melhor de todos até o momento.
A TEMPORADA DE 1978 FOI A MELHOR DA HISTÓRIA DA EQUIPE
Seguindo adiante na temporada com corridas válidas para o campeonato, depois do sucesso do pódio no Brasil e em Silverstone (sem valer pontos), o F5A teve bons resultados em outras provas. Em todas as corridas que conseguiu terminar, ficou sempre entre os dez primeiros.
Não completou os GP do Estados Unidos, Bélgica, Espanha, França, Inglaterra e Canadá. Depois do segundo lugar no Brasil, Emerson conseguiu dois quartos lugares (Alemanha e Áustria), dois quintos lugares (Holanda e Watkins Glen) e um sexto lugar (Suécia), marcando pontos em todas estas. Ainda terminou entre os dez primeiros em Long Beach, Mônaco e Monza.
No total, marcou 17 pontos e terminou o ano em sétimo lugar no campeonato de construtores, à frente de equipes como McLaren, Williams, Arrows, Shadow e Renault. Emerson ficou em 10° no campeonato de pilotos.
O F5A era um bom carro, capaz de brigar com qualquer outro carro do grid de igual para igual. Ao longo da temporada e dos meses seguintes, os Fittipaldi venderam três dos quatro chassis de F5A para a equipe RAM Racing disputar a Fórmula Aurora, que contaremos em um post separado depois da sequência da Copersucar.
O ano de 1978 foi muito bom se comparado com os anos anteriores da equipe, que sempre sofria com problemas mecânicos e desempenhos fracos dos carros pouco competitivos e nada constantes. A consistência do F5A dava uma injeção de ânimo na equipe, finalmente tinham um carro capaz de andar junto com os primeiros colocados.
Para o ano seguinte, a Copersucar já preparava algo totalmente novo, chamado pelo time de “revolucionário”. Um carro que estava sendo desenvolvido desde o começo de 1978 com a ajuda de um dos responsáveis pelo sucesso da Lotus. Era o que os Fittipaldi esperavam. Veremos na continuação da história da equipe.
MB